29
de março de 2015 | N° 18116
ANTONIO
PRATA
O desodorante
venceu
Lá pelos 11 anos, quando as glândulas sudoríparas
resolveram anunciar ao mundo minha entrada na puberdade, tive, como todo
garoto, que escolher um desodorante. Entre as figuras masculinas mais próximas
havia duas opções.
Meu
pai usava Avanço, uma marca barata que existe até hoje, na mesma bisnaga
acobreada e com o mesmo logo simplão, enquanto meu avô e meus tios maternos
usavam uma marca mais metida a besta, com um brasão todo rebuscado no frasco e
um nome longo e pomposo: English Lavender de Atkinson. Mesmo naquela idade eu
conseguia perceber que eram duas propostas antagônicas de masculinidade: de um
lado uma coisa mais Jesse Valadão, mais beque de fazenda; do outro, um troço
mais camisa polo, mais “retrogosto de frutas vermelhas”.
Confesso,
não exatamente orgulhoso, que a minha pré adolescência de escola particular,
shopping e Take my Breath Away em salão de festas do prédio me qualificava mais
pra camisa polo do que pra Jesse Valadão. Fosse na faculdade, já meio
intelectual, meio de esquerda, bebendo cerveja em mesas bambas e cantarolando
versos do cancioneiro popular, certeza que teria adotado o Avanço. Aos 11,
contudo, metido numa calça semibag da M. Officer e com um Reebok Pump nos pés,
acabei fechando com o English Lavender.
Não
por muito tempo, porém, pois lá pelo meio da adolescência, sem consultar a mim,
ao meu avô e aos meus tios maternos, pararam de fabricar nosso desodorante.
Senti que era uma traição à família, mas não tinha jeito: mudei pra marca usada
pela maioria dos meus colegas de escola: After Sport de Atkinsons. (Quem – ou o
quê – era – ou eram – o – ou os – Atkinsons, não sei até hoje, mas sem dúvida
fazia – ou faziam – bastante sucesso entre os anos 80 e 90 do século passado.)
Por
meia década, fui fiel ao tal After Sport, até que, pela segunda vez na minha
curta vida, as mãos invisíveis do mercado (ou suas axilas?) resolveram acabar
com meu desodorante. Nesta altura, terminada a faculdade, adotar o Avanço me
parecia, com o perdão da piada fácil, um retrocesso.
Já
via com certa ironia aquelas mesas bambas e aqueles sambas do morro saindo
desta boca branquela – se não me identificava com brasões ingleses, tampouco
acalentava esperanças de passar num teste pra figurante numa montagem de Orfeu
Negro, de modo que optei por um Nivea azulzinho, discreto, sem metafísica ou
grandes extrapolações socioculturais. E veja só você, cheiroso leitor, que mais
uma vez o capitalismo global parece ter resolvido imiscuir-se em meus sovacos.
O azulzinho sem metafísica, de uns tempos pra cá, vem sumindo das prateleiras.
É
claro que o problema deve ser meu, não do capitalismo global. Imagino que os
Cegos da Procter & Gamble e da Gessy Lever e da Nivea e da Johnsons (e
mesmo o sumido senhor Atkinsons – caso fosse um senhor e não, sei lá, uma
cidade ou uma erva bretã) tenham as narinas mais conectadas às tendências
odoríficas mundiais do que este equivocado escriba, que só aposta em
fragrâncias obsoletas, prestes a serem levadas pela brisa da história. É, deve ser
isso: sou um antiquado. Talvez seja o caso de desencanar dos desodorantes e
mudar, de uma vez por todas, pra naftalina.
Será
que ainda vendem naftalina?
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