quinta-feira, 31 de maio de 2012


CLÓVIS ROSSI

Espíritos nada santos

Impressiona a intriga por trás do vazamento de documentos pessoais do papa Bento 16

Dias antes de os cardeais eleitores do novo papa, sucessor de João Paulo 2º, se trancarem no Vaticano, conversei com um deles, para tentar entender a cabeça desses votantes absolutamente atípicos.

Habituado a cobrir campanhas eleitorais mundo afora, da África do Sul à Argentina, de Israel ao Paraguai, do Brasil ao Reino Unido, viciei-me naturalmente em constatar nessas ocasiões um bocado de intrigas, previsões, acordos raramente limpos, ambições raramente contidas -enfim, todo o universo em que nos movemos os mortais comuns.

Esperava algo disso na conversa com o cardeal, mesmo sabendo que se tratava de uma eleição atípica, a começar do fato de que não havia candidatos, pelo menos não formalmente, e, portanto, não havia campanha eleitoral, marquetagem, debates na TV e por aí vai.

Mesmo assim, o interlocutor me surpreendeu com uma conversa filosófico-espiritual. Insistiu uma e outra vez em que, no fundo, quem decidia a eleição era o Espírito Santo, que soprava ao ouvido dos cardeais o nome certo para governar a Igreja Católica.

Confesso que logo me veio um pensamento iconoclástico: esse Espírito Santo deveria ser um brincalhão porque soprava nomes diferentes aos ouvidos de diferentes cardeais, tanto que a eleição raramente se definia na primeira votação.

Aliás, Bento 16 só obteve os dois terços (ou mais) dos votos necessários na quarta tentativa.

Essa conversa de 2005 voltou à memória ao ler ontem na Folha que o Vaticano está procurando mostrar que os documentos do papa que vazaram representam não só ideias dele, mas também "os pensamentos de pessoas que, ao escrever para o papa, acreditavam estar essencialmente falando perante Deus".

Pela conversa de 2005 e por essa notícia, deduzo obrigatoriamente que não é apenas um cardeal, mas uma parte importante dos fiéis que acredita na interferência do Espírito Santo em assuntos da igreja ou até pessoais.

Como não desdenho da fé de ninguém (ao contrário, respeito todas), meu pensamento iconoclástico me causou à época um certo mal-estar.

Não que ache que o Espírito Santo é de fato o grande eleitor dos papas. Mas não me dou o direito de debochar de quem, sinceramente, crê nessa hipótese.

Até ler os comentários de Juan Arias no debate que a edição on-line de "El País" promove sobre os vazamentos. Arias, hoje correspondente do jornal no Brasil, é talvez a pessoa mais qualificada para falar de assuntos do Vaticano, correspondente que foi, durante 14 anos, em Roma, além de ex-sacerdote.

Arias atribui o vazamento a intrigas em torno da sucessão do papa, iguais às que foram correntes na Idade Média e no Renascimento. "Os italianos querem voltar ao papado após 30 anos", comenta, já apontando o dedo na direção dos possíveis responsáveis pelas intrigas dos tempos modernos.

Mais: "Ninguém chega a cardeal sem a secreta esperança de ser ele o papa. E nunca vai pronunciar o nome de outro cardeal que possa ser melhor papa do que ele".

É, acho que o Espírito Santo tem pouco a ver com essa história.

crossi@uol.com.br


ELIANE CANTANHÊDE

Abstinência de poder

BRASÍLIA - Como escrito nas estrelas desde o encontro nada institucional entre Lula e Gilmar Mendes, Gilmar destrambelhou e se jogou no centro de uma fogueira que não era dele, enquanto Lula faz o caminho inverso: assume a condição de vítima, com direito a homenagem de Dilma em palácio, vídeo do presidente do PT e guerrilha da "militância abnegada" na internet.

Antes que o grave erro de Lula passe a contar a favor e não contra ele, registre-se que o fim do poder lhe fez muito mal. Desde que desceu a rampa do Planalto, Lula vem pisando em falso e botando os pés pelas mãos.

Impôs unilateralmente Haddad ao PT-SP, assim como impusera Roseana Sarney para o PT-MA. São Paulo, porém, não é o Maranhão e Marta Suplicy não é Domingos Dutra.

Haddad é, de fato, um bom produto eleitoral e, se ganhar, será um fenômeno à la Dilma. Mas, por enquanto, patina e custa cada vez mais caro na negociação com os aliados.

Lula também atropelou Dilma, o Congresso e meia bancada do PT ao exigir a criação de uma CPI que só interessava à sua sanha contra a oposição e para embaçar o mensalão.

Do ponto de vista prático, Cachoeira e seus comparsas já estavam presos, Marconi Perillo já tinha caído nos grampos da PF e Demóstenes já estava na lona. Agora, com a quebra de sigilo da Delta, muitos aliados e muitas obras do governo federal podem entrar na dança.

E, enfim, nada pode ser mais "faca no pescoço" do Supremo (como temem os advogados dos réus do mensalão) do que a pressão, orientação ou insinuação de um ex-presidente tão popular e que indicou 8 dos 11 ministros da corte. O que mais Lula pretenderia ao procurar Toffoli e Lewandowski diretamente e outros ministros via seus padrinhos?

Se despreza as regras republicanas, ele deveria ao menos usar sua intuição brilhante e sua habilidade política invejável para imaginar o estrago que Gilmar faria. Como fez.

elianec@uol.com.br

ROGÉRIO GENTILE

Medo de cadeia

SÃO PAULO - O julgamento do mensalão assusta demais o PT e é isso que torna crível o relato de Gilmar Mendes sobre a tal pressão que Lula teria feito sobre o ministro do STF. É grande o risco de que algum figurão do partido saia algemado do Supremo Tribunal Federal.

José Dirceu, por exemplo, descrito na denúncia do procurador-geral "como integrante do núcleo central de uma complexa organização criminosa", é acusado por formação de quadrilha e corrupção passiva. Se for condenado, pode pegar vários anos de cadeia. Genoino, Delúbio e João Paulo podem ter o mesmo rumo.

Os próprios advogados dos réus já os alertaram sobre essa possibilidade. Qual o impacto de uma cena desse tipo na eleição de outubro, na imagem do PT e na do próprio Lula?

Preocupado, o ex-presidente mobilizou o partido em favor da CPI do caso Cachoeira. Imaginou que a investigação poderia desmoralizar os "autores da farsa do mensalão", como bem disse o presidente do PT, Rui Falcão, em vídeo do partido.

Até agora, no entanto, conseguiu apenas acirrar os ânimos e atrair mais holofotes para o julgamento. O mesmo efeito obteve com o tal encontro com Gilmar Mendes.

