terça-feira, 17 de março de 2015


17 de março de 2015 | N° 18104
FABRÍCIO CARPINEJAR

Santa Ingenuidade

A polêmica na sala de aula é o uso ou não do celular pelo aluno.

Na minha infância de giz e lousa, o que incomodava o professor era o aviãozinho de papel que decolava do fundo da sala para pousar na lata de lixo.

Não havia web para nos distrair. A maior tecnologia que apareceu nos tempos de escola foi o lápis triangular, com faces definidas, que não mais rolava na mesa. Antes o lápis não tinha descanso, redondo e suicida, descendo a ladeira das classes (sempre inclinadas) e quebrando as pontas no chão.

Em seguida, houve uma nova implementação do lápis: o que vinha com desenho da tabuada. Ele se consagrou como uma das grandes invenções do material escolar. Roubou o reinado da borracha de duas texturas, que governava solitária o estojo de madeira. Poderia consultar os resultados na hora. Funcionava como uma cola oficializada pelo comércio e temida pelo magistério. Obrigou a vistorias detalhadas durante as provas.

Na árvore genealógica dos meus hábitos, vejo o lápis de tabuada como tataravô do tablet. Mudou o meu jeito de encarar a matemática. Deixei de enlouquecer com a decoreba. Ficava até chateado de apontá-lo e perder a multiplicação dos números iniciais.

Não duvido que soe como piada, mas ele simplificou a vida e aquarelou o universo rudimentar e franciscano da escola, onde os cadernos terminavam feitos em casa a partir de blocos simples.

Para entender a escassez, os temas preparados no mimeógrafo jamais vinham legíveis. Entregues com tinta fraca, apagada – de forte, apenas o cheiro do álcool.

Trabalho dobrado da professora, que nos alcançava as folhas falhadas para repassar linha por linha o que estava escrito. No fim, não fazia o menor sentido, rescrevíamos por cima de todas as palavras.

Depois chegaram os espirais, o apontador capacete, a caneta Bic quatro cores e a calculadora miniatura. Mas teria que repetir vários anos para viver essa fase de ouro. Não valia minha burrice.


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