domingo, 31 de agosto de 2008



Diogo Mainardi
27 de agosto de 2008


Correr nu pelo gramado

Mauro Covacich é o melhor romancista italiano. Ou um dos melhores. Algum tempo atrás, ele largou sua mulher por outra. E resolveu escrever um livro sobre o assunto, contando todos os detalhes do episódio. Inclusive usando o nome real dos protagonistas.

Ele fez como aqueles ingleses que arrancam a roupa e, perseguidos por meia dúzia de policiais, correm pelados pelo gramado durante um jogo do Manchester United, com o estádio lotado, até conseguir agarrar Cristiano Ronaldo.

Despir-se publicamente foi a maneira mais dolorosa que Mauro Covacich encontrou para expiar seu pecado. Cobrir-se de vergonha. Expor-se ao escárnio coletivo.

Alguém deveria editar os livros de Mauro Covacich no Brasil. Recomendo com entusiasmo. Este último se chama Prima di Sparire, e foi publicado pela Einaudi.

Aqui, no podcast, pretendo tratar apenas de uma de suas páginas, a 165, que se refere diretamente a mim. Mauro Covacich é um grande amigo meu, dos tempos em que eu morava na Itália. Ele veio nos visitar no Rio de Janeiro em 2003, no Ano Novo.

Fez uma matéria sobre a posse de Lula para o Corriere della Sera, que eu tentei contaminar com uma série de comentários debochados e preconceituosos.

Numa das passagens do livro - e estou chegando onde eu pretendia chegar, só falta mais um tantinho -, Mauro Covacich recorda sua viagem ao Brasil.

Em particular: os sanduíches de filé com queijo e meu filho mais velho, aquele que tem paralisia cerebral (Sim, eu também já corri pelado pelos campos de futebol, exibindo alegremente minha intimidade, embriagado de felicidade, ziguezagueando para escapar de meus perseguidores).

Na página 165, Mauro Covacich cita expressamente meu filho, Tito, e pergunta a sua mulher:

- Você se lembra da pena que sentíamos daquele menino?

Pena? Eu olho para minha mulher, e minha mulher olha para mim, e nós olhamos para nossos filhos, tanto um quanto o outro, o primeiro com paralisia cerebral e o segundo sem paralisia cerebral, e dizemos em perfeita sincronia:

- Como é que alguém pode sentir pena dele?

Esse é um dos aspectos mais espantosos de se ter um filho como o nosso. Nada nele provoca pena. Nada mesmo. Ele é um homenzinho seguro de si, contagiosamente alegre, independente, cheio de idéias próprias. Mas os sentimentos das pessoas acabam barateando a realidade.

Eu sempre tratei os sentimentos, todos eles, com um certo desprezo. Os sentimentos tortos despertados por nosso filho só fortaleceram isso.

Em meu caso, correr nu pelo gramado, com meu filho no cangote, à procura de Cristiano Ronaldo, teve esse efeito salutar: me treinou a ignorar o grito passional e confuso da arquibancada.

Lya Luft

O que valem as medalhas?

"Às vezes penso que odiamos nossos ídolos, estamos sempre à espreita de uma falha para os devorar"

Atletas são os modernos gladiadores. Não enfrentam animais de quatro patas ou adversários humanos na arena do matar ou morrer. Combatem outras feras: o público, o clube, a mídia, que os encaram como máquinas de produzir gols ou cestas, marcas extraordinárias, golpes, saltos ou velocidades sobre-humanas.

Não se pode obter menos do que o primeiro lugar e a medalha de ouro. Se for de prata, amarelaram. Se for de bronze, nos envergonharam. Vejo espantada rapazes e moças que atuaram com sacrifícios e dores que nem imaginamos saírem como derrotados, xingados e aos prantos, quando não conquistaram o ouro.

Que perversa cobrança lhes fazemos, ou os levamos a fazer a si mesmos? Que insano dever os obriga a estar na ponta, na frente, na trincheira? E, depois dessa medalha de ouro, tem de vir outra igual, pois nada lhes é permitido fora isso, a não ser pedir desculpas.

Eu nunca pude praticar esportes. Mas sempre os apreciei, numa casa em que se torcia entusiasticamente nas tardes de domingo, em partidas de futebol.

Fiz parte da torcida de muitos jogos de basquete e vôlei em que primos e colegas meus disputavam aplausos ou vaias. Talvez eu ligue esportes a convívio alegre, a brilho, à busca do melhor. Saúde, competição boa, camaradagem.

Atômica Studio

Nossa crueldade com os atletas atuais é impressionante. Anos de treinamento severo, pouca vida pessoal, afastamento da família, implacáveis exigências dos outros, do público e de si próprios.

Muito atleta brasileiro de origem modesta passou a ser um novo milionário em grandes cidades européias. Sua vida se resume a pouca diversão, dieta severa, sofrimento físico, e à pressão crescente de um público sempre insatisfeito. É preciso ser mais do que bom, pelo clube, pelo país.

É uma obrigação ser um ídolo, manter-se um ídolo. Às vezes penso que odiamos nossos ídolos, estamos sempre à espreita de uma falha para os devorar. Polegar para baixo, fim de linha.

A questão não deveria ser o que esse atleta deu a seu país, mas, antes de tudo, o que o país fez pelo atleta para ele se tornar excelente.

Esporte faz parte da educação. Se ela anda em níveis trágicos, dificilmente o esporte brilha. Nossas escolas caem aos pedaços, universidades afundam na mediocridade, estudantes vagam na descrença, pressionados por mentira, farsa, negligência e esquecimento.

Onde estão as quadras esportivas públicas, para que se forme uma tradição e cresçam futuros vencedores, para que em lugar de rua e drogas crianças e jovens se empenhem em competir de forma saudável, com outros ideais além do mortal dinheiro fácil da venda de drogas?

Rola muito dinheiro por trás dos esportes e de competições como as Olimpíadas: será que nossos atletas recebem cuidado, alimentação, acompanhamento de primeira, de primeiríssima – como deveria, aliás, receber qualquer cidadão brasileiro?

Bibliotecas combinam com quadras esportivas, professores bem pagos e treinadores valorizados. Ensinar a distinguir o pior do melhor, tornar criança e jovem cidadãos conscientes e ativos, isso somado a ensinar a ler, habituar a ler, fazer escrever direito, em suma, ensiná-los a pensar e expressar seu pensamento de forma clara e ordenada.

Atletas não precisam ser broncos. Pobres não precisam ser ignorantes. Não considero boa a educação que apenas tenta formar o chamado "cidadão consciente", quando ele nem ao menos sabe de que deve ter consciência e como vai expressar isso.

Quando tachamos de "ricos babacas" os estudantes que não vivem na miséria, o que esperar deles? Que estímulo recebem os pouquíssimos alunos "ricos", sabendo disso, e como reagem os seus colegas menos privilegiados?

Esporte deveria ser convívio natural de gente saudável e pacífica, coerente e bem formada, sem medo de nenhum tipo de sucesso, e sem ter de correr atrás dele obsessivamente.

Nesta comédia de enganos, os "derrotados" por não ter o ouro devem se esconder. Os vitoriosos que fiquem atentos ao polegar: para cima ou para baixo, também para eles, se da próxima vez não cumprirem satisfatoriamente o seu papel.

Marianne Piemonte

Personagem da semana - F.P., 11 anos - O menino que roubava carros

Jovem demais até para ser levado para a antiga Febem, ele é o terror de um bairro da periferia de São Paulo

À SOLTA

Nas ruas do Jardim Ubirajara, zona sul de São Paulo, o menino de 11 anos mete medo nos vizinhos e não respeita a famíliaEsta criança tem 11 anos.

Há um ano e meio não vai à escola, foi expulsa duas vezes por provocar brigas. Nesse mesmo período, somou sete ocorrências registradas nas delegacias de polícia de São Paulo. Furto de três carros, assalto a uma farmácia e atentado ao pudor fazem parte de sua precoce folha corrida. No dia 5 de setembro, completará 12 anos.

Como presente, deverá ser levada para a Fundação Casa, a ex-Febem. Porque antes dos 12 anos completos, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, não pode ter sua liberdade tolhida.

Porém, o pré-adolescente de 1,40 metro, cabelo raspado e topete descolorido mete medo nos vizinhos do Jardim Ubirajara, onde mora, na extrema zona sul da cidade, e na família.

Na última semana, voltou para casa de carona em carros da polícia duas vezes. Seus feitos: o roubo de um Chevette e um Gol, com mais dois adolescentes. O menino foi pego dirigindo em alta velocidade. No entanto, ele está à solta.

O promotor de Justiça da Vara da Infância e Juventude Thales Oliveira disse na quarta-feira à tarde que o menino havia sido levado para um “abrigamento”, casas onde são colocados menores em situação de risco.

“Ali eles recebem apoio psicológico, mas podem sair e receber visitas”, afirma. Naquele momento, nem o promotor sabia que F.P. havia fugido do abrigamento à noite, ameaçando os funcionários com uma caneta Bic.

No fim da tarde da quarta-feira, no quintal de cimento da casa de reboco no Jardim Ubirajara, dois cachorros vira-latas dormiam ao lado de um carrinho de plástico, uma Ferrari vermelha, e de duas bonecas de plástico duro, sem braços nem cabelos. Elizabete Antônio, de 35 anos, a mãe de F., ainda não tinha voltado para casa.

A irmã mais velha do menino infrator tentava que o padrasto dela e pai de F., o aposentado Lourenço Pinheiro, de 62, não falasse mais com os repórteres. “Se ele (F.) estivesse aqui, vocês não iam ter coragem de ficar na frente da casa”, dizia a menina de 16 anos.

Pela janela, sem trincos nem vidros, era possível ver a cama ainda feita do menino que havia três dias não voltava para casa. O motivo de seus lençóis, o filme Carros, da Disney.

Rene Samus, de 33 anos, inquilino da edícula da casa da família, conta que o pai já colocou cadeado nas janelas e até bateu no menino para que ele não saísse de casa.

Mas nada o detinha. “Eu ouvia falar que ele estava metido com coisas ruins, mas para mim ele é o garoto que brinca com carrinho no quintal.”

‘‘Fiquei feliz com a prisão, assim ele ia se recuperar” FERNANDO ANTÔNIO, 65, avô de F.

A poucos metros da casa fica o bar de seu José Joaquim, de 68 anos, onde a clientela costuma parar para tomar um conhaque com menta depois do expediente. É lá que mora o pedreiro Fernando Antônio, de 65, avô de F., pai de Elizabete.

Atrás do quarto que aluga estão a Favela do Abacateiro e seus altos índices de violência. O negro franzino e entristecido torce para que o neto fique preso. “Outro dia sonhei com ele morto. Fiquei feliz com a prisão, assim ele ia se recuperar.”