Pesa a favor de Lula a declaração de Nelson Jobim, que presenciou o encontro. O ex-ministro de Lula e ex-ministro do STF desmentiu Mendes, mas, dado o seu histórico, não é exatamente uma testemunha confiável.

Jobim, para quem não se lembra, fez parte de um dos episódios mais lamentáveis da história do Brasil quando, em 1988, participou de um acordo pelo qual foram incluídos no texto da Constituição artigos que não haviam sido votados.

De qualquer modo, tendo ou não havido pressão, o episódio esquentou ainda mais o clima. O julgamento do mensalão ganha cada vez mais ares de disputa política, com juízes pressionados e raivosos. E isso não é bom para ninguém. Mais do que o destino dos réus, está em jogo a credibilidade do Judiciário.


31 de maio de 2012 | N° 17086
ARTIGOS - Denise Souza Costa*

Desconectado e insustentável

O sistema educacional ultrapassado, a ausência de uma política pública permanente que dê prioridade absoluta à educação básica e uma atenção especial ao Ensino Superior voltado à inovação e à docência, no Brasil, geram graves consequências na dimensão social e econômica.

A primeira resulta na falta de mobilidade social das camadas mais vulneráveis e a segunda (resultado da primeira), na falta de trabalhadores qualificados, desacelerando a economia e prejudicando a competitividade das empresas.

O livro do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Desconectados – Habilidades, educação e emprego na América Latina, traz uma pesquisa com 1,2 mil empresas do Brasil, da Argentina e do Chile, segundo a qual 80% dos empresários revelaram que seu maior problema de recursos humanos é encontrar jovens que saibam redigir um simples currículo, ou de comunicar de maneira eficiente um problema a seu superior ou chegar pontualmente ao trabalho.

Este estudo mostra que as escolas latino-americanas estão totalmente desconectadas do mundo dos negócios, e afirma que “há uma urgente necessidade não só de enfrentar os problemas da qualidade da educação, mas também a relevância da educação para facilitar a transição dos jovens para o mundo empresarial”.

E ressalta que “as habilidades, tanto as do conhecimento quanto as socioemocionais, são fundamentais para o desenvolvimento contínuo de crianças e jovens dentro do sistema educacional e posteriormente no mercado de trabalho”.

O BID recomenda que haja um âmbito de intervenção mais amplo na escola, que integre o desenvolvimento de habilidades não cognitivas ou socioemocionais, reformando não só o conteúdo curricular, mas também as práticas pedagógicas com esse objetivo. Sugere a criação de mecanismos que vinculem as escolas ao meio, especialmente ao âmbito produtivo.

Propõe a aplicação de sistemas de avaliação e informações aliados às habilidades que se busca desenvolver, não só conhecimentos acadêmicos, mas também habilidades não cognitivas relevantes para o desenvolvimento no trabalho e na vida. Destaca a importância de professores bem preparados e esquemas de incentivos consistentes com os resultados exigidos pelas metas propostas.

Enfatiza a necessidade de uma maior conexão entre os sistemas educacionais e o setor privado. Um lado buscando desenvolver as aptidões cognitivas, de acordo com as necessidades e demandas do mercado; de outro lado, desenvolver as aptidões não cognitivas, visando ao desenvolvimento pessoal, ao relacionamento social e ao exercício da cidadania.

Se não houver uma política pública permanente, renovada e contemporânea, integrando Estado, família e sociedade, fatalmente o crescimento econômico nacional vai se desacelerar, as desigualdades sociais vão persistir e seremos um país insustentável.

*CONSULTORA DA UNESCO, PRESIDENTE DA COMISSÃO DE EDUCAÇÃO DA OAB/RS



31 de maio de 2012 | N° 17086
CLAUDIA TAJES

O modernômetro

Em um programa de televisão, desses em que os debatedores opinam sobre qualquer assunto com uma segurança constrangedora, alguém falou que o uso do PS em e-mail era de uma total idiotice.

Que o famoso Post Scriptum, “escrito depois”, em latim, havia perdido a razão de ser agora que basta colocar o cursor no corpo do texto e botar lá o que faltou. No tempo das cartas, o PS era bem isso, a forma de botar lá o que faltou. O jeito de completar uma ideia, de corrigir uma informação, de acrescentar uma lembrança, de juntar um carinho, tudo sem necessidade de Errorex.

O coitado do PS virou, então, tema de polêmica, com uma guria a defendê-lo e uns três ou quatro a exigir-lhe a cabeça. No final, um dos convidados sentenciou: ninguém poderá se considerar moderno se usar PS.

O chapéu serviu para mim. Não quero me considerar moderna e adoro um PS. Escrevo e-mails com PS a torto e a direito (eis aí uma expressão antiga). Muitas vezes, o conteúdo do PS não cai bem no corpo do e-mail. Se a conversa é séria, como encaixar uma graça? Se é leve, como ficar grave apenas trocando de parágrafo? Se tem a ver com amor, como misturar com o tom comercial de certos arranjos tão chatos quanto necessários nas relações?

Por conta disso, estou decidida, com uma segurança constrangedora, a manter o PS nos meus e-mails. O papo do programa me lembrou o que um dia ouvi de um quase-jovem publicitário com quem trabalhei: que eu não era moderna para criar a propaganda de um chinelo.

Puxa, de um chinelo? Diante desses critérios, dá vontade de dizer, para o cara do PS e para o semijovem criativo, que moderno é o Carlos Drummond de Andrade, o poeta mineiro nascido em 1902 que, neste ano, é o homenageado da Festa Literária Internacional de Paraty, a moderna Flip. Mas deixa assim. Seria muita informação, e eu que não quero estourar o modernômetro deles.

PS: A Secretaria de Estado da Cultura acaba de lançar seis editais do Fundo de Apoio à Cultura, com R$ 10 milhões para financiar projetos em diversas áreas do desenvolvimento cultural, como se vê em www.cultura.rs.gov.br.

PS2: O 20º Prêmio Unirádio da FM Cultura acaba de reconhecer estudantes da Unisinos, da PUCRS e da Feevale. Legal ver que o rádio está sendo pensado, nas faculdades de Comunicação, de um jeito realmente moderno: com conteúdo.


31 de maio de 2012 | N° 17086
PAULO SANT’ANA

Os dois sexos

A mulher é um ser mais frágil do que a criança.

Isso se dá pela superioridade física do homem. Tanto isso é verdade, que nas Olimpíadas as marcas dos homens em todas as modalidades de esporte são infinitamente maiores do que as das mulheres.

