terça-feira, 10 de março de 2015


10 de março de 2015 | N° 18097
FABRRÍCIO CARPINEJAR

Os amores mortos no lustre

Você só se dá o trabalho de tirar o lustre quando a lâmpada queima.

É sempre quando ela estoura. Pode levar meses ou anos para desenroscar a redoma.

Ninguém limpa o lustre se a lâmpada não queimar. Não recebe o cuidado semanal das janelas e dos espelhos.

Mesmo enxergando camadas negras de insetos no vidro transparente. Mesmo que o lustre seja um cemitério de asas, um vaso de mariposas mortas.

Por preguiça, para não buscar a escada e interromper a rotina, para não se incomodar em apagar a energia, porque parte do princípio de que nenhum louco ficará conferindo esses detalhes no teto.

Somos iguais com os assuntos amorosos.

Quando a relação está acesa, não nos mexemos, ainda que esteja falhando. Não limpamos, não realizamos a manutenção, não nos preocupamos em nos antecipar com gentilezas e prevenir danos, não questionamos se a nossa companhia está feliz daquele jeito, não eliminamos os aborrecimentos pontualmente.

Esperamos a luz estalar até apagar de vez, para assim remover a sujeira. Esperamos o filamento de tungstênio romper seu ciclo, de tanto ligar e apagar o interruptor, para cuidar dos restos.

Agimos pelas necessidades imediatas, por urgências profissionais e familiares.

A casa é feita para funcionar, a relação é feita para funcionar, não mais para gerar beleza e poesia.

Somente nos importamos se os canais a cabo estão em dia, se o wi-fi navega, se a geladeira continua gelando. Bastam sexo e fidelidade no casamento e seguimos adiante. Nada pode adiar o nosso calendário. As distrações atrapalham. Desprezamos os soluços do lar. Ignoramos os suspiros dos objetos.

Não gastamos mais tempo com bobagens do lar. Não desperdiçamos tempo com conversas despropositadas de noite, brincadeiras e lembranças à toa, tudo o que tem que ser dito deve ser importante, girando sobre emprego ou agenda. Não queimamos nossa atenção com besteiras como retirar os bichinhos desenganados do lustre. É um capricho, pode esperar, não há pressa, não existe motivo para se preocupar.

Somos apenas o que pode ser visto. O que brilha. O que traz reconhecimento. O que pode ser elogiado. Dedicamos à nossa vida aos grandes feitos, limpar o lustre constantemente não trará recompensa, será chamado de maníaco por limpeza, debochado por não ter mais o que fazer.

Quem ama e cuida do seu amor é o que olha e lava o lustre antes de a lâmpada queimar, antes de a relação chegar ao fim, mas para renovar a transparência da vida dentro de residência.


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