Fernando deixou Santa Rita de Ibitipoca, Minas Gerais, em 1968. Veio para São Paulo casado e foi no Jardim Ubirajara que teve os três filhos.

A mulher o abandonou com as crianças ainda pequenas. A mais velha, Elizabete, mãe de F., tinha apenas 5 anos. Por isso, os filhos foram criados com a ajuda de parentes.

“Mas parente não é como mãe, né?”, diz. Fernando enche os olhos de lágrima para contar que a filha ainda sofre de bronquite, doença que ele julga ter sido causada pela friagem que ela pegava na casa onde morou. “Era muito úmida”, disse.

DESABAFO

“Elizabete está pagando o que me fez passar”, disse o avô de F. sobre a mãe do menino, que teve passagens pela polícia e pela Febem

Ele conta que criou os filhos com muito carinho, mas faz questão de dizer que foi severo e cobrou que eles trabalhassem e estudassem. Mesmo assim, a mãe de F. teve uma passagem pela Febem por furto, onde ficou por dois anos.

“Ela tirava coisas dos lugares em que começou a trabalhar como doméstica aos 12 anos”, disse. Na década de 80, também segundo o pai, Elizabete passou mais cinco anos na cadeia pelo mesmo motivo. Há cerca de um mês, ele conta, ela foi parar na cadeia novamente.

Mas desta vez a passagem teria sido causada por uns cheques e um carro encontrado pela polícia na casa dela. Os objetos teriam sido trazidos por F.

O avô desabafa: “Elizabete está pagando o que me fez passar”.

Para Fernando, ainda bem novo F. demonstrava ser ambicioso. “Tênis para ele é só acima de R$ 200. Só veste roupa de marca e adora ir à pizzaria comer e beber”, disse. Para ele, isso deveria ter sido um sinal para os pais.

“Ninguém na casa é assim.” O avô conta que o menino andou no tráfico por um tempo, mas não acredita que ele esteja metido com drogas.

Os vizinhos contam que o menino costumava tirar rachas com os carros que roubava e se exibia costurando pelas avenidas do bairro. Ninguém sabe dizer quem o ensinou a dirigir tão cedo.

O dono de um bar próximo diz que nunca viu o menino armado: “Mas nem precisa, o povo aqui morre de medo dele”. Como o Dadinho, personagem do filme Cidade de Deus, o menino impõe respeito (ou medo) pelo linguajar da periferia e pelo jeito de encarar quem lhe passa pela frente.

“Qual é, tio?”, costuma dizer, empinando o queixo, quando quer começar uma conversa, conta o avô. O dono do bar diz que já viu casos de meninos ali que depois que “deitam” – “matam”, na gíria – o primeiro não param mais.

“A molecada aqui é perdida. Vive na rua e sem o que fazer”, afirmou. Se isso acontecer com F., o avô diz temer que o menino se torne um criminoso perigoso. E com isso uma fatalidade, a morte precoce dele.

Se o receio do avô virar realidade, o Jardim Ubirajara poderá assistir longe do cinema ao Dadinho se transformar no Zé Pequeno, aquele que foi o maior bandido e traficante da favela carioca, que começou a roubar ainda menino.


31 de agosto de 2008
N° 15712 - MARTHA MEDEIROS


Gentil demais

Recebi um livro chamado A Arte de Ser Gentil, que tem o dispensável subtítulo A Bondade Como Chave para Sucesso, que, a meu ver, descredibiliza um pouco o autor, o sueco Stefan Einhorn, porque ser gentil deveria ser uma atitude para facilitar as relações humanas, e não uma meta para o sucesso.

Que sucesso? Agora tudo o que a gente faz tem que visar o sucesso.

O texto da contracapa diz que uma pessoa gentil terá mais oportunidades de se tornar feliz, rica, bem-sucedida e realizada, e que o livro fornecerá soluções imediatas e de longo prazo para os interessados em se tornarem seres humanos melhores.

Foi tudo que eu li até agora, a contracapa, e creio que não vou adiante. Primeiro, porque tenho uma pilha de outros livros me aguardando, e em segundo, porque já sou gentil. Nem sabia que sendo gentil eu poderia ficar rica e bem-sucedida e essa maravilha toda. Sou gentil simplesmente porque acho mais fácil do que ser grosseira.

Dispende menos energia. E também porque não vejo graça nenhuma em magoar as pessoas. Até aí, estou no padrão. O que ninguém me ensinou é que gentileza demais pode, por incrível que pareça, ser um defeito, e dos graves.

Óbvio que não se deve ser rude com amigos, parentes, colegas de trabalho, vizinhos, comerciários, mas ser exageradamente gentil com todo mundo pode colocar a nossa vida em risco.

Por exemplo: o que você faz se, ao chamar o elevador de um prédio estranho, à noite, a porta se abrir e lá dentro estiver um sósia do Coringa, com uma cicatriz perturbadora na face e vestindo um sobretudo enorme que poderia muito bem esconder duas pistolas, três granadas e um rifle?

Você simplesmente teria uma vontade súbita de descer pela escada e sumiria de vista.

Pois eu entraria no elevador toda faceira, daria boa noite e faria comentários sobre o clima, pois deus que me livre de ele achar que eu sou preconceituosa e que sua aparência me fez pensar que ele pudesse ser um esquartejador de mulheres. Por que ele não pode ser um pai de família como outro qualquer?

Se eu pego um táxi e o motorista demonstra não ter o menor senso de direção, arranha marchas, não usa o pisca-pisca e tira um fino dos outros carros, eu é que não vou mandá-lo de volta para a auto-escola.

Se ele correr a 200km/h, tampouco solto os cachorros, vá saber o dia horroroso que ele está descontando no acelerador, coitado. Neste caso eu simplesmente “me lembro” de que o endereço onde pretendo ir fica na próxima esquina, e não três bairros adiante, e saio pedindo desculpas pelo meu equívoco.

Se um garçom se aproximar perigosamente de mim com uma panela cheia de óleo fervente, eu não dou um pio, imagina se vou pedir para ele se afastar.

Certamente ele vai me considerar uma elitista estúpida - não basta ter pedido um fondue caríssimo, ainda vou ser grossa?

Nada disso, uma queimadura no braço não mata ninguém. E se eu estou caminhando por uma rua escura e, na direção contrária, vem um adolescente com um gorro enterrado até o nariz e as duas mãos enfiadas numa jaqueta, eu começo a rezar, mas não troco de calçada, imagina o trauma que posso causar no menino: vai ver é até um amigo da minha filha.

Se você tem mais de 9 anos de idade, já sabe o que é ironia e entendeu meu recado: seja gentil, mas não a ponto de perder o tino.

Se tiver que ferir suscetibilidades para salvar sua pele, paciência. Atravesse a rua. Desça pela escada. Dê no pé. Sucesso é chegar em casa com vida.


31 de agosto de 2008
N° 15712 - MARTHA MEDEIROS


Gentil demais

Recebi um livro chamado A Arte de Ser Gentil, que tem o dispensável subtítulo A Bondade Como Chave para Sucesso, que, a meu ver, descredibiliza um pouco o autor, o sueco Stefan Einhorn, porque ser gentil deveria ser uma atitude para facilitar as relações humanas, e não uma meta para o sucesso.

Que sucesso? Agora tudo o que a gente faz tem que visar o sucesso.

O texto da contracapa diz que uma pessoa gentil terá mais oportunidades de se tornar feliz, rica, bem-sucedida e realizada, e que o livro fornecerá soluções imediatas e de longo prazo para os interessados em se tornarem seres humanos melhores.

Foi tudo que eu li até agora, a contracapa, e creio que não vou adiante. Primeiro, porque tenho uma pilha de outros livros me aguardando, e em segundo, porque já sou gentil. Nem sabia que sendo gentil eu poderia ficar rica e bem-sucedida e essa maravilha toda. Sou gentil simplesmente porque acho mais fácil do que ser grosseira.

Dispende menos energia. E também porque não vejo graça nenhuma em magoar as pessoas. Até aí, estou no padrão. O que ninguém me ensinou é que gentileza demais pode, por incrível que pareça, ser um defeito, e dos graves.

Óbvio que não se deve ser rude com amigos, parentes, colegas de trabalho, vizinhos, comerciários, mas ser exageradamente gentil com todo mundo pode colocar a nossa vida em risco.

Por exemplo: o que você faz se, ao chamar o elevador de um prédio estranho, à noite, a porta se abrir e lá dentro estiver um sósia do Coringa, com uma cicatriz perturbadora na face e vestindo um sobretudo enorme que poderia muito bem esconder duas pistolas, três granadas e um rifle?

Você simplesmente teria uma vontade súbita de descer pela escada e sumiria de vista.

Pois eu entraria no elevador toda faceira, daria boa noite e faria comentários sobre o clima, pois deus que me livre de ele achar que eu sou preconceituosa e que sua aparência me fez pensar que ele pudesse ser um esquartejador de mulheres. Por que ele não pode ser um pai de família como outro qualquer?

Se eu pego um táxi e o motorista demonstra não ter o menor senso de direção, arranha marchas, não usa o pisca-pisca e tira um fino dos outros carros, eu é que não vou mandá-lo de volta para a auto-escola.

Se ele correr a 200km/h, tampouco solto os cachorros, vá saber o dia horroroso que ele está descontando no acelerador, coitado. Neste caso eu simplesmente “me lembro” de que o endereço onde pretendo ir fica na próxima esquina, e não três bairros adiante, e saio pedindo desculpas pelo meu equívoco.

Se um garçom se aproximar perigosamente de mim com uma panela cheia de óleo fervente, eu não dou um pio, imagina se vou pedir para ele se afastar.

Certamente ele vai me considerar uma elitista estúpida - não basta ter pedido um fondue caríssimo, ainda vou ser grossa?

Nada disso, uma queimadura no braço não mata ninguém. E se eu estou caminhando por uma rua escura e, na direção contrária, vem um adolescente com um gorro enterrado até o nariz e as duas mãos enfiadas numa jaqueta, eu começo a rezar, mas não troco de calçada, imagina o trauma que posso causar no menino: vai ver é até um amigo da minha filha.

Se você tem mais de 9 anos de idade, já sabe o que é ironia e entendeu meu recado: seja gentil, mas não a ponto de perder o tino.

Se tiver que ferir suscetibilidades para salvar sua pele, paciência. Atravesse a rua. Desça pela escada. Dê no pé. Sucesso é chegar em casa com vida.


31 de agosto de 2008
N° 15712 - VERISSIMO


Enquetes

O que você pensa sobre o uso de algemas?

– Acho que depende. Há circunstâncias em que o uso de algemas se justifica, outras não.

– Por exemplo?

– Bom, tomemos o meu caso. Eu tenho sempre um par de algemas à mão, o que não significa que vá usá-las. Na hora é que eu decido. É uma coisa muito subjetiva. E depende muito do tipo da pessoa, claro. Do subjugado.