Intelectualmente, o homem não é superior à mulher. Tornou-se aparentemente superior em matéria intelectual à mulher porque séculos de poder machista se adonaram da liderança dos meios intelectuais através do poder, os homens tomaram conta dos livros, da História, das estratégias de guerra, da política, depois, dos meios de comunicação, e firmaram, assim, uma hegemonia sobre a mulher.

No século passado, houve uma reviravolta, e as mulheres iniciaram sua revolução, que vem sendo gradativa e levará talvez mais um século para que a mulher se equipare ao homem.

Eu fico impressionado quando vejo na televisão as mulheres discorrendo sobre todos os assuntos com uma desenvoltura que seria inacreditável no tempo em que eu era rapaz.

Fruto dessa revolução é a mudança em um setor da civilização que permaneceu no comando dos homens por milênios, os governos. Já nos dias de hoje, pode-se notar algumas mulheres governando as nações, os Estados, os municípios, as empresas e as repartições públicas.

O fator mais emblemático dessa assunção da mulher é um fato que pode parecer desimportante mas tem grande influência nessa mudança da relação homem-mulher na civilização: foi quando as mulheres passaram a ser integrantes das forças armadas.

Só aí se viu que não há diferença entre o homem e a mulher, porque o homem subjugava a mulher como o senhor da guerra, isto é, o senhor do poder, detentor exclusivo sobre todas as decisões, através da força.

Enquanto o homem manteve a superioridade sobre a mulher em todas as decisões, no entanto a mulher foi fundamental para essa supremacia do homem: a mulher foi o serviço de intendência do homem. O último e mais seguro refúgio do homem, o lar, sempre foi administrado pelas mulheres.

Foi na retaguarda preciosa das mulheres que o homem guerreiro e empreendedor encontrou o seu grande estímulo.

Se me fosse concedido morrer e nascer de novo, eu quereria ser mulher. Apesar de que, mesmo sendo homem, guardo muitos traços de delicadeza sentimental feminina.

Não posso fugir do lugar-comum, eu queria ser mulher, se nascesse de novo, para me tornar mãe.

Eu acho que a única forma de ser uma criatura humana completa é ser mãe.

A pessoa masculina é aflita e insegura por não ter podido ser mãe.


31 de maio de 2012 | N° 17086
L. F. VERISSIMO

A maior metáfora do mundo

Paris – Faz cem anos que o Titanic foi ao fundo, e o aniversário do naufrágio está tendo quase tanta cobertura quanto o próprio naufrágio. Há exposições sobre o navio e seu fim em várias cidades da Europa e discute-se outra vez desde as minúcias do desastre, como a desatenção do comando do navio aos vários alertas de icebergs na rota, até seu significado maior.

Um jornal satírico americano fez uma edição inteira lembrando o acidente e seus intérpretes, cuja manchete principal era “Maior metáfora do mundo bate em iceberg e afunda”.

Que o trágico fim da maior coisa construída pelo homem até então era uma metáfora ninguém discutia. Mas qual, exatamente, a metáfora?

O naufrágio do Titanic marcava o fim tardio do século 19 e sua confiança ilimitada no progresso tecnológico. Como um castigo a mais pela pretensão do século que findava, dali a dois anos toda a nova engenhosidade da era estaria engajada nas máquinas de morte da Grande Guerra e a tragédia precursora do Titanic simbolizaria um adeus à inocência.

Chamado de indestrutível, o Titanic desafiara os deuses, como os titãs do mito, e, como os titãs, fora destruído pelos deuses – metaforicamente.

Outra metáfora: nada simboliza a divisão de classes como a divisão das classes num navio como o Titanic, onde os viajantes do porão, inclusive as crianças, tiveram poucas chances de escapar com vida. O Titanic também era o mundo do privilégio ostensivo e da massa descartável metaforizado.

Cherburg, na Normandie, tem uma razão especial para lembrar o Titanic. Seu porto foi uma das duas escalas feitas pelo navio depois de deixar Southampton.

Estivemos há dias na simpática Cherburg – que também foi um porto importantíssimo durante a II Guerra Mundial e é a terra dos guarda-chuvas filmada por Jacques Demy, com música de Michel Legrand. Fomos visitar sua exposição dedicada ao Titanic. Excelente. No rádio do carro, não, não Michel Legrand, mas, juro, Ai se eu te pego. Simbolizando, pensando bem, nada.

quarta-feira, 30 de maio de 2012



30 de maio de 2012 | N° 17085
MARTHA MEDEIROS

O importante é ter charme

Amanhã é o Dia Mundial sem Tabaco, data impensável nos anos 70, quando fumar ainda era uma atitude de classe. Não por acaso, uma das marcas mais vendidas chamava-se Charm, que contava com garotas-propaganda do quilate de Danuza Leão, Adalgisa Colombo e Ilka Soares, todas mulheres de personalidade, reconhecidas por sua beleza e sofisticação. Mesmo quem não fumava tinha vontade.

Em 20 anos, todo esse glamour virou fumaça. Acender um cigarro passou a ser uma atitude deselegante, que não agrega nada de positivo à imagem daquele que dá suas baforadas. Outro dia, estava dentro do meu carro, esperando o sinal abrir, quando uma senhora chique, com os cabelos brancos bem cortados, de porte monárquico, começou a atravessar pela faixa.

Minha admiração murchou quando reparei que a rainha estava dando suas últimas e aflitivas tragadas antes de entrar em um shopping. Fumar caminhando na rua já é feio, e pra completar, a madame jogou a bituca no chão. Muita gente já não joga lixo no chão (amém), mas parece que a regra não vale para o cigarro. Largam em qualquer lugar, pisam em cima e vão em frente.

A propaganda tabagista saiu do ar, e o charme também – não o cigarro, mas o atributo. Ninguém mais acha importante ter charme.

Não jogar lixo na rua é uma questão de educação, sei disso, mas ser educado também é uma atitude charmosa. Ainda mais nos dias atuais, em que a grosseria impera, as pessoas são folgadas, os gestos são espalhafatosos, o tom de voz é alto, a megalomania é indisfarçada, a falta de cerimônia é geral.

Não há mais espaço para a sutileza, para o pedido de licença, para as atitudes suaves, para a discrição. Adeus à vida em slow, a uma presença insinuada e sensual. Agora tudo acontece sob os holofotes, é escancarado, gritado, a atenção é requerida à força.

A distorção de valores chegou a tal ponto, que pessoas discretas são consideradas arrogantes, os modestos são vistos como dissimulados e os que não se rendem a modismos são tachados de esnobes. Ser autêntico – requisito número 1 para se ter charme – virou ofensa. Ou a criatura faz parte do rebanho, ou é um metido a besta.

