sábado, 28 de março de 2015


29 de março de 2015 | N° 18116
ANTONIO PRATA

O desodorante venceu

Lá pelos 11 anos, quando as glândulas sudoríparas resolveram anunciar ao mundo minha entrada na puberdade, tive, como todo garoto, que escolher um desodorante. Entre as figuras masculinas mais próximas havia duas opções.

Meu pai usava Avanço, uma marca barata que existe até hoje, na mesma bisnaga acobreada e com o mesmo logo simplão, enquanto meu avô e meus tios maternos usavam uma marca mais metida a besta, com um brasão todo rebuscado no frasco e um nome longo e pomposo: English Lavender de Atkinson. Mesmo naquela idade eu conseguia perceber que eram duas propostas antagônicas de masculinidade: de um lado uma coisa mais Jesse Valadão, mais beque de fazenda; do outro, um troço mais camisa polo, mais “retrogosto de frutas vermelhas”.

Confesso, não exatamente orgulhoso, que a minha pré adolescência de escola particular, shopping e Take my Breath Away em salão de festas do prédio me qualificava mais pra camisa polo do que pra Jesse Valadão. Fosse na faculdade, já meio intelectual, meio de esquerda, bebendo cerveja em mesas bambas e cantarolando versos do cancioneiro popular, certeza que teria adotado o Avanço. Aos 11, contudo, metido numa calça semibag da M. Officer e com um Reebok Pump nos pés, acabei fechando com o English Lavender.

Não por muito tempo, porém, pois lá pelo meio da adolescência, sem consultar a mim, ao meu avô e aos meus tios maternos, pararam de fabricar nosso desodorante. Senti que era uma traição à família, mas não tinha jeito: mudei pra marca usada pela maioria dos meus colegas de escola: After Sport de Atkinsons. (Quem – ou o quê – era – ou eram – o – ou os – Atkinsons, não sei até hoje, mas sem dúvida fazia – ou faziam – bastante sucesso entre os anos 80 e 90 do século passado.)

Por meia década, fui fiel ao tal After Sport, até que, pela segunda vez na minha curta vida, as mãos invisíveis do mercado (ou suas axilas?) resolveram acabar com meu desodorante. Nesta altura, terminada a faculdade, adotar o Avanço me parecia, com o perdão da piada fácil, um retrocesso.

Já via com certa ironia aquelas mesas bambas e aqueles sambas do morro saindo desta boca branquela – se não me identificava com brasões ingleses, tampouco acalentava esperanças de passar num teste pra figurante numa montagem de Orfeu Negro, de modo que optei por um Nivea azulzinho, discreto, sem metafísica ou grandes extrapolações socioculturais. E veja só você, cheiroso leitor, que mais uma vez o capitalismo global parece ter resolvido imiscuir-se em meus sovacos. O azulzinho sem metafísica, de uns tempos pra cá, vem sumindo das prateleiras.

É claro que o problema deve ser meu, não do capitalismo global. Imagino que os Cegos da Procter & Gamble e da Gessy Lever e da Nivea e da Johnsons (e mesmo o sumido senhor Atkinsons – caso fosse um senhor e não, sei lá, uma cidade ou uma erva bretã) tenham as narinas mais conectadas às tendências odoríficas mundiais do que este equivocado escriba, que só aposta em fragrâncias obsoletas, prestes a serem levadas pela brisa da história. É, deve ser isso: sou um antiquado. Talvez seja o caso de desencanar dos desodorantes e mudar, de uma vez por todas, pra naftalina.


Será que ainda vendem naftalina?

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