– Você estuda o subjugado antes de decidir.

– Não é uma questão de estudar, porque muitas vezes nem dá tempo. É preciso decidir logo que forma de submissão será usada, para não se perder tempo. E muitas vezes o próprio subjugado é que pede.

– O quê? O subjugado tem escolha?

– Às vezes. A maioria gosta de ser surpreendida.

– Não sei se eu estou...

– É como bolinha japonesa. Você precisa ter sensibilidade para saber se é o caso de sugerir bolinhas japonesas ou não. Mas se ele pedir bolinhas japonesas, então já é meio caminho andado, por assim dizer.

– Bolinha japonesa?! – Ou chicote. Ou cera quente. Ou o cone do Marquês.

– Espera ai. Acho que está havendo um mal entendido...

– O cone do Marquês muita gente nem sabe que existe. Você precisa propor, mostrar como funciona e perguntar se o cara prefere com ou sem estrias.

– Obrigado.

– Quanto às algemas, o mais prático é sacudi-las na frente dele para ver qual é a reação. Se ele disser “Sim, sim!”, você prende os pulsos dele na cabeceira da cama com as algemas e...

– Obrigado!

Que novas modalidades devem ser aceitas nas Olimpíadas, na sua opinião, para aumentar as chances do Brasil ganhar medalhas de ouro? Assinale quantas quiser.

- Futivôlei

- Frescobol

- Dama

- Par ou ímpar.

- Pauzinho (também chamado Porrinha)

- Basquete de escritório (ou bola de papel ao cesto)

- Pebolim (ou Totó) - Bola de gude

- Buraco (ou Canastra, ou Biriba, ou Mico Preto, ou Burro em Pé)

- Cutucar abacateiro (com vara) - Bater figurinha

- Virar bolachas de chope com um golpe (e pegar no ar)

- Salto em distância sobre fossa aberta

- Sinuca - Botão

- Ginástica orçamentária (para pagar as contas)

- Cinco Marias

Na próxima eleição para vereador, baseado na propaganda da TV e de acordo com seus princípios políticos, você definitivamente NÃO votará em candidato que:

- Se pareça com aquele seu tio que era kardecista mas torturava gato.

- Fica olhando para a câmera como se acabasse de ser flagrado fazendo xixi nas plantas.

- Diga “não obstante”. - Pisque muito.

- Prometa a paz no Oriente Médio. - Apareça com a mãe ou com o cachorro. - Toque O Sole Mio no serrote.


31 de agosto de 2008
N° 15712 - PAULO SANT’ANA


Conversa entre gênios

Estava o Jô Soares entrevistando na última semana o Caetano Veloso. Parei para ouvir, era uma entrevista que se prenunciava interessantíssima.

O Jô Soares é um grande ator de talk-show, ele fala inglês corretamente, toca pistom, tem apurado senso de humor, há 20 anos que assisto, todas as madrugadas, às entrevistas do Jô.

Eu só desligo a televisão e vou dormir quando o Jô Soares leva artistas ou diretores de teatro para entrevistas. Aí não dá para agüentar. Simplesmente porque eu não sou ligado em teatro, 95% da população brasileira não é ligada em teatro. Então, eu não sei por que o Jô Soares gasta assim tanta pólvora em chimango.

Como quase que invariavelmente o Jô abre o seu programa com entrevistas sobre teatro, isso tem me feito dormir mais cedo. Não dá para suportar.

No entanto, quinta-feira passada se encontraram no programa o Jô Soares e o Caetano Veloso, uma dupla talentosa do maior respeito.

Fiquei ouvindo e me deliciando. Até que, estando torcendo eu para que eles abordassem o assunto Chico Buarque de Holanda, acertei na mosca: os dois passaram a abordar o Chico.

Foi quando fiquei sabendo que o Caetano Veloso tem a maior admiração pelo Chico Buarque. Ele é vidrado no Chico Buarque. Chegou até a passar a impressão de que gostaria de ser o Chico Buarque.

Em determinada parte da entrevista, eu fiquei sabendo pelo Caetano Veloso que o Chico Buarque é um grande improvisador, algo assim como era um outro gênio, o gaúcho Jayme Caetano Braun. Era só dar o assunto para o Jayme Caetano Braun, que ele saía na hora fazendo versos sobre aquele tema, fosse na mesa do bar, numa reunião entre amigos ou mesmo no palco.

Esses poetas do improviso, muito comuns no Nordeste ou entre os trovadores gaúchos, talvez sejam a maior expressão da arte falada que se conheça, superior até àquela que julgo a maior de todas as artes: a oratória.

Pois além da oratória, os poetas de improviso constroem versos com a sua fala, empilham rimas, não há nada mais saboroso na face da Terra do que ouvi-los.

Vai daí que o Caetano Veloso disse que o Chico Buarque é capaz de na hora, numa conversa, de improviso, construir a letra de uma música ou de um poema com o maior brilhantismo. E a noção e memória de Chico Buarque sobre rima é um caso espantoso, disse o Caetano. Chico é um poeta nato, congênito, miraculoso, deu-nos a entender o Caetano.

Eu não sabia disso, mas fiquei ainda mais abismado com o gênio de Chico Buarque, para mim, insuperável.

Depois, o Caetano e o Jô abordaram outro gênio. E também tocaram no lado assombroso que sempre destaco a respeito de Noel Rosa. Não é crível que tendo morrido com apenas 26 anos, o estro de Noel Rosa tenha sido tão fantástico como é a sua obra de mais de 300 gravações, algumas delas antológicas, como Gago Apaixonado (samba do gago), em que ele construiu rimas gaguejando, Último Desejo, Feitiço da Vila, Palpite Infeliz.

Que gênio, o Noel Rosa.

Naquela que considero a melhor das músicas de Noel, ele se esmera de uma tal sorte na posição de um verso sobre o outro que ninguém até hoje o superou, nem o próprio Chico Buarque com A Rita.

Refiro-me à obra-prima de Noel chamada Conversa de Botequim, cuja primeira parte é um prodígio de brasileirismo e um conjunto preciosíssimo de expressões:

Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa

Uma boa média que não seja requentada

Um pão bem quente com manteiga à beça

Um guardanapo, um copo d’água bem gelada

Feche a porta da direita com muito cuidado

Que não estou disposto

A ficar exposto

Ao sol Vá perguntar ao seu freguês do lado Qual foi o resultado do futebol.

Nunca vi nada igual. Um portento, uma das sete maravilhas da música brasileira. Notável. Extraordinário. O mundo é mais para os gênios.


31 de agosto de 2008
N° 15712 - MOACYR SCLIAR


A síndrome de carência dos refletores

Na noite de domingo, 30 de dezembro de 2007, o Fantástico foi ao ar sem a presença de Glória Maria. Depois de 10 anos na função, a apresentadora estava deixando o programa.

Nada de mais nisso, alguém dirá. Afinal, a carreira de artistas, de pessoas que, de maneira geral, trabalham para o público, é mais irregular que a Bolsa de Valores: por motivos muitas vezes imponderáveis está sujeita a acidentes, a percalços, a contrariedades, a tudo àquilo que Shakespeare denomina, em Hamlet, Slings and Arrows of Outrageous Fortune, os dardos e flechas de ultrajante destino.

Dardos e flechas que unem o insulto à injúria, ferindo as pessoas naquilo que elas têm de mais sensível, a auto-estima. As pessoas caem em desgraça; e, caindo em desgraça, a primeira coisa que lhes acontece, obviamente, é perder a graça, o rebolado. Aí as reações variam.

Existem aqueles que, como diz a gíria, caem matando, disparando para todos os lados, falando mal de todo o mundo, ameaçando com escândalos e denúncias. E existem aqueles que procuram manter a dignidade, sair de cabeça erguida.

Há uma fórmula para isto, e Glória Maria a usou: é o sabático, um período destinado a projetos pessoais. O sabático (o nome lembra o dia em que Deus descansou, após a dura tarefa da criação) pode ser passado numa casa de campo.

Zé Rodrix e Tavito, na interpretação de Elis: “Eu quero uma casa no campo/ onde eu possa ficar no tamanho da paz/ eu quero o silêncio das línguas cansadas/ eu quero plantar e colher com a mão/ a pimenta e o sal.” Tirando esta estranha possibilidade de plantar sal, parece um sonho comum a muitas pessoas. Mas será sincero este sonho?

Uma casa no campo, ou no litoral, ou mesmo no Exterior, significa afastar-se daquele torvelinho que é a vida de uma pessoa pública. No caso de artistas e apresentadores de tevê, significa afastar-se dos refletores. Significa mergulhar na penumbra. E isto tem efeitos. Podemos falar até de uma síndrome de carência dos refletores. Aquela luz brilhante e poderosa, aquele agradável calorzinho simplesmente somem.

Há uma parte da pessoa que sente disso muito falta: é o ego. O ego vive das luzes dos refletores, dos flashes das máquinas fotográficas, mesmo precárias; o ego é fotossensível e fotodependendente. Uma situação análoga àquela que ocorre na seasonal affective disorder, desordem sazonal afetiva, conhecida pelo muito significativo acrônimo de SAD, triste.

São pessoas que, no gélido e escuro inverno nórdico, ficam deprimidas, porque a falta de luz faz com que o organismo não produza substâncias anti-depressivas. Para essas pessoas, o banho de luz é revigorante. Mas para os artistas e apresentadores que perderam o seu lugar só servem os refletores autênticos, não os domésticos.

E o que fazem as pessoas que, deixando a vida pública, caem no limbo? As opções são várias. Escrever um livro é uma solução muito procurada.

Não é só a possibilidade de contar tudo, de botar os podres para fora, coisa que certamente incomoda os desafetos; é também o livro em si. O livro é um empreendimento sério, respeitável, de longo prazo, que necessariamente significa recolhimento, reflexão, auto-avaliação.

Como mostra a entrevista da Mariana Kalil, Glória Maria enfrentou com bravura a síndrome de carência dos refletores. Agora ela pode nos ensinar muito sobre isso. E agora podemos entender por que, durante 10 anos, o Brasil a acompanhou fascinado.

Agradeço às amáveis mensagens de Américo Piovesan, José Celso, Dr. Mário Wagner, Carlos Ferrarini, Jônatas S.de Abreu, Priscila Ploia, Zoé Benetti, Dr. Telmo Kiguel e Sociedade Brasileira de Psiquiatria.

sábado, 30 de agosto de 2008



30 de agosto de 2008
N° 15711 - NILSON SOUZA


Antes de partir

Ganhou destaque esta semana a notícia da morte do publicitário americano que ajudou a escrever o livro Cem Coisas para Fazer Antes de Morrer.

Ele sofreu uma queda em casa, bateu com a cabeça e fechou a última página da sua história aos 47 anos – muito cedo para os atuais parâmetros de longevidade.