A cena clássica da mulher fatal segurando uma piteira e a do homem viril com o toco de cigarro no canto da boca ainda povoam o imaginário dos nostálgicos, mas o importante é ter charme, hoje, sem precisar de acessórios.

O modo de mexer no cabelo, uma fala pausada, um olhar direto, um sorriso espontâneo, a segurança de não precisar se valer de estereótipos para agradar – charme. Bom gosto nas escolhas, saber a hora de sair de cena, fazer as coisas do seu jeito – charme.

Estar confortável no corpo que habita, ter as próprias opiniões, alimentar sua inteligência com livros e pessoas interessantes – charme. Não se mumificar, não ser tão inflexível, não virar uma caricatura de si mesmo – charme. Que o mantenhamos, sem precisar voltar a fumar.



30 de maio de 2012 | N° 17085
EDITORIAIS ZH

Entre o falar e o fazer

O senador Demóstenes Torres caprichou na oratória durante o seu depoimento de cinco horas no Conselho de Ética do Senado, negou a maioria das acusações, admitiu pequenos deslizes (como ter recebido um telefone de presente do contraventor Carlos Cachoeira), fez o papel de vítima e até assumiu a condição de carola. Também procurou transferir responsabilidades, denunciando uma suposta conspiração da Polícia Federal e do Ministério Público para prejudicá-lo.

Disse que foi traído pelo bicheiro e que desconhecia suas atividades ilegais. Na mais inverossímil de suas afirmações, o parlamentar garantiu que estava fazendo um teste quando avisou o contraventor sobre suposta operação da Polícia Federal – com o propósito de descobrir se ele ainda se mantinha ligado aos jogos ilegais.

Falou muito o senador acusado de usar o mandato para beneficiar um delinquente. Para culminar, buscou em sua defesa um samba antigo do compositor Ismael Silva, que se inicia com o verso “nem tudo que se diz se faz”. Tentou, assim, desqualificar as gravações comprometedoras de suas conversas com o empresário Carlos Cachoeira.

 “Que eu seja julgado pelo que eu fiz, não pelo que falei que iria fazer” – bradou para os integrantes do Conselho, que tomarão a primeira decisão sobre a provável cassação de seu mandato.

Talvez tenha marcado um gol contra. Se ele não quer ser julgado pelo que fala, todo o esforço que fez ontem para convencer seus pares terá que ser desconsiderado, até mesmo porque o discurso pensado, planejado, elaborado para persuadir, tende a ser menos autêntico do que o flagrante de uma gravação em que os interlocutores não sabem que estão sendo ouvidos por terceiros.

E, pelo que já se conhece dos trechos divulgados, há o suficiente para caracterizar quebra de decoro parlamentar, pelo dito e pelo feito.


30 de maio de 2012 | N° 17085
PAULO SANT’ANA

O Dia D para a República

Foi dramático o dia para a República ontem.

Lula da Silva se debatia no silêncio do seu quarto para responder ou curtir a acusação do ministro Gilmar Mendes de que o ex-presidente foi cantá-lo para não julgar o mensalão antes das eleições.

É grave pedir para um ministro e seu tribunal para não julgarem. Os ministros e os tribunais foram feitos para julgar.

Enquanto isso, fiquei na televisão durante quatro horas, ouvindo o depoimento do senador Demóstenes Torres, na antessala de seu cadafalso, a Comissão de Ética do Senado.

Ouvi as razões do senador Demóstenes, só ele falando durante uma hora e meia.

E concluí para mim mesmo: “Eu absolveria esse cara”.

Mas em seguida deram lugar para as perguntas e o senador Demóstenes foi de declínio em declínio, descendo a lomba da autenticidade, foi se desmentindo, foi mentindo, chegou ao ponto máximo de dizer que durante todos esses anos não sabia que o Carlos Cachoeira era banqueiro de jogos ilícitos em Goiás, por isso mantinha relações estreitíssimas com ele.

Ora, até os engraxates de Goiás, os cães domésticos em Goiás sabem que Cachoeira há muitos anos é banqueiro do jogo do bicho em Goiás.

Desmoronou como um cone de sorvete o senador Demóstenes.

E eu deixei a televisão condenando-o inexoravelmente.

Quanto ao encontro entre Lula da Silva, o ministro Gilmar Mendes e o ex-ministro Nélson Jobim, só me ocorria um raciocínio: a quem interessa um bizarro encontro desses?

A resposta é que só interessa a quem não quer que se julgue alguma coisa no Supremo, no caso o mensalão, o maior pepinão da história deste arremedo de República.

Mas Lula não quis falar e soltou uma nota. Diz a nota que ele está indignado. Quem está indignado não escreve numa nota dizendo que está indignado. Quem está indignado fica indignado. E vem para a televisão dar murros na mesa e na tela e gritar que está indignado.

Eu não estava lá nesse encontro. Nenhum brasileiro entre nós assistiu a esse excêntrico encontro tríplice. Mas aos brasileiros mais atilados não escapou de que lado vinha o melhor aroma da verdade.


30 de maio de 2012 | N° 17085
JOSÉ PEDRO GOULART

Verdades e mentiras

Aimagem do mágico cujo truque não funciona direito é bem conhecida. Sempre tem uma criança que descobre e aponta para algo errado durante o número, e todos vaiam. Ou riem, o que é pior. A mentira foi descoberta. O bom é que não fosse.

Em F for Fake, Orson Welles especula sobre a verdade e a mentira. O filme mistura ficção e documentário, só que muitas vezes ficamos sem saber o que é um ou outro; a maior parte do tempo, inclusive, ele conta a história de um falsificador de arte, cuja obra é tão boa que praticamente é impossível saber qual a cópia e qual o original.

Welles, ele mesmo um falsificador – um mestre na mentira e na ilusão – já havia causado histeria na população americana ao transmitir pelo rádio o anúncio de que os Estados Unidos estavam sendo invadidos por marcianos; na verdade ele encenava A Guerra dos Mundos, uma novela de ficção científica.

Na Zero Hora havia um questionário destinado a famosos. Uma das perguntas: “Em que situação vale a pena mentir?”. As respostas variavam entre “Nunca” ou “Só se for para proteger alguém”. Ninguém diz “Sempre”, que seria a resposta menos mentirosa. Eu, você, sabemos – o Orson Welles, velho zombeteiro, sabia ainda mais – que a verdade é uma ilusão. E o carvão da ilusão é a mentira.

Mentimos, fingimos, enganamos. E queremos que nos mintam, queremos ter fé. É na ilusão de que o outro irá nos redimir que reside a paixão, por exemplo. A paixão acaba quando termina a idealização. A verdade é chata. A imagem do mágico cujo truque dá errado é a de um cara triste, um cara que não sabe mentir direito.

