sábado, 21 de março de 2015

21 de março de 2015 | N° 18108
CLÁUDIA LAITANO

O novo Olimpo

Cenas da vida contemporânea:

1) Em uma escola particular de classe média alta em São Paulo, o vazamento de um relatório com avaliações pessoais dos alunos colocou pais, professores e adolescentes em pé de guerra. Meninos são comparados a Forrest Gump, pela inteligência limitada. Meninas são julgadas conforme o tamanho do decote. Há até alertas do tipo: “Ela é falsa. Olho vivo com essa garota”. O aluno que postou um vídeo ensinando os colegas a acessarem o relatório foi suspenso da escola.

2) Uma moça é agredida sexualmente na Redenção. No dia seguinte, vai à Delegacia da Mulher prestar queixa. A primeira informação que recebe ali é que a queixa não vai dar em nada. Tratada com indiferença e desrespeito na delegacia, a jovem decide desabafar em uma rede social. Em poucas horas, a Delegacia da Mulher é obrigada a manifestar-se e forma-se uma rede de solidariedade entre vítimas de agressões parecidas – tanto de criminosos quanto de autoridades.

3) Dois motoristas se estranham em uma rua de Porto Alegre. Um deles fica muito alterado. O outro, com o filho pequeno no carro, tenta acalmar os ânimos, sem muito sucesso. O motorista mais agressivo sai do carro e, em vez de uma arma (ufa!), saca um celular e começa a fotografar o outro carro, em tom de ameaça. Como reação, o motorista mais calmo responde fotografando de volta. Os dois motoristas relatam o episódio para os amigos na rede social.

As três histórias aparentemente não têm nada em comum, afora o fato de terem, em um momento ou outro, cruzado a fronteira do mundo real para o virtual – como praticamente tudo o que fazemos nos dias de hoje.

Na tragédia grega, o herói que viola as regras da ordem estabelecida – levado pela hybris, a desmedida – cedo ou tarde será punido pelos deuses. Para quem assistia às tragédias, a hybris do herói e seu castigo serviam de lição e de alerta: na dúvida, não ultrapasse. Na falta de deuses (ou de instituições confiáveis), nossa instância superior tem sido o círculo de pessoas que conseguimos atingir através das redes sociais.

Quando nada mais nos vale, o compartilhamento de nossas dores, misérias, injustiças e descontentamentos é a instância suprema a que recorremos em busca de algum tipo de reparo ou, no mínimo, de solidariedade.

Professores mal-educados, autoridades despreparadas, motoristas agressivos, ninguém está livre do tribunal virtual – nem mesmo os inocentes. Reparos e grandes injustiças são cometidos ali. Como os deuses gregos, as redes são demasiadamente humanas.


Ainda estamos na infância – talvez na adolescência – dessa nova ordem. É cedo para sabermos até que ponto o medo da exposição pública e de danos à reputação (que já se equivale ao medo que antes se tinha do inferno e dos deuses vingativos) pode realmente mudar comportamentos, fazendo o serviço que a lei e as regras de bom senso, sozinhos, não conseguem. O certo é que Zeus, o Oráculo de Delfos e toda a bancada olímpica são bolinho perto de uma rede social.

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