O irônico acidente de percurso, porém, não invalida uma de suas advertências: “A vida é uma jornada muito curta”, escreveu no livro. “Como você pode ter certeza de que pode preenchê-la com o máximo de diversão e os lugares mais legais do mundo antes de fazer as malas pela última vez?”

Ninguém faz as malas para esta viagem. Tem gente que se previne, é verdade. Conheci uma senhora do interior do Estado que não apenas construiu caprichosamente sua derradeira morada no cemitério da cidadezinha onde morava, como também ia todos os sábados colocar flores no próprio túmulo.

“Quando eu morrer, ninguém vai se lembrar de fazer isso para mim”, explicava. Mas essa providência não é tão difícil de tomar, nem é tão rara assim. Muitas pessoas fazem isso, até para não dar trabalho aos que ficam.

Difícil é fazer uma lista de coisas imperdíveis nesta primeira (ou única) passagem pelo planeta – e cumpri-la. Só em filme, como no maravilhoso Antes de Partir, em que Jack Nicholson e Morgan Freeman interpretam dois pacientes terminais que resolvem sair pelo mundo fazendo tudo que é tipo de aventura.

E provam que qualquer coisa que a gente deseje do fundo da alma pode ser obtida, inclusive beijar a mulher mais linda do mundo, que era uma das metas do personagem de Nicholson.

Não sou tão organizado assim. Mesmo que conhecesse a data exata do encontro indesejado, dificilmente seria capaz de elaborar um planejamento minucioso das coisas que ainda pretendo fazer.

Mas seria capaz de fechar contrato agora mesmo com aquela senhora que nunca falha, se ela aceitasse esta minha modesta proposta:

apenas o tempo suficiente para ler todos os livros que tenho empilhados ao lado de minha mesa de cabeceira, no meu gabinete de trabalho e na minha biblioteca.

Mil e uma noites seriam suficientes. Aquelas de Sherazade, evidentemente, que duram até hoje e permanecerão pela eternidade.

Um ótimo sábado e um excelente fim de semana para todos nós.


30 de agosto de 2008
N° 15711 - MOACYR SCLIAR


Depois da queda

Brasileiro admira o inverno nórdico: a neve caindo, os trenós com os guizos tilintando, as lareiras acesas. Muito bonito, mas a gente esquece que não é só isso.

É também a estrada bloqueada, os canos congelados e, ah, sim, os riscos inesperados, um dos quais descobri há uns três anos, quando, em pleno inverno, caminhava por uma rua em Nova York. De repente pisei numa poça d’água congelada, escorreguei e, quando vi, estava caindo. A sensação foi de surpresa e desamparo.

Tendo perdido o equilíbrio não havia nada mais a fazer, e eu me estatelei no chão, de costas. Bati com a cabeça, fiquei um pouco zonzo, e logo em seguida vi, lá debaixo, fisionomias ansiosas, de pessoas que queriam me ajudar. Com o auxílio delas, levantei e segui meu caminho. Mas confesso que o incidente me abalou.

A queda é uma experiência transcendente. Não é de admirar que sirva como metáfora para várias situações. O pecado de Adão e Eva é descrito como queda; queda é também o termo que se usa para alguém que perdeu o poder.

O grande dramaturgo americano Arthur Miller escreveu, em 1964, uma peça teatral de enorme repercussão, chamada After the Fall (Depois da Queda). Miller fora casado com a famosa atriz Marilyn Monroe, cuja carreira entrou em declínio por causa de drogas e da instabilidade emocional; ela terminou morrendo de overdose. A peça foi assim interpretada como uma alusão a essa debacle, e ficou muito famosa, inclusive pelo título: After the Fall é até o nome de um conjunto de rock.

Na vida da pessoa, e sobretudo da pessoa idosa, a queda também é importante – e alarmante. Quando se diz que uma pessoa, já nos seus 80 ou 90 anos, teve uma queda, todo mundo fica consternado. A idéia é de que a pessoa já não tem mais controle sobre seu próprio equilíbrio. Uma nova fase começa, cheia de alarme e preocupação.

Mas não precisa ser assim. Quedas podem ser evitadas com:

- exercício físico regular;

- identificação de lugares perigosos na casa;

- cuidado com medicamentos e substâncias que prejudicam o equilíbrio, como álcool, tranqüilizantes, antiarrítmicos;

- atenção a problemas de saúde que podem resultar em quedas: déficit de visão, problemas neurológicos e musculares, problemas cardíacos.

A queda faz pensar sobre a vida. Mas a gente também pode pensar sobre a vida confortavelmente sentado, sem receio de um tombo. O que, obviamente, é muito melhor.


30 de agosto de 2008
N° 15711 - CLÁUDIA LAITANO


Burt Lancaster

No filme Violência e Paixão (1974), o penúltimo de Visconti, Burt Lancaster encarna um professor aposentado que coleciona obras de arte do século 18 (as “conversation piece” do título do filme em inglês, pinturas em que os membros da nobreza aparecem lânguidos e etéreos, acompanhados de seus bichinhos de estimação, em cenas domésticas bucólicas).

Morando em um palazzo italiano que já mostra os primeiros sinais de decadência, “the professor” é o último de uma linhagem em vários sentidos.

O anacronismo se insinua em cada detalhe que cerca o personagem de Lancaster – e essa é uma das genialidades do filme.

Das roupas, excessivamente sóbrias, à decoração da casa, passando pelas imensas estantes de madeira de lei que, a certa altura da história, alguém sugere que sejam substituídas por práticas prateleiras de metal.

Não sabemos sequer seu nome, já que a distinção do cargo parece ser suficiente para situá-lo socialmente. (Em inglês, a palavra “teacher” é empregada para qualquer pessoa que ensina, enquanto o termo “professor”, como ele é tratado, é usado apenas para mestres do ensino superior.)

O filme de Visconti fala sobre o choque de mundos diferentes e também sobre a angústia diante da proximidade da morte. A profissão do protagonista, em princípio, poderia ser qualquer uma, ou mesmo nenhuma, já que o suntuoso palazzo em que a ação se passa foi obviamente herdado.

Mas o fato de ele ser um professor universitário especializado em algo de relevância tão abstrata quanto a pintura inglesa do século 18, ao mesmo tempo em que nos é apresentado como um sujeito respeitado e com prestígio – não apenas entre seus pares da Academia, note-se, mas junto à cozinheira e aos jovens inconseqüentes que se tornam seus vizinhos –, nos faz pensar como o mesmo título, “professor universitário”, pode ser usado para designar profissionais tão diferentes entre si quanto uma estante de madeira de lei e uma prateleira de metal.

Comparar um intelectual italiano do século passado – formado no país que foi berço de algumas das primeiras universidades do mundo (a de Bolonha é de 1088) – e um professor universitário brasileiro dos dias de hoje parece sacanagem.

Em um país em que a educação é tão maltratada, o ensino superior tem todos os problemas do ensino básico e mais os de uma certa “crise de identidade” – uma dificuldade, generalizada em todas as classes, de entender para que, afinal, serve ir para a Universidade (para arranjar emprego? para aprender a pensar? para fazer pesquisa? para fazer amigos?).

Com boa vontade, poderíamos alegar falta de experiência. Esse negócio de universidade no Brasil, afinal, é algo relativamente novo – começou a ser esboçado no século 19, mas só pegou para valer nos anos 30. A Universidade era, até os anos 60 ou 70, assumidamente elitista – e os professores universitários, se não eram o Burt Lancaster, tinham lá o seu prestígio.

Com o crescimento da classe média, a universidade pública começou a não dar conta da demanda de alunos, que passou a ser atendida também por universidades particulares e centros universitários.

Nesse processo, os professores universitários foram perdendo não só o “glamour” e o prestígio, mas o próprio vínculo empregatício – hoje, muitos são horistas.

O fato de o modelo “Burt Lancaster” estar em extinção no Brasil, inclusive nas universidades públicas, é apenas um dos problemas. A lógica de mercado, enfim, foi aplicada às instituições de ensino superior privado – o que pode ter lógica para o mercado, mas não necessariamente para o ensino.

O corte de vagas em cursos de Direito que tiveram avaliações ruins no Enade, anunciado esta semana pelo MEC, nos faz pensar também na quantidade de pessoas que, por ingenuidade ou falta de alternativas, estão hoje, literalmente, pagando para não aprender.


30 de agosto de 2008
N° 15711 - PAULO SANT’ANA


Como andamos carregados!

Existia há muito tempo esta expressão: “Como eu ando carregado!”. Queria dizer “como eu ando azarado”.

Era uma forma de os brasileiros lamentarem a sua falta de sorte.

Muitas vezes me passa pela cabeça o quanto eu ando carregado. Uma das vezes é quando leio no noticiário que nós, brasileiros, pagamos o preço mais alto do mundo pela gasolina.

Quer dizer, existem uns 300 países no mundo e o povo entre eles que paga mais pela gasolina no planeta é o brasileiro.

Então eu me pergunto: por que cargas d’água eu fui nascer logo no país que paga pela gasolina o preço mais caro do mundo?

Eu poderia ter nascido, por exemplo, na Argentina, estaria pagando hoje metade do que pago aqui no Brasil pela gasolina.

Se eu tivesse nascido na Venezuela, pagaria pelo preço da gasolina oito vezes menos do que pago atualmente no Brasil.

E não é questão de câmbio, não. Em qualquer moeda os argentinos pagam pela gasolina metade do preço brasileiro e os venezuelanos pagam oito vezes menos do que nós pelos combustíveis.

Repetindo, penso comigo: por que fui nascer logo no país que cobra pela gasolina o preço mais alto do planeta?

Exatamente porque eu sou muito carregado.

Agora mesmo, foram descobertas reservas abundantes de petróleo na costa entre o Espírito Santo e Santa Catarina que, ao que dizem, vão tornar o Brasil um país muito rico.

O presidente Lula já fez um discurso esses dias tencionando saber o que faremos com esta fortuna colossal das reservas de petróleo da camada pré-sal, a milhares de metros abaixo da superfície do solo, que foram encontradas no Brasil.

O presidente Lula está preocupado em destinar esses recursos fabulosos que o Brasil vai ganhar com o pré-sal na educação dos brasileiros e outras finalidades sociais.

Então eu já estou assegurado de que, com o que o Brasil vai ganhar no pré-sal, nós, brasileiros, que pagamos pela gasolina o preço mais alto do mundo, vamos continuar pagando a gasolina mais cara do mundo.

Ou seja, os consumidores brasileiros de combustíveis não terão qualquer vantagem no preço dos combustíveis com a descoberta e a exploração de petróleo na camada pré-sal.

Como não tivemos nenhuma vantagem no preço da gasolina quando foi anunciado estrepitosamente que o Brasil se tornara, poucos anos atrás, auto-suficiente em petróleo.