E também mentimos porque precisamos, para evitar uma autoconsciência que nos massacraria, ou porque sequer sabemos onde é que fica a tomada que nos conectaria à verdade absoluta. Em última análise, mentimos porque cada um de nós é um projeto fictício de si mesmo.

A nos redimir, o dedo infantil que aponta o truque errado do mágico ou que revela que o rei está nu: a famosa verdade verdadeira das crianças. Minha filha, por exemplo, tinha cinco anos quando me disse o seguinte: “Papai, quando eu crescer tem três coisas que eu não quero que aconteçam comigo: casar, morrer e ter um nariz igual ao teu”.

terça-feira, 29 de maio de 2012


CARLOS HEITOR CONY

O túmulo e o sanduíche

RIO DE JANEIRO - Uma semana em Nova York e paguei dois tributos de visitante classe média: um bom espetáculo na Broadway, com "Porgy and Bess", montado por um extraordinário elenco negro, a música de Gershwin sendo ainda a melhor trilha musical para a cidade; e uma comprida visita às obras do Marco Zero, onde está sendo finalizado o memorial das 2.983 vítimas do atentado de 11 de setembro que derrubou as duas torres do World Trade Center.

Sobre o musical de Gershwin escreverei mais tarde, no caderno "Ilustrada". Valeu a pena, em todos os sentidos, como espetáculo em si e como obra de arte.

Quanto ao memorial, minha reação foi estranha. Apreciei o esforço da cidade em erguer um espaço monumental tecnicamente perfeito, aproveitando inclusive a oportunidade de melhorar urbanisticamente aquele confuso trecho do sul de Manhattan.

Já visitei, mundo afora, alguns locais históricos, as esplanadas de Hiroshima e Nagasaki, as ruínas de Massada, só não vou me meter a besta para ver os destroços que ainda restam do "Titanic" no fundo do mar.

O memorial do Marco Zero será sem dúvida uma façanha, cheia de boas intenções e algumas soluções estéticas apreciáveis. Mas há alguma coisa de sinistro naquele local, sobretudo quanto ao aspecto comercial do empreendimento. Em Hiroshima e Nagasaki e em Massada, sobretudo, a emoção fica por conta das tragédias que ali aconteceram.

No memorial do 11 de Setembro está sendo criado um grande e assombroso shopping. Na visita que fiz, havia uma senhora lendo para quem quisesse ouvir, o seu protesto de mãe e cidadã: "Aqui está enterrado meu filho único, cujo corpo nunca foi encontrado. Será doloroso para mim saber que muitos jovens virão comer sanduíches do McDonald's em cima do túmulo dele".

MÁRCIO THOMAZ BASTOS

Em defesa do direito de defesa

Fora canibais da honra, gente bem-intencionada me indaga por Cachoeira. Na advocacia, o desafio fascina: pelos direitos do acusado, enfrentar o Estado

Em 1956, solicitador acadêmico -o equivalente de então de estagiário-, comecei a advogar.

Exerci a atividade ininterruptamente, de forma intensa, conquanto modesta, até 2002. Parei em 2002 e assumi, extremamente honrado, o Ministério da Justiça, no governo Lula, onde fiquei por 50 meses.

Fiz uma quarentena, que não me era obrigatória, até final de 2007, quando voltei a me dedicar ao meu verdadeiro ofício, a prática legal. Ou seja, para terminar esta exposição cheia de datas, de 1956 a 2012 (56 anos) fui ministro por quatro anos. Os outros 52, devotei-os à advocacia.

Também servi à profissão como dirigente da OAB-SP e da OAB nacional. Na vida profissional, alguns momentos me orgulharam muito: as Diretas Já, a Constituinte, o julgamento dos assassinos de Chico Mendes, a fundação do Instituto de Defesa do Direito de Defesa e muitas centenas de defesas que assumi, tanto no júri como no juiz singular.

No Ministério da Justiça, a reestruturação da Polícia Federal, a construção do Sistema Penitenciário Federal, a reforma do Judiciário, a campanha do desarmamento, a reformulação da Secretaria de Direito Econômico, a implantação do Sistema Único de Segurança Pública, o pioneiro Programa de Transparência, a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol e a fundação da Força Nacional de Segurança Pública.

Foram duas fases bem distintas e demarcadas. Numa, o serviço público, trabalho balizado sob o signo de duas lealdades que nunca colidiram: às instituições e à Presidência.

Noutra (advocacia e OAB), primeiro a luta pelo estabelecimento de um Estado de Direito; depois, a prática profissional, que procurei marcar pelo respeito à ética, ao estatuto da OAB, às leis e, principalmente, à Constituição brasileira, entre cujos dogmas fundamentais estão assegurados o direito de ampla defesa, o devido processo legal, o contraditório, a licitude das provas, a presunção de inocência e, de forma geral, a proibição dos abusos.

Durante essa longa trajetória de advogado que vota no PT -não de petista que advoga-, tive muitas oportunidades de representar clientes vistos como inimigos figadais do partido. (Não cito nomes, para preservá-los.) Nenhum foi recusado por isso.

Desse modo, salvei minha independência como defensor, nunca a alienando a quem quer que fosse. A liberdade do advogado é condição necessária da defesa da liberdade.

Assim como representei centenas de clientes dos quais nunca recebi honorários, trabalhei para muitos que puderam pagar, alguns ricos, entre pessoas físicas e empresas.

Agora que aceitei representar, no campo criminal, o senhor Carlos Augusto Ramos, apelidado de Cachoeira, surgem comentários sobre a minha atuação, estritamente técnica.

Fora os costumeiros canibais da honra alheia -aos quais não dou atenção nem resposta-, pessoas que parecem bem-intencionadas questionam se eu poderia (ou deveria) ter me incumbido dessa defesa, ou porque fui Ministro da Justiça, ou então porque sou ligado ao PT e ao ex-presidente Lula, ou, ainda, "porque não tenho necessidade de fazer isso".

A todas essas dúvidas, a resposta é negativa. Nada me proíbe, nesta altura da vida -como nunca antes, à exceção do tempo do serviço público- de assumir a defesa de alguém com quem não me sinto impedido, legal, moral ou psicologicamente, cobrando ou não honorários.

Entre tantos casos importantes em que venho trabalhando, dois chamaram muito a atenção pública: esse e o das cotas na UnB. No primeiro, estou recebendo honorários; no segundo, trabalhei "pro honorem", ou seja, sem nenhuma remuneração.

