21 de março de 2015 | N° 18108
CLÁUDIA LAITANO
O
novo Olimpo
Cenas da vida contemporânea:
1) Em uma escola particular de classe média alta em São
Paulo, o vazamento de um relatório com avaliações pessoais dos alunos colocou
pais, professores e adolescentes em pé de guerra. Meninos são comparados a
Forrest Gump, pela inteligência limitada. Meninas são julgadas conforme o tamanho
do decote. Há até alertas do tipo: “Ela é falsa. Olho vivo com essa garota”. O
aluno que postou um vídeo ensinando os colegas a acessarem o relatório foi
suspenso da escola.
2) Uma moça é agredida sexualmente na Redenção. No dia
seguinte, vai à Delegacia da Mulher prestar queixa. A primeira informação que
recebe ali é que a queixa não vai dar em nada. Tratada com indiferença e
desrespeito na delegacia, a jovem decide desabafar em uma rede social. Em
poucas horas, a Delegacia da Mulher é obrigada a manifestar-se e forma-se uma
rede de solidariedade entre vítimas de agressões parecidas – tanto de
criminosos quanto de autoridades.
3) Dois motoristas se estranham em uma rua de Porto Alegre.
Um deles fica muito alterado. O outro, com o filho pequeno no carro, tenta
acalmar os ânimos, sem muito sucesso. O motorista mais agressivo sai do carro
e, em vez de uma arma (ufa!), saca um celular e começa a fotografar o outro
carro, em tom de ameaça. Como reação, o motorista mais calmo responde
fotografando de volta. Os dois motoristas relatam o episódio para os amigos na
rede social.
As três histórias aparentemente não têm nada em comum, afora
o fato de terem, em um momento ou outro, cruzado a fronteira do mundo real para
o virtual – como praticamente tudo o que fazemos nos dias de hoje.
Na tragédia grega, o herói que viola as regras da ordem
estabelecida – levado pela hybris, a desmedida – cedo ou tarde será punido
pelos deuses. Para quem assistia às tragédias, a hybris do herói e seu castigo
serviam de lição e de alerta: na dúvida, não ultrapasse. Na falta de deuses (ou
de instituições confiáveis), nossa instância superior tem sido o círculo de
pessoas que conseguimos atingir através das redes sociais.
Quando nada mais nos vale, o compartilhamento de nossas
dores, misérias, injustiças e descontentamentos é a instância suprema a que
recorremos em busca de algum tipo de reparo ou, no mínimo, de solidariedade.
Professores mal-educados, autoridades despreparadas,
motoristas agressivos, ninguém está livre do tribunal virtual – nem mesmo os
inocentes. Reparos e grandes injustiças são cometidos ali. Como os deuses
gregos, as redes são demasiadamente humanas.
Ainda estamos na infância – talvez na adolescência – dessa
nova ordem. É cedo para sabermos até que ponto o medo da exposição pública e de
danos à reputação (que já se equivale ao medo que antes se tinha do inferno e
dos deuses vingativos) pode realmente mudar comportamentos, fazendo o serviço
que a lei e as regras de bom senso, sozinhos, não conseguem. O certo é que
Zeus, o Oráculo de Delfos e toda a bancada olímpica são bolinho perto de uma
rede social.
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