Para nós, brasileiros, que pagamos o preço mais alto do mundo pelos combustíveis, nenhuma vantagem. Pelo contrário, continuamos pregados na cruz do preço mais alto do mundo, que não atinge somente a todos nós, atinge a toda a economia brasileira, isto é, se pagássemos mais barato pelos combustíveis, imaginem o progresso e o desenvolvimento que isso acarretaria, teríamos um impulso extraordinário em nossas vidas e no país.

Então eu chego à conclusão: como nós andamos carregados!

Que sina a nossa, somos auto-suficientes em petróleo e nos castigam com o a gasolina mais cara do mundo. Não é uma carga, uma tremenda falta de sorte?

Assim também com os pedágios. Por que, meu Deus, nós, gaúchos, temos o azar de pagar o pedágio mais caro do Brasil em nossas estradas? Por quê?

Em determinado percurso das estradas gaúchas, só para comparar, pagamos R$ 26 de pedágio. Em percurso semelhante, em estradas argentinas, os motoristas pagam R$ 5!

Por que esta diferença? Por que a gasolina mais cara do mundo somos nós, brasileiros, que pagamos? E o pedágio mais caro do Brasil somos nós, gaúchos, que pagamos?

Mas nós não andamos mesmo carregados? Que sina, por que isto só acontece para cima de nós?

sexta-feira, 29 de agosto de 2008



29 de agosto de 2008
N° 15710 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Um estudo em azul

Por um desses acasos me retorna às mãos uma edição de Zero Hora com notícias passadas mas não menos inquietantes. Prossegue o mistério com o avião da Spanair, que causou mais de 150 mortes no aeroporto de Barajas, em Madri. Oficiais iraquianos revelam que os Estados Unidos não sairão antes de 2011 do país que invadiram.

Retirada das tropas russas não diminui a tensão na Geórgia. A violência não cessa no Paquistão mesmo após a renúncia do presidente.

Nada disso atrai mais minha atenção do que uma singela história acontecida em latitudes bem mais próximas. Uma senhora de Novo Hamburgo, chamada Doralice, descobriu ao despertar um pombo-correio em seu jardim.

Ela alcançou-o pé ante pé, conta a repórter Letícia Barbieri, fez carinho em sua cabeça e pegou-o delicadamente com as mãos. A ave não esboçou reação. Enfraquecida, ela apenas piscou os olhos.

Dona Doralice, que é empresária, mas não esqueceu o lado poético da vida, após ler a mensagem que o pombo trazia, iniciou uma detida investigação para identificar sua origem.

Não demorou a encontrá-la: o visitante vinha de Nova Petrópolis, de onde voara até ser atingido por um vento forte, que aparentemente o desorientou.

Bem cuidado e alimentado, o pombo se recuperou do susto de 60 quilômetros e, reconhecido, seu criador, o marceneiro Romeu, ficou de ir buscá-lo, levando de presente à salvadora dois filhotes da mesma e corajosa ave.

Mais não sei, mas suponho que o encontro haja sido alegre e cordial. O que me encanta nisso tudo, entretanto, é a dose de calor humano embutida na notícia.

Um jornal tem que cobrir acidentes dramáticos, erros políticos gigantescos, guerras sem motivo ou razão, convulsões internas de países longínquos, mas ao mesmo tempo precisa ter uma alma para o lirismo.

Foi o que Zero Hora revelou, dedicando meia página para a epopéia do vôo Nova Petrópolis-Novo Hamburgo, e mais meia, na contracapa, para a foto do herói e sua salvadora, um belo estudo em azul.

Mas, mais do que tudo, o que me motivou a escrever esta crônica foi uma palavrinha de três letras, que havia no anel do pombo fugitivo.

Ela existe em todos os idiomas do universo, mas está longe de criar raízes em todas as mentes. Se chama simplesmente paz.

Ótima sexta-feira, ainda que com vendaval e chuvas e um excelente fim de semana.


FIDEL E AS SUAS CULPAS

Um bom filme deve fazer pensar. Esse é o clichê. Com freqüência, os 'bons' filmes fazem pensar em sair mais cedo do cinema, o que não se faz, em geral, por preguiça ou medo de tropeçar no escuro.

Não é o caso de 'A Culpa É do Fidel', o primeiro longa de Julie Gavras, filha do cineasta grego Costa Gavras, tendo, num dos papéis principais, a filha de Gérard Depardieu.

É a vez dos rebentos. As duas, diretora e atriz, dão conta do recado. A história é simples: quando os pais se tornam comunistas, a filha, de 9 anos, educada num colégio de freiras, sofre com o novo processo de socialização.

Acostumada ao catecismo e à disciplina adequada à boa formação das meninas da elite, vê-se em meio a barbudos num apartamento diminuto, bem longe da vida agradável numa casa com jardim. É o adeus à doce vida burguesa.

Julie Gavras certamente viveu boa parte do que conta com muito humor. Na verdade, é um filme sobre a educação das crianças. Na família e na escola, seja qual for a escolha feita, o processo é sempre de doutrinação.

Cabe incutir uma visão de mundo sob a aparência de neutralidade ou de naturalidade. A pequena Anna passa de um catecismo a outro.

Proibida de freqüentar as aulas de religião, tenta entender a nova 'religião' dos pais e dos seus amigos. É um bom filme para um debate entre os jornalistas que acusam os professores de 'esquerdizar' os alunos e os especialistas que denunciam a mídia de 'direitizar' as pessoas.

O jogo se resume a ideologia contra ideologia. Durante muito tempo, era privilégio da esquerda denunciar a ideologia da direita. Essa situação se inverteu. Julie mostra as falácias dessas posições.

Sem fazer alarde nem apresentar grandes teses, 'A Culpa É do Fidel' aborda o que os pais fazem com os seus filhos em nome das suas utopias, certezas e dogmas. Um olhar simplificador poderá imaginar que se trata de uma crítica aos marxistas da época de Salvador Allende. É mais amplo. Engloba direita e esquerda.

A menina do filme consegue alcançar certa independência em relação às duas forças que a pressionam e tentam formatá-la. Faz pensar nas idéias de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron sobre o processo educativo como reprodução. Raramente se dão informações e se prepara para pensar.

A escola reacionária só quer falar em informações, mas passa ideologia sub-repticiamente. A escola dita crítica muitas vezes distorce as informações para fortalecer certas idéias. Julie Gavras faz a defesa de uma escola livre.

O filme mostra que o processo educativo se dá em todas as instâncias. As babás da família da pequena Anna participavam ativamente na sua formação.

A contrapropaganda estava entrincheirada na cozinha. Fugida de Cuba, Filomena era anticomunista e tratava de assustar as criancinhas com o lobo Fidel. Depois foi a vez de refugiadas com outras perspectivas e comidas exóticas.

Pais, avós, empregadas, amigas, vizinhos e televisão aparecem na tela como atores disputando a cabecinha confusa de uma criança um pouco mais esperta do que eles. O recado é divertido: cuidado com todos.

Dá para brincar, ser feliz na infância e chegar à autonomia, mas convém ficar alerta com as boas intenções de uns e outros.

As histórias da vovó nunca são inocentes. Parte da culpa é do Fidel. A outra parte, que não está no filme, é do Bush. Não existe almoço gratuito. Nem escola neutra.

juremir@correiodopovo.com.br


29 de agosto de 2008
N° 15710 - JOSÉ PEDRO GOULART


Roberto e Caetano

Desde que fiquei sabendo que Roberto Carlos e Caetano Veloso fariam show cantando Tom Jobim, me mobilizei. Aliás, mobilizei o Vitor Knijnik, meu amigão em São Paulo.

E o Vitor não falhou – conseguiu através de uma espécie de “não tenho a mínima idéia como” adquirir os ingressos mais impossíveis do ano. De modo que subi no avião e me bandeei para SP, levando na alma a pressa e a alegria de um Usain Bolt, cruzando a linha dos cem metros dos meus olhos rasos.

O Auditório Ibirapuera (projeto do Niemeyer) espera a todos com um linguão de fora e uma bocarra aberta. Mas lá dentro, no saguão, onde aguardo ladeado por metade do PIB de São Paulo, tudo é claro, asséptico. Parece um banco. Não se fuma. Não se bebe. Imagino o desconforto do Tom Jobim se estivesse aqui.

Depois de uma hora de atraso, o show. Há no ar uma certa emoção presumível, ou melhor, desejada. As cortinas se abrem ritualísticas, vagarosas – lado a lado aparecem Caetano e Roberto, atrás deles uma imensa efígie do Tom.

O Tom do Vinicius, como ele dizia. O Tom da bossa nova, a música brasileira for export – fossem de música as Olimpíadas, a gente estaria no topo.

Pausa para duas reflexões. A primeira diz respeito a Caetano Veloso. Nutro por ele uma admiração que guardo para poucos: Caetano é um dos maiores do mundo, na estatura de um Lennon, de um Dylan.

Embora a música brasileira seja valorizada lá fora, o fato de Caetano cantar em português subtrai um pouco o reconhecimento a ele devido.

E sobre Roberto: ninguém é rei por acaso. Mas ser rei é viver na renúncia. RC sabe disso. Dá pouquíssimas entrevistas, não faz propaganda, não engorda, não emagrece, não chora, não se gasta. Roberto não abre mão da coroa por nada.

Razão pela qual vemos um Caetano humilde e um Roberto majestoso. Caetano está ali para receber o espírito do Tom Jobim, para se desprender de si, para se transmutar; e isso com aquele precioso coração que a dona Canô um dia gerou.

Mas há um porém, um obstáculo. E esse obstáculo se chama Roberto Carlos. Não que não seja bonito se ver e ouvir RC cantar o Tom, claro que é; aquela voz, aquele carisma têm poderes intraduzíveis.

Acontece que Roberto em nenhum momento desce do pedestal. Em nenhum momento se ajoelha diante do sublime à espreita; e com isso também impede que Caetano (por consideração?) o faça. Roberto esqueceu do Tom.

Ele que toca em ginásios, navios, especiais de TV, preferiu flertar com aquela rara platéia refinada, estranha à musica que ele produz agora e que o considera mais pela mística do que por outra coisa. Roberto insiste em ser rei, e como tal se desumaniza cada vez mais.
Telefonou-me ontem, às 21h, o senhor Carlos Roberto Silva, residente à Rua das Araucárias, bairro Jardim Fiúza, em Viamão.

Ele tinha sido atacado defronte a sua casa uma hora antes por dois indivíduos que o agrediram a coronhadas e roubaram a sua motocicleta.

A moto não pegava, o motor levou 10 minutos para funcionar, mas nada de socorro ao assaltado. Ele telefonou para a polícia e recebeu a clássica resposta: não há viatura para atender essa ocorrência.

A população de Viamão está entregue à própria sorte, não há efetivo policial nem há viaturas.