Em matéria criminal, aumenta a responsabilidade do advogado, nos termos do nosso código de ética: "É direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar a sua própria opinião sobre a culpa do acusado". Porque, como diz Rui Barbosa, indo nas raízes da questão:

"Quando quer e como quer que se cometa um atentado, a ordem legal se manifesta necessariamente por duas exigências, a acusação e a defesa, das quais a segunda, por mais execrando que seja o delito, não é menos especial à satisfação da moralidade pública do que a primeira. A defesa não quer o panegírico da culpa ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente ou criminoso, a voz dos seus direitos legais."

O fascinante da profissão é o seu desafio. Enfrentar o Estado -tão provido de armas, meios e modos de atingir o acusado- e ser, ao lado deste, a voz de seus direitos legais.

Há 12 anos, escrevi neste mesmo espaço um texto com o mesmo título: "Em defesa do direito de defesa". Não esperava ser convidado a escrever outro, sobre o mesmo tema, depois de tantos avanços institucionais que o Brasil viveu de lá pra cá.

MÁRCIO THOMAZ BASTOS, 76, é advogado criminalista. Foi ministro da Justiça (de 2003 a 2007, governo Lula)

ELIANE CANTANHÊDE

"STF não é sindicato"

BRASÍLIA - Nem Lula, nem Nelson Jobim, nem Gilmar Mendes desmentem que houve um encontro entre eles, no dia citado pela "Veja" e no escritório de Jobim. Esses são os fatos, o resto são versões e especulações. A elas.

Jobim foi ministro de Lula e é (pelo menos era até sexta-feira passada) amigo pessoal de Gilmar. Logo, um mediador perfeito para uma conversa espinhosa entre os dois, dessas que jamais podem sair na imprensa, mas vivem saindo. Seria muita cara de pau dizer que o encontro foi mera coincidência.

Gilmar vive às turras com o PT de Lula, e Lula não gosta de ninguém que não o endeuse. Gilmar e Lula não marcariam de se encontrar no escritório de Jobim só para bater um papo, tomar uma cerveja e comer amendoim. Nem para falar de flores.

Já que tratamos aqui de especulações, vamos pensar: falaram, então, do clima seco de Brasília? Da Rio+20? Do Corinthians na Libertadores? Do sucesso de Dilma? Ou, ao contrário, do novo "pibinho" de menos de 3% que se anuncia para 2012?

Afora o Corinthians, não consta que Lula esteja dando muita bola para nenhuma dessas coisas. Dizem -não os adversários, mas os fiéis seguidores- que ele só age pensando naquilo: eleição de São Paulo, CPI do Cachoeira e... mensalão. Questões, aliás, bastante intrincadas entre elas.

Logo, "se non é vero, é bene trovato" que Lula ande à cata de ministros do Supremo para adiar o julgamento do mensalão em ano eleitoral e tente usar a CPI como moeda de troca. Como também soa quase natural, até pela personalidade, Gilmar botar a boca no trombone.

Tudo faz tanto sentido que os demais ministros compraram rapidamente a história e reagiram com firmeza. O decano Celso de Mello acusa ingerência entre Poderes e Marco Aurélio Mello dá um basta: "O Supremo não é sindicato!".

Pode não ser, mas há quem trate o país como um grande sindicato.

elianec@uol.com.br

HÉLIO SCHWARTSMAN

Propostas indecorosas

SÃO PAULO - Lula fez ou não uma proposta indecorosa ao ministro Gilmar Mendes? É impossível dizer. A menos que a reunião entre os dois (que ninguém nega) tivesse sido filmada, o desencontro de versões é uma fatalidade, uma decorrência da arquitetura de nossos cérebros.

Até uma acareação seria perda de tempo, e não necessariamente porque um deles mentiria. Gostamos de pensar que a memória funciona como um registro fotográfico do que presenciamos, mas essa sensação é uma peça que a mente nos prega.

Na verdade, o que o cérebro guarda são registros hipertaquigráficos que são reconstruídos, e modificados, cada vez que nos lembramos deles. O passado é bem mais incerto do que suspeitamos.

As distorções são introduzidas por sensações, gostos, crenças. Para piorar o quadro, do lado esquerdo de nosso cérebro existem estruturas que unificam nossas experiências e lembranças e tentam juntá-las numa narrativa coerente. Fazem-no com forte viés político: deixamos de ver as evidências que não nos interessam e valorizamos o que apoia nossas teses. Quando a história não fecha, pior para a verossimilhança: criamos desculpas esfarrapadas.

Assim, o que a memória de Mendes registra como uma pressão indevida muito provavelmente está arquivado na mente de Lula como comentários fortuitos, que não configuram nem mesmo uma insinuação.

É nos diferentes pesos que cada lado confere a uma mesma ação que se funda boa parte das desavenças e conflitos que afetam a humanidade.

Como disse Robert Wright, "o cérebro é como um bom advogado: dado um conjunto de interesses a defender, ele se põe a convencer o mundo de sua correção lógica e moral, independentemente de ter qualquer uma delas. Como um advogado, o cérebro humano quer vitória, não verdade".

Qualquer que seja a verdade, Lula faria bem a sua biografia se se poupasse desse tipo de escaramuça.

helio@uol.com.br


29 de maio de 2012 | N° 17084
CLÁUDIO MORENO

Nem tão solta, nem tão curta

Os gregos, grandes admiradores dos egípcios, não podiam entender como um povo tão avançado podia cultuar deuses com a aparência de falcões ou escaravelhos. Nos mitos da Grécia, a forma humana era imprescindível, e todas as criaturas que misturavam o homem com o animal eram vistas como monstros temíveis.

Seres híbridos como a esfinge, o minotauro, as górgonas ou as harpias estavam predestinadas, por sua construção aberrante, a provocar o terror à simples menção de seu nome; os próprios centauros, embora não fossem tão assustadores – afinal, tinham rosto e linguagem de gente –, também eram considerados perigosos, pois não passavam de beberrões, arruaceiros cruéis e violadores de mulheres.

A única e especialíssima exceção foi o centauro Quíron – segundo Homero, “o mais justo de todos” –, que vai se tornar a única figura de professor que aparece em toda a mitologia. Ao contrário dos demais, Quíron era respeitado por sua reputação de formar homens sábios e íntegros.

Os deuses haviam lhe ensinado a música, a poesia e a arte de curar, e sua vida livre nos prados e florestas da Tessália revelou-lhe os segredos das plantas e dos animais. Era, como todo grande educador, um agente da cultura e da civilização: mentor de Aquiles, de Teseu, de Jasão e de vários outros heróis, transmitiu a seus pupilos o conhecimento da natureza, as artes do homem e o amor pela justiça.

