16
de março de 2015 | N° 18103
L.
F. VERISSIMO
E se?
Mundo,
mundo, vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo, seria uma rima, não uma
solução, escreveu o Drummond. “Se” é sempre o começo de uma especulação inútil:
o que poderia ter acontecido e não aconteceu. Mundo, mundo, vasto mundo, se eu
me chamasse Raimundo minha vida não seria muito diferente. Já se em vez de
Verissimo eu me chamasse Rockefeller, seria.
O
que vem depois de um “se” é um mundo imaginário, em que cabem todas as
fantasias. E se o governo João Goulart não tivesse sido derrubado e fizesse as
reformas que pretendia fazer? E se o golpe de 64 tivesse fracassado?
Mesmo
como mera especulação, esta alternativa deve horrorizar quem nunca duvidou de
que o golpe impediu que o Brasil se transformasse numa República
anarcossindicalista, para usar os termos da época, e uma grande Cuba. Para
outros, um fracasso do golpe teria nos poupado de 20 anos de ditadura e as
reformas pregadas pelo governo e combatidas pela direita teriam beneficiado o
país sem ameaçar a democracia. Fantasias à vontade.
Mesmo
as especulações mais quiméricas precisam dar atenção a um mínimo de realismo.
Até fantasia tem limite. 64 aconteceu num contexto de Guerra Fria, quando a
doutrina de segurança continental, de contenção do comunismo ou de qualquer
coisa parecida, dominava a relação dos Estados Unidos com as Américas. E, se o
golpe de 64 tivesse fracassado, uma intervenção americana – ou no mínimo um
porta-aviãozinho americano posto à vista para assustar os nativos – seria
inevitável. Ou não seria? Outra vez, especulações, especulações.
O
treinamento de militares brasileiros por militares americanos na famigerada
Escola das Américas, onde se ensinavam, inclusive, técnicas de tortura, começou
antes do golpe. Antecedeu 64, e não seria demais especular que preconizou 64.
Nesse contexto, a probabilidade de uma resistência ao golpe e uma vitória dos
legalistas contra os golpistas simplesmente não existiu.
Falava-se
muito, na época, de um tal esquema militar do Jango, que estaria pronto a
enfrentar e derrotar os militares rebelados. O esquema militar do Jango virou
uma piada. A vitória do golpe já estava assegurada antes de um tanque dos
sublevados se mexer. Estava no currículo da Escola das Américas antes de
acontecer.
O
golpismo contemporâneo está distante do golpismo de 64 não só no tempo. Seu
contexto é completamente diferente. Ou será que, 51 anos depois, é a mesma
guerra com outras caras? Matéria para muitas especulações.
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