Isso é um convite para os ladrões, que agem livremente em toda a cidade.

O Internacional se classificou para a segunda fase da Copa Sul-Americana com o empate em 2 a 2 no Gre-Nal de ontem.

Mas a reação do Grêmio depois de estar perdendo por 2 a 0 serviu para uma festa da torcida tricolor ao final do jogo.

O Grêmio saiu afinal afirmado dos dois Gre-Nais. Com times inteiramente reservas, conseguir empatar dois clássicos contra os titulares do Internacional foi façanha notável.

Houvesse uma vitória colorada ontem, de alguma forma o impacto da derrota do Grêmio poderia se refletir psicologicamente de forma negativa no time titular gremista que joga domingo contra o Vasco.

Ao contrário, a façanha dos reservas gremistas em empatar com o poderoso Internacional titular mais ainda deverá estimular o Grêmio a uma vitória contra o Vasco.

E como o Grêmio precisará desta vitória domingo! O Grêmio vem de duas decepcionantes atuações, contra o Flamengo e o Náutico.

Já os adversários gremistas que são escudeiros na tabela ajudaram demais o time de Celso Roth, que, apesar de perder cinco pontos nas duas últimas partidas, permaneceu na liderança a cinco pontos do segundo colocado.

Mas agora cabe ao Grêmio ajudar-se a si próprio. Agora é no Olímpico. Qualquer tropeço tricolor pode significar a liderança seriamente ameaçada.

Então, é de alta e profunda decisão este jogo de depois de amanhã.

A torcida terá de lotar o estádio. E outro resultado que não seja a vitória será amassante, cheio de temeridade.

Domingo é dia de avançar para o título. Não há outro caminho. Palmeiras, Cruzeiro e Botafogo estão vindo de trás perigosamente.

Será que a torcida sabe que seu papel é fundamental para o Grêmio manter esta liderança e vai lotar o estádio para ajudar o time?

quinta-feira, 28 de agosto de 2008


Artigo - Vinicius Torres Freire - Folha de S. Paulo - 28/8/2008

Nunca, antes, devagar e sempre
Apesar de si mesmo, lulismo-petismo tem boas marcas na área fiscal, o que quer estragar

2008 VAI ser um ano de "nunca antes". Jamais o déficit do governo terá sido tão baixo desde que há estatísticas decentes, 1991.

O hoje esquecido déficit da Previdência vai cair pela segunda vez de um ano para outro, talvez para menos de 1,5% do PIB. Apesar dos aumentos reais do salário mínimo sob Lula, o crescimento econômico, a formalização do emprego e um tico de "reforma" dos anos FHC contiveram a deterioração dessa conta.

Ao final do ano, é muito provável que se verifique que, nunca antes, tanto o governo federal como o setor público inteiro terão feito um superávit primário tão grande.

As tantas viúvas do tucanato vão se remoer, ressentidas, da ironia da história (assim como os petistas "autênticos". Ainda existem?): a "responsabilidade fiscal" luliana. Mais que irônica, aliás, a história tem sido sarcástica.

Lembre-se de que, sob FHC 1, além de déficits fiscais primários, havia ainda manipulação da taxa de câmbio, surtidas secretas do BC no mercado futuro, auxílio nada transparente a banco quebrado, várias trocas no comando do BC (cadê a autonomia?), atropelamento de agência reguladora (como no caso da Aneel, no apagão), politização de privatização (como no caso das teles) etc.

O sarcasmo não pára aí. O que o tucanato plantou de melhor, mudanças institucionais na economia, brotou e floresceu na horta do lulismo.

Claro que esse é um relato perverso da história do "Brasil estável", pós-1995. Um relato pervertido, em primeiro lugar, com o objetivo de colocar em perspectiva os mitos do tucanismo de direita, a sua história de que a administração econômica lulista-petista desgraçou uma herança de ordem, progresso e estabilidade quase-liberais.

O lulismo-petismo desgraçou muitas outras coisas, entre elas os restos de respeitabilidade da idéia de esquerda, mas não o paraíso perdido do Brasil da competência tucana.

O relato é pervertido também por se iniciar com os números brutos do aparente sucesso fiscal de Lula.

Ontem mesmo, o governo manifestou a intenção de dar uma arruinada no resultado desse período de bonança, do crescimento exuberante da receita de impostos. O governo anunciou seu Orçamento para 2009.

O governo federal pretende aumentar a despesa com o funcionalismo para 4,9% do PIB, despesa "permanente", num ano em que, o próprio governo admite, o país vai crescer menos, assim como provavelmente a receita de impostos.

Tal despesa vai voltar ao que era nos piores anos de FHC 1. E propôs outro aumento do salário mínimo (e da despesa do INSS) acima do crescimento do PIB, despesa permanente.

Lula vai perder a chance de chegar logo a um "nunca antes" de fato relevante -superávit nas contas do governo e reduções decisivas na dívida pública, quiçá um dia nos impostos.

"Fiscalismo"? A dívida pública cai de modo revoltantemente lerdo e custa em juros cerca de 6,3% do PIB (o investimento direto do governo federal é menor que um sexto disso). A dívida não cai mais rapidamente porque o governo deita e rola na bonança, que é sempre temporária.

Passaram os tucanos pelo governo, e o lulismo-petismo também vai passando. Era o que havia de melhor ou menos pior na política brasileira. E vamos, como nunca, devagar e sempre.

Correio Braziliense - 28/8/2008

Intocáveis criminosos

Uma série de reportagens do Correio Braziliense revelou, um ano atrás, que o Entorno do Distrito Federal se tornara uma das regiões mais violentas do país. Nada menos do que 150 jovens haviam sido executados num período de seis meses.

Por trás da maioria dos crimes estava o tráfico de drogas, conforme mostraram documentos analisados pelo jornal e o depoimento de testemunhas. Durante o trabalho de investigação jornalística, o repórter Amaury Ribeiro Jr. foi baleado na Cidade Ocidental.
Sobreviveu. Mas a criminalidade também segue viva, apesar de a repercussão do caso ter provocado o deslocamento para a região de uma unidade da Força Nacional de Segurança (FNS).

Retomada ontem, a série “Tráfico, extermínio e medo” constatou avanços no combate à violência no Entorno. Concentrada em quatro dos 19 municípios que o integram, a tropa de elite federal obteve resultados em Valparaíso, Novo Gama, Luziânia e Cidade Ocidental, todas em Goiás.

Reduziu as taxas de homicídios em 20,8%; de roubos a pessoas, casas e carros, em 30,9%; de furtos a pessoas, casas e carros, em 39,1%; de outros delitos, em 22,8%. No geral, as ocorrências nessas localidades caíram 25,1%.

Antes de comemorar, é preciso ver as estatísticas de outro ângulo: resta a fazer bem mais do que foi feito até aqui. E o número de homens da FNS, em vez de crescer, passou de 130 no início das operações para menos de 70 hoje.

Anuncia-se agora que Luziânia, a 60km de Brasília, sediará a única unidade fixa da FNS, com um Batalhão Especial do Pronto Emprego (Bepe).

Em área próxima, será instalado um centro de treinamento de agentes que, promete-se, terá equipamentos de Primeiro Mundo. Os investimentos previstos, já reservados no orçamento do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasa), são de R$ 29 milhões. Espera-se que os resultados também sejam de Primeiro Mundo.

Afinal, a pouco mais de 20km dali, Valparaíso, um dos quatro focos de ação da Força, é um paraíso sim, mas da máfia dos bingos.

Bastaram 30 minutos para o Correio localizar três deles em pleno funcionamento, protegidos por aparato de segurança de fazer inveja aos estabelecimentos sérios e residências da redondeza.

Casas de jogatina, é sabido, são braços do crime organizado. Servem sobretudo para lavar dinheiro. Em abril do ano passado, a Polícia Federal desencadeou no Rio de Janeiro a Operação Hurricane (furacão, em inglês).

Prendeu bicheiros, delegados e desembargadores. Apreendeu milhões de reais, automóveis importados, jóias. Mas o desafio às autoridades não tem limite.

Seis meses depois, este jornal revelou a existência de dois bingos em plena Avenida W3, no coração da capital da República. De novo é o Correio que os encontra, desta vez poucos quilômetros adiante.

A corrupção, a sonegação, a má-fé no uso de máquinas viciadas, preparadas para arrancar dinheiro de cidadãos incautos, dobram o Estado, sobrevivem às barbas da Força Nacional de Segurança. É lastimável, para dizer o mínimo.

Celso Ming - O Estado de S. Paulo - 28/8/2008

Despencou

É prematuro afirmar que a inflação virou o jogo e que, daqui para frente, é morro abaixo.

Medida pelo Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), a inflação de agosto veio negativa e abaixo do esperado. As projeções apontavam algo em torno de 0,20% negativo, mas veio uma queda mais acentuada, de 0,32%. Em julho, o índice avançara a enormidade de 1,76%.

O IGP-M, calculado pela Fundação Getúlio Vargas, é o medidor mais antigo da inflação brasileira. Desde 1989 passou a ser divulgado no fim do mês para servir de principal indexador do mercado financeiro.

Serve também para reajustar grande parte dos contratos de aluguel, dívidas hipotecárias e tarifas públicas.

Uma de suas principais características é a de que em sua fórmula entra mais pesadamente (nada menos que 60%) a evolução dos preços no atacado. Sempre que ocorre uma forte flutuação nesse campo, o IGP-M acusa imediatamente.

Nos primeiros sete meses do ano, acumulou alta de 8,71% (enquanto o custo de vida medido pelo IPCA ficou nos 4,19%), pois refletira o salto dos preços dos alimentos e das matérias-primas nas bolsas internacionais de mercadorias. Mas, desde o início de julho, as cotações vieram abaixo e essa queda vai refletida nos números de agosto.

Agora, espera-se que a correção de rota seja, em alguma proporção, repassada para os preços do varejo (custo de vida). Se a questão fosse apenas técnica, poderia terminar aí.

Como, no sistema de metas, o preço do dinheiro (juros) é fixado de acordo com a inflação, a questão pega fogo porque trata de definir os próximos passos do Banco Central (BC).

Nesse pedaço da economia, a discussão mais importante gira em torno da natureza da inflação e da real capacidade do BC em dominá-la apenas com os juros.

O ministro Guido Mantega defende o ponto de vista de que a estocada da inflação brasileira é resultado da alta internacional das commodities (especialmente alimentos), que não pode ser revertida com os juros.

E avança que a inflação voltará a seu leito natural quando os preços internacionais também se normalizarem. Pois os preços das commodities caíram e, assim, a inflação vai também se retrair sem que para isso tenham contribuído os juros exageradamente mais altos.

À parte o fato de que as cotações podem voltar a subir, para o BC o impacto dos alimentos na cesta do custo de vida é só uma parte da história. Para ele, essa inflação é o efeito nos preços do consumo correndo mais rapidamente do que a produção.