Para quem acha estranho que os gregos tenham atribuído este papel tão importante justamente a um ser híbrido, lembro que o cavalo é o símbolo por excelência de nossa vida inconsciente – e que o centauro, portanto, é uma excelente metáfora para nossa humana condição:

Quíron representa a feliz aliança que as duas espécies celebraram quando o homem ainda vivia em cavernas. Em todos os povos, em todas as épocas, a relação entre o cavaleiro e sua montaria sempre simbolizou esta delicada parceria entre instinto e razão que comanda nossa vida.

Para dirigir a explosão vital de nossos impulsos, temos a rédea da cultura; a arte é usá-la com equilíbrio, aplicando a pressão exata para cada situação. Rédea de mais ou de menos – como diria Quíron, se vivesse aqui no pampa –, acaba estragando o animal: nem tão solta que ele dispare, nem tão curta que ele empaque. Quem conhece os campos da vida sabe, inclusive, que às vezes, quando estamos perdidos, no escuro, é preciso confiar no cavalo e deixar que ele decida qual dos caminhos é o melhor.

Lembrete – No dia 14 de junho começa meu curso Troia e seus mitos, com turmas à tarde e à noite. Veja todos os detalhes em www.casadeideias.com.


29 de maio de 2012 | N° 17084
PAULO SANT’ANA

Leiam por decreto

Vê se não é de a gente ficar bobo: já são 10 dias de homenagens que me prestam, deixando-me repleto de orgulho e contentamento.

Primeiro, foi a data significante de eu ter recebido o 22º prêmio Top of Mind, 22 anos consecutivos como o mais lembrado colunista de jornal do Estado.

E fui ver na Revista Amanhã que entre os supercampeões do Top of Mind, cerca de 40, havia uma só pessoa física, eu, enquanto todos os outros superpremiados ou eram empresas, ou eram produtos.

Aí fiquei com a boca lá na orelha.

Depois, foi na noite de Grêmio x Bahia, no Estádio Olímpico. Cheguei quase à hora do jogo e mal fui avistado pelos torcedores, milhares de pessoas acenavam para mim, depois passaram a gritar “Sant’Ana, Sant’Ana, Sant’Ana...”, todos gritando meu nome como se a me homenagear por minhas atuações jornalísticas, ecoando pelo estádio.

Foi um estrépito em todo o estádio, isto depois de vários meses fora da televisão por força de meus problemas de saúde.

Foi demais para o meu coração.

E agora vim a saber de uma notícia que para mim é fantástica: minha coluna é lida por decreto em Nova Prata (RS).

Tudo, menos esta de o prefeito de Nova Prata decretar que minha coluna tem de ser lida.

É, para mim, um gesto de enorme significado.

Vejam o texto do decreto que tornou obrigatória a leitura de minha coluna em Nova Prata: “Vitor Antonio Pletsch, na condição de Prefeito Municipal de Nova Prata, no uso de suas atribuições legais, DECRETA:

artigo 1º –

Fica determinada leitura da coluna do sr. Paulo Sant’Ana publicada no jornal Zero Hora no dia 25 de maio de 2012, página 47, denominada ‘Abuso é ignorância’, em todas as escolas da rede municipal pública do Município de Nova Prata, bem como pelos Agentes Comunitários de Saúde na execução de suas funções e pelos demais funcionários públicos municipais, com o objetivo de divulgação do contido na referida matéria, sendo esta uma forma de alertar que no mundo ocorrem estas anomalias.

Artigo 2º:

Este Decreto Executivo entrará em vigor na data de sua publicação. Gabinete do Prefeito Municipal de Nova Prata, 25 de maio de 2012. (ass.) Vitor Antonio Pletsch, prefeito”.

Eu fico assim todo exultante quando um prefeito determina por decreto a leitura de minha coluna em todos os órgãos públicos e em todos os serviços municipais.

Foi aquela coluna em que eu afirmei que o abuso sexual sobre as crianças se dá por entenderem os meninos e meninas que aquilo que fazem sobre eles não é ilícito e nem infamante. As crianças que sofrem abusos desconhecem, na sua inocência, que seus órgãos sexuais e zonas erógenas não podem ser tocados nem por estranhos nem por parentes.

E recomendei naquela coluna que isso fosse divulgado em todas as escolas e em todos os lares gaúchos, com a finalidade de, adquirindo conhecimento do que seja abuso sexual, as crianças não permitam que isso seja feito e o denunciem.

Mas esta coluna ser lida por decreto, ter leitura oficial obrigatória em todo um município, eu nunca tinha visto.

Orgulho-me.


29 de maio de 2012 | N° 17084
DAVID COIMBRA

O que mais sei fazer

Outro dia alguém me acusou de não saber perder.

Aí está uma injustiça atroz e revoltante.

Se existe alguém que sabe perder nessa ponta do Brasil, este alguém sou eu. A toda hora estou perdendo, perco todos os dias, para todo mundo, nas mais variadas circunstâncias. Logo, posso me gabar de ser um ótimo perdedor. Raríssimas são as pessoas que me vencem numa disputa para decidir quem perde mais. Sei disso porque estou cercado de vitoriosos, de campeões, de sabichões.

Eu aqui, nessa minha platitude, tenho de me contentar com escassas vitórias e façanhas que outros tantos já cometeram. Por esse motivo, as valorizo. Vibro com elas. Ganhei uma! Ganhei uma! Mas não me exibo muito, por saber que, logo ali adiante, vou perder outra vez. Aliás, já aprendi que só venço eventualmente porque perdi frequentemente.

Às vezes alguém me vê sorrindo e pensa que a alegria é fruto de petulância. “É um convencido!”, conclui. Lembro de uma vez, quando de minha primeira passagem por Zero Hora, que uma diagramadora olhou para mim e resmungou:

– Tu deves ganhar muito bem, não é? Porque estás sempre rindo.

Mas é o contrário! Estou sempre sorrindo porque sei que poderia ser pior. Contento-me com as alegrias baratas da vida. Alguém que sabe que derrotas são sempre iminentes fica feliz com pequenas vitórias. Isso em todos os campos, mesmo nos que me despertam o mais rútilo interesse. As mulheres, por exemplo, são muito boas para ensinar a lidar bem com a rejeição. Para efeito de ilustração, tomemos um tempo em que eu sorvia total descompromisso emocional.

Digamos que me interessasse por uma mulher diferente por dia. Não é um número exagerado. Há muitas mulheres interessantes por aí. Isso não significa que você esteja apaixonado, nem que anseie por ter um romance explosivo com ela. Não. Trata-se apenas de uma consideração. Você olha para ela e cogita das possibilidades, Será que posso me dar bem? Essa mulher poderia se repoltrear e se refocilar comigo?