Para isso se calça em dois argumentos: (1) as importações crescem nada menos que 50% neste ano; e (2) a inflação superior a 5% ao ano não está concentrada apenas nos preços dos alimentos, também os serviços (onde não cabem importações) estão disparando.

A reunião do Copom está agendada para o próximo dia 10. Em todas as manifestações feitas até aqui, os dirigentes do BC enfatizaram que não brincarão em serviço e que estão determinados a trazer a inflação, que vai a 6,5% ao ano, para o centro da meta (4,5%) ainda em 2009.

Como essa posição está fortemente respaldada pelo presidente Lula, que faz questão de ter estrada livre para as eleições de 2010, apenas se a inflação despencar é que se poderá esperar afrouxamento dos juros.

Sob controle - A dívida líquida do setor público continua na casa dos 40% do PIB. O governo pretende derrubá-la para abaixo dos 40% ainda este ano. Mas já não se sabe o que será em 2009, quando o PIB não crescerá mais os 5% deste ano.


PISO É PISO

Adoramos frases circulares. A redundância faz parte da vida. Jogo é jogo, treino é treino. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Não é mesmo? Pois é, piso é piso.

Depois que a governadora do Rio Grande do Sul me enviou gentilmente uma carta afirmando que é a favor do piso de R$ 950,00 fixado por lei federal para o magistério público, mas não é favorável à transformação do piso em vencimento-base, eu fui me aprofundar no assunto.

Reunimos na UNITV (canal 15 da Net) a secretária estadual da Educação e a presidente do Cpers para um debate.

A conversa foi boa e, sem dúvida, esclarecedora. Podemos considerar consistentes os argumentos das duas partes. A educação precisa de mais recursos. O governo tem pouco dinheiro. Tudo isso faz parte da realidade.

O governo gaúcho aceita que todo mundo ganhe no mínimo R$ 950,00 por mês. Mas não aceita que esse seja o salário inicial sobre o qual se acrescentarão vantagens obtidas ao longo da carreira. Só que piso é piso.

A lei diz exatamente isso no seu artigo 2º: 'O piso salarial profissional é o valor abaixo do qual a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios não poderão fixar o vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais'.

Mais claro impossível. Piso, como sugere o bom uso da língua portuguesa, é o salário inicial. É possível que o Rio Grande do Sul não possa pagar.

É inaceitável que não queira fazê-lo alegando que a lei diz outra coisa ou que a lei aprovada traiu o que estava previsto no projeto. Lei é lei. Cada cidadão é obrigado a cumprir as leis em vigor. Será que o Estado tem privilégios para se colocar fora da lei?

O artigo 3º da lei dá uma colher para os estados ao permitir que, até 31 de dezembro de 2009, 'o piso salarial profissional nacional compreenda vantagens pecuniárias, pagas a qualquer título, nos casos em que a aplicação do disposto neste artigo resulte em valor inferior' ao fixado como inicial.

Em português comum, até 2010 os R$ 950,00 podem incluir as vantagens obtidas pelo tempo de serviço ou ser completados a partir do patamar salarial e do tempo de casa de cada professor.

Trocando em miúdos, por mais um ano e meio o piso não será piso. O governo gaúcho quer que ele nunca venha a ser piso. É seu direito discordar da lei e mobilizar as suas tropas para que outra lei seja aprovada.

Enquanto isso não acontecer, cabe-lhe cumprir. Por que os outros estados não estão em pé de guerra contra a lei 11.738/2008? Talvez o Rio Grande Sul tenha uma situação financeira mais precária do que outros ou um quadro de professores mais amplo.

Tudo é possível. A lei, porém, é clara. Piso é piso. Quem entra começa com o piso. Elementar! Ao longo da carreira, acrescenta vantagens sobre essa base. Vai quebrar o Estado? Não existe dinheiro em caixa para isso? Dificulta o saneamento das finanças?

O Estado tem outras prioridades? A discutir. O realismo deve ser considerado. A interpretação serena de um texto também. Por enquanto, o governo do Rio Grande do Sul está defendendo a prática da desobediência oficial: não gostamos da lei, não vamos cumpri-la.

Não deixa de ser cômodo e, ao mesmo tempo, ousado. À moda antiga, o governo deve escrever mil vezes no seu caderno escolar: piso é piso. Está na lei.

juremir@correiodopovo.com.br

Ainda que com previsão de chuvas e temporais, que tenhamos todos, uma excelente quinta-feira.


28 de agosto de 2008
N° 15709 - LUIZ PILLA VARES


O alemão do blues

Fronteiras do Pensamento é uma iniciativa notável para a discussão e o debate das idéias que envolvem e influenciam o século 21. Durante o evento, iluminam a cultura contemporânea em nossa cidade as mais diversas personalidades de várias fronteiras.

E nessa instigante maratona intelectual, uma das mais marcantes individualidades que aqui estiveram é certamente o cineasta alemão Wim Wenders, o celebrado autor de Paris, Texas, entre outros sucessos da arte cinematográfica.

A presença de Wenders entre nós teve uma enorme repercussão nacional e, sem dúvida alguma, ele é merecedor de tudo o que sobre ele foi escrito, em geral de forma elogiosa a respeito de sua trajetória.

Aqui, Wim Wenders fez a defesa de um cinema “com forte sentimento de pertencimento local”, na contracorrente de um cinema cada vez menos reflexivo e cada vez mais uniforme, com ênfase nos efeitos especiais e na fugacidade, na banalidade e no apelo vulgar ao erotismo e à violência.

E explicou o fio condutor de seus filmes belos e cerebrais: “A Alemanha (logo após a II Guerra) era um país devastado e sem esperanças.

Os alemães acumulavam vergonha sobre os ombros. Desde quando posso lembrar, queria deixar o país. Assim, tornei-me um viajante. É minha vocação e profissão”. E só depois de viajar bastante reencontrou-se com a Alemanha.

E nas centenas de linhas que sobre esse alemão errante se escreveu, chamou-me a atenção o fato de que ninguém, mas ninguém mesmo, lembrou-se de citar uma de suas paixões mais enraizadas e duradouras: o amor pelo blues, esta música de origem afro e que se tornou uma das mais autênticas expressões da arte norte-americana.

Pois Wim Wenders é o autor de um capítulo da notável série apresentada por Martin Scorsese, The Blues (à venda em uma bem elaborada caixa, edição da Focus Music).

O filme de Wenders chama-se The Soul Man e nele o autor, de forma terna e comovente, revela o seu amor pelo blues e, particularmente, por seus três “ídolos”, como ele os denomina:

L.B.Lenoir, Skip James e Blind Willie Johnson. É Wenders quem afirma: “Essas músicas significam o mundo para mim. Eu senti que existia mais verdade nelas do que em qualquer livro que eu li sobre a América, ou em qualquer filme que eu tenha visto”.

Concordo com ele: o blues é os EUA profundo, muito mais do que esta outra face da arte autenticamente norte-americana, o jazz, igualmente bela forma de música, mas muito mais universal e urbana.

Sim, o alemão Wenders ama o blues, o som mais norte-americano de todos.


28 de agosto de 2008
N° 15709 - PAULO SANT’ANA


Um naufrágio

O matemático Tristão Garcia tem alguns interessantes e outros bombásticos dados sobre a perspectiva de classificação dos clubes no Brasileirão.

São projeções matemáticas, nada têm a ver com os resultados técnicos que advirão, no entanto podem nos guiar sobre as possibilidades de cada um dos candidatos ao título de 2008 e à Libertadores de 2009.

As chances matemáticas de o Grêmio vir a ser campeão brasileiro são de 55%.

Não se assustem os gremistas, porque o principal seguidor do Grêmio na tabela, neste instante, o Palmeiras, tem apenas 13% de chances de vir a ser campeão.

O terceiro colocado na tabela, Cruzeiro, tem apenas 12% de chances matemáticas de vir a ser campeão.

E o Botafogo, atualmente quarto lugar na tabela, ostenta 8% de chances para chegar ao título.

Por esta projeção, o Grêmio é favorito ao título.

No entanto, em duas, três ou quatro rodadas, este quadro pode vir a se modificar totalmente.

Mas neste momento é assim, risonho para o Grêmio, que foi muito mal no Maracanã e em Recife, tendo de se vitoriar contra o Vasco, domingo, no Olímpico, às 16h, se quiser ficar em paz com os dados matemáticos.

Já as chances para chegar ao fim do campeonato classificado para a Libertadores são as seguintes: o Grêmio tem possibilidades percentuais de 92% de chegar ao G4.

O Palmeiras tem 66% de chances. O Cruzeiro 61%. E o Botafogo tem chances de chegar ao fim do Brasileirão entre os quatro da Libertadores em 51%.

O bombástico no levantamento do matemático Tristão Garcia é que o Internacional, que no início do campeonato era considerado por toda a imprensa esportiva brasileira um dos três favoritos máximos ao título, tem agora 0% (zero por cento) de chances para ser campeão e, notem bem, apenas 2% de chances matemáticas de disputar a Libertadores no ano que vem, ano do seu centenário.

Sob o ponto de vista matemático, portanto, as perspectivas coloradas são desoladoras.

Recebo, me penalizo e me suplicio com o relato, passando-o adiante, na esperança de que as autoridades do SUS possam atender ao apelo dramático:

“Paulo Sant’Ana. Tu és minha última esperança. Imagina o sofrimento de uma mãe que vê o seu filho sem poder caminhar há nove anos, esperando uma cirurgia pelo SUS. Sua única forma de deslocamento, só dentro de casa, é de joelhos. Ele sofre demais e eu muito mais ainda.

Tudo porque pegou uma infecção hospitalar durante uma cirurgia, que deixou seus pés atrofiados. O mais angustiante é que os médicos garantem que uma simples cirurgia resolverá o problema. Meu filho, Josir Rosa de Souza, agora com 33 anos, está perdendo toda a sua juventude, sem poder mais trabalhar, estudar.

Tenho certeza de que se o secretário da Saúde do município, Eliseu Santos, ler esta carta, ele irá resolver o meu problema, que me deixa cada dia mais desesperada.

Muito obrigada e que Deus te proteja. (ass.) Tereza Fernandes da Rosa, Rua Humberto Cadaval, número 473, Lomba do Pinheiro, telefone 3319-9399”.

Impossível deixar de comover-se. Secretários estadual e municipal da Saúde, só mais esta, eu apelo. Não é difícil de resolver e salvar essas duas pessoas do naufrágio existencial.


28 de agosto de 2008
N° 15709 - LF VERISSIMO


O fim da teoria do leão

Os números finais das Olimpíadas costumam provocar o que pode ser chamado de sociologia de resultados.