Então, se ela emite um mínimo sinal, qualquer coisa, pode ser um olhar veloz em que cintile uma réstia de contentamento, bem, aí você faz uma minúscula tentativa, qualquer coisa também, diz uma gracinha, só para ver se ela sorri de volta, se existe uma única chance. E, neste caso, isso, apenas isso, o sorriso que volta, esse sinal ínfimo já pode ser considerado uma vitória. Não que você ache que vai dar certo, nada disso. A vitória se dá tão-somente porque não foi uma derrota. Quer dizer: você não foi rechaçado de pronto, ela não despreza você, EXISTE UMA CHANCE!

Mas, voltando aos meus tempos de descompromisso total, tenho de admitir que esse sinal de retorno não acontecia amiúde. Dava-se, digamos, uma vez por semana. Isto é: de 30 tentativas mensais, eu obtinha sucesso em quatro e, dessas quatro, talvez uma prosperasse (se tivesse sorte).

Em um ano, portanto, eram 353 derrotas e 12 vitórias, em média. Um homem que passa por isso se ceva na rejeição. Ele sabe que a cidade está cheia de mulheres que o desprezam ou que o consideram insignificante. Talvez até o ridicularizem à socapa. Assim, se você conquista uma vitória, uma só, ela tem de ser comemorada. Urge convidar os amigos para um chope cremoso.

O que quero dizer é que a rejeição e o fracasso não me roubam o bom humor. Estou acostumado com eles. Mas vejo que a maioria das pessoas não está. A maioria das pessoas é vencedora. Elas têm excelente opinião sobre si mesmas e, se sofrem um revés, se abalam, se entristecem.

Ou ficam revoltadas, como o Felipão. O Felipão, quando perde, se queixa do juiz. Vê conspirações em cada canto do vestiário. Acontecia antes, quando ele estava no Grêmio, acontece agora, quando ele está contra o Grêmio. A derrota nunca está nele, está sempre fora dele. É a inconformidade dos vitoriosos. Que inveja deles.



29 de maio de 2012 | N° 17084
FABRÍCIO CARPINEJAR

Máfia

Sou brigão. Um Hulk amarelado. Um caixa automático do Procon.

Minha aparência é calma, educada e sensível na maior parte do tempo. Mas é cometer uma injustiça contra mim ou querer me enganar, que enfureço. Subo nos tamancos. Monto no porco.

Babo, esbravejo, cerco a conversa, acelero a fala para não permitir que o oponente pense e revide.

Em casa, são folclóricas as refregas com garçons, taxistas e vendedores. No Súper Trunfo familiar, minha agressividade é 9,5, a campeã absoluta das cartas.

Os filhos são os que mais sofrem com os escândalos públicos. Mariana, 18 anos, se cala de cantinho, envergonhada, pedindo desculpa por existir.

Aquele que discute alto deveria ter consideração com seus acompanhantes. Ou, pelo menos, consultá-los antes de tomar uma atitude intempestiva de chamar atenção do restaurante ou da loja ou da rua.

Busquei me reabilitar na última semana. Não me esquentar por qualquer atrito, não estragar o passeio com minha sede de justiça.

Em Belo Horizonte, veio a primeira chance de desfazer a fama. O taxista roubava de modo escancarado. Aumentava o trajeto, costurava rumos desnecessários, salteava entradas com destemor, assobiava malandragem. O trajeto de R$ 10 da ida (linha reta na Avenida Afonso Pena), já resultava o dobro no taxímetro da volta.

Respirava cachorrinho para não latir. As têmporas cresciam, a dor de cabeça aumentava, mas não iria constranger novamente minha filha. Dessa vez, suportaria o erro em silêncio, conteria o ímpeto de pegar a falha em flagrante e

exigir explicações.

A mão suava, a garganta arranhava de raiva. Repassei o dinheiro para Mariana disposto a evitar o conflito direto, o confronto final, o choque da verdade. Não desejava sequer ouvir a voz fanhosa do sujeito.

Festejei quando saí do carro para pegar as sacolas no porta-malas. Finalmente controlei a fúria, estava curado da maldição, merecia estrelinhas douradas no caderno escolar.

Mas estranhei a demora de Mariana para deixar o táxi. Fui conferir pela janela e ela apontava o dedo e gritava com o motorista, chamava o cara de ladrão, de criminoso, de estúpido, de grosseiro, de nojento.

Levantou-se e bateu a porta com força. Lacrou a porta do Sandero. Nunca a vi assim.

– Que safadeza, a corrida custou R$ 22,10 e ele insistiu pelos 10 centavos, não aguentei e explodi – esclareceu.

Nas férias de minha cólera, ela ocupou meu lugar. Bem coisa de máfia.

As maiores brigas de nossa vida acontecem quando defendemos as dores dos outros. Nossas maiores brigas acontecem quando defendemos as dores dos outros.

segunda-feira, 28 de maio de 2012



Azul compra Trip e eleva participação no mercado para 14%

TAM sai como a maior prejudicada, pois seu acordo de compartilhamento de voos com a Trip deve ser encerrado

Acionistas da Azul ficarão com 80% de participação na empresa, e os da Trip, com os 20% restantes

MARIANA BARBOSA - DE SÃO PAULO

A Azul Linhas Aéreas, terceira companhia de aviação do país, anuncia hoje a compra da Trip, maior empresa aérea regional da América do Sul.

Juntas, Azul e Trip têm participação de 14% nos voos domésticos, de acordo com dados da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) relativos a março.

Pelo acordo, os acionistas da Trip ficarão com uma participação de 20% na empresa. A bandeira Trip deve desaparecer, e a sede da empresa continuará em Barueri (SP), onde está a Azul.

Apesar de ver a sua participação na empresa cair de 100% para 80%, nenhum dos controladores da Azul sairá do negócio. Todos concordaram em fica com parcela menor de uma empresa maior.

A Azul e a Trip utilizam as mesmas aeronaves -Embraer e ATR-, o que facilita a união das operações.

Além disso, o perfil da Trip, com foco na aviação regional, complementa os negócios da Azul, que voa tanto para os grandes centros como para destinos mais distantes.

Hoje, a Trip é parceira comercial da TAM e alimenta os voos da líder de mercado com os seus voos regionais.

No passado, a TAM chegou a estudar a compra da Trip, mas o negócio acabou por não se concretizar.

SURPRESA

Segundo a Folha apurou, a TAM, que desistiu de operar voos regionais, foi surpreendida pela negociação com a Azul.

A transação deve levar ao rompimento do acordo de compartilhamento de voos entre a Trip e a TAM, que sai como a maior prejudicada no episódio.

Fundada em 2008 pelo brasileiro David Neeleman, a Azul avançou rapidamente e atingiu participação de mercado próxima de 10% nos voos domésticos.