Surgem teses sobre as causas sociais e políticas de triunfos e fracassos e a quantidade de medalhas ganhas passa a ser um medidor de virtudes nacionais. Mas, como toda sociologia instantânea, esta tem dificuldade em lidar com o que não é óbvio.

É óbvio que ganham mais medalhas os países mais bem alimentados e ricos, que podem investir mais em esportes e preparação de atletas. Se uma Cuba ganha medalhas em desproporção ao seu poderio econômico e à sua dieta alimentar, a explicação também é óbvia.

Países socialistas tradicionalmente usam o esporte como propaganda, seu investimento desproporcional é na competição ideológica. Mas outras exceções ao óbvio desafiam as teses. E muitas vezes levam a fantasias, como a teoria do leão.

Sociólogos de ocasião desenvolveram a tese de que o sucesso de atletas africanos em corridas de fundo devia-se ao fato de terem se criado num ambiente em que poder fugir do leão era condição para a sobrevivência. Uma condição que se sobrepunha a todas as outras.

O leão predador, claro, quando não era um leão de verdade, era uma metáfora para todos os perigos da floresta que obrigavam as pessoas a terem pernas ligeiras, e agilidade inata, para não morrer.

Havia vestígios da teoria do leão na velha idéia de que a ascendência africana explicava a habilidade dos brasileiros para o futebol, que ninguém no mundo igualava. Qualquer jogada do Pelé teria, entre os seus antecedentes remotos, um meneio para escapar do leão.

A teoria do leão, que é uma teoria sobre a inevitabilidade, pois diz que um certo tipo de ambiente só pode produzir um certo tipo de atleta, sofreu um duro golpe quando apareceu, numa Olimpíada de inverno, aquela equipe de trenó – da Jamaica!

A importância do leão na vocação para o futebol é desmentida cada vez que se vê um Messi fazer em campo o que se esperava que o Ronaldinho fizesse.

E, se ainda fosse preciso um dado para mostrar como a teoria do leão é furada, basta lembrar que o país que tem a maior costa contínua e algumas das piores estradas do mundo produz mais campeões de automobilismo do que de natação.

Não fomos tão mal assim nas Olimpíadas. Nos casos em que poderíamos ter ido melhor, perdemos para o nosso emocionalismo.

E ganhamos de todos nas categorias choro convulsivo e lamentação em equipe. No fim – esta é a minha teoria –, os Jogos Olímpicos são entre os de sangue-quente e os de sangue-frio. Os de sangue-frio ganham sempre, mas os de sangue-quente são muito mais simpáticos.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008


JOSÉ SIMÃO

Socuerro! A volta da doutora Havanir!

Quando ela apareceu gritando, de olhos esbugalhados, corri e me tranquei na cozinha!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!

Rússia reconhece a independência da Ossétia! E quem nasce na Ossétia é o quê? OSSETIANÕES!

E quando liguei a TV e vi o Hilário Eleitoral, senti saudades do choro da Jade. Ai, que saudades do choro da Jade!

E aquele candidato alagoano J. Andrade, que ameaça: "O eleitor que vende seu voto merece uma chibata de jumento e um rolo de fumo no parreco". Cuidado! Segura o parreco. Isso é AMEAÇA NUCLEAR!

E a Marta é a que recebe mais apelidos: Patricinha da Terceira Idade, Genérico da Ivana Trump e Rainha do Passa Rápido.

O negócio dela é passa rápido! E, se ela ganhar, a classe média não precisa ficar chorando, porque PASSA RÁPIDO! Rarará!
E o Alckmin devia ser coroinha!

Ele só fala tucanês: "População desassistida", "debilitado socialmente" e "hiposuficiência econômica". Tucanou os pobres.

Atenção, pobres, vocês não são mais pobres. São desassistidos, debilitados. O Alckmin não é careca, é "um indivíduo com deficiência pilosa na parte superior externa do crânio!".

Noite do Terror no Playcenter! A Marta parece um sharpei que esticou as pregas, o Kassab é o Chuck, o Brinquedo Assassino. E o Alckmin e o Serra juntos? Recepcionista de necrotério com porteiro do IML! E O MEU NOME É HAVANIR! Socorro!

Quando a doutora Havanir apareceu gritando, de olhos esbugalhados, corri e me tranquei na cozinha. De medo! Ela é um soco do Rocky Balboa! E ainda toca piano. Aliás, ela toca piano como grita! É verdade.

Vi o clipe no site dela: "Doutora Havanir no piano e seu cachorro erudito". Ela toca com o cachorro no colo. Só que acho que o cachorro tá morto. Nem se mexe! A doutora Havanir fez duas obras de peso: megahair e silicone. Rarará!

E tenho um amigo que assistiu ao "Última Profecia", comeu duas latas de feijoada Swift e sonhou que estava sendo perseguido pela Havanir! Ereções 2008! A Galera Medonha!

Cresce a bancada do PGN, o Partido da Genitália Nacional! E de São Marcos (RS) o candidato a vereador Brochetão.

Esse não entra! Por motivos óbvios! E de Salvador: Doroty, o Retorno. Com o melhor slogan da história política brasileira: "ME AJEITA QUE EU TE AJEITO". É mole?

É mole, mas sobe. Ou, como diz aquele outro: é mole, mas bole que acorda!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Martelo": horário da companheira Marta! O lulês é mais fácil que o inglês.

Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou derramar o meu colírio alucinógeno na caixa d'água!

simao@uol.com.br

CLÓVIS ROSSI

O besouro e o crédito

SÃO PAULO - Diz-se do besouro que não pode voar, pela sua aerodinâmica. No entanto voa. Daria para dizer a mesma coisa sobre o crédito no Brasil: na teoria, o aumento dos juros deveria derrubar a demanda por crédito.

Na prática, o crédito voa -ou alcança um recorde após o outro. Em julho, chegou ao nível máximo desde que começaram a ser coletados os dados pelo Banco Central.

É mais fácil explicar por que a demanda por crédito continua subindo, apesar do aumento do custo do dinheiro, do que explicar por que o besouro voa: brasileiro não leva em conta o nível dos juros, mas o valor da prestação. Se cabe no bolso, pega dinheiro, mesmo pagando mais.

É verdade que são as pessoas jurídicas que estão buscando mais crédito -e, em tese, elas, sim, levam em conta a taxa de juros.

De todo modo, fica evidente que o aquecimento da economia tende a se manter, na medida em que o crédito é um dos combustíveis mais importantes para o consumo.

Logo, é igualmente evidente que se torna mais e mais ingrata a tarefa do Banco Central de derrubar a demanda via aumento dos juros.

O que, por sua vez, significa que soa bem provável a previsão da grande maioria dos economistas de que os juros continuarão subindo e subindo.

"Uma Selic [taxa de referência do BC] de 14,75% em dezembro é muito provável, assim como sua manutenção por uns quatro a seis meses, entrando em 2009", escreve, por exemplo,

José Francisco de Lima Gonçalves, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e economista-chefe do Banco Fator, para o número mais recente do boletim da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, também da USP.

Vai acabar levando a inflação para o centro da meta em 2009. Mas, acrescenta Lima Gonçalves, "o custo será a redução do crescimento do PIB de 5% para 3,5%". É um bom negócio?

crossi@uol.com.br

FERNANDO RODRIGUES

Monotonia eleitoral

BRASÍLIA - A primeira fornada de pesquisas neste início de campanha eleitoral para prefeitos e vereadores mostra uma monótona semelhança com 2004.

Agora, como há quatro anos, os partidos mais tradicionais dominam as disputas nas capitais e nos municípios grandes e médios.

Já há pesquisas disponíveis em 61 cidades brasileiras. O eleitorado nessas localidades soma 41,2 milhões, o equivalente a 32% dos que votarão em 5 de outubro.

Quatro partidos são hegemônicos no processo: PT, PMDB, DEM e PSDB. Essas siglas têm 51 candidatos em primeiro lugar isolados ou empatados nas 61 capitais e cidades grandes e médias pesquisadas.

Em 2004, essas mesmas quatro agremiações já haviam sido vitoriosas. Receberam 60,5% dos votos para prefeito em todo o país.

No processo atual, a história se repete. Salvo as exceções de praxe, quando não é um político de um partido grande o favorito, muitas vezes trata-se de alguém numa sigla menor com o apoio do establishment.

O exemplo mais evidente é Márcio Lacerda, em Belo Horizonte. Ele é filiado ao PSB, mas tem o apoio do governador do Estado, Aécio Neves, do PSDB.

O dado mais explícito desse cenário eleitoral é simples: o sistema partidário do país está em decantação. Só não há avanços maiores por causa das aberrações legais favorecendo siglas menores, num democratismo cordial típico do Brasil.

Dos 27 partidos registrados no TSE, poucos terão capacidade de obter mais do que uma fração dos votos em outubro. Em 2004, dez siglas tiveram cada uma, no máximo, 0,3% dos votos no país.

A presença desses nanicos na propaganda obrigatória na TV e no rádio é proporcionalmente muito maior.

Felizmente, e contrário à lei de Pelé, o eleitor médio tem ponderado o suficiente para isolar essa turma sem representação.

frodriguesbsb@uol.com.br


27 de agosto de 2008
N° 15708 - MARTHA MEDEIROS


Em quem pensar primeiro?

Semana passada, deputados aprovaram a Lei Nacional de Adoção, que, se for sancionada pelo presidente, irá agilizar os processos de adoção no país, o que é uma boa notícia.

Ainda assim, fiquei um pouco espantada com a idade mínima para se adotar uma criança: caiu de 21 para 18 anos.

Aos 18, dificilmente alguém tem estabilidade financeira para arcar com as próprias despesas e mais as despesas de um filho, e também me parece um pouco cedo para tomar uma decisão tão definitiva e que exige tanta responsabilidade, mas, enfim, se há amor suficiente, que seja aos 18.

O que lamento mesmo é que alguns deputados tenham exigido que o dispositivo que estendia o direito aos casais homossexuais fosse retirado.

Quando um deputado faz isso, em quem ele está pensando? A única resposta que me ocorre é: nele mesmo. Em ano de eleição, não pega bem ser moderninho.

Sempre é bom fazer uma média com a nossa população tão religiosa e defensora da moral e dos bons costumes. Talvez ele, intimamente, nem seja tão preconceituoso, mas não consegue deixar de fazer o papel de bom moço.

Ou então é realmente obtuso e nem cogita em tomar uma atitude que favoreça um casal homossexual. Nada de facilitar a vida desses pervertidos, não é assim?

Um deputado – e qualquer outra pessoa – pode ter os pensamentos que quiser, é um direito de todos.

Mas se a função do político é legislar pelo bem comum, em quem mesmo ele deve pensar quando se está em debate uma lei de adoção? Me parece lógico: na criança que, por algum motivo, não poderá ser criada pelos próprios pais.

Essa criança está num abrigo para menores, aguardando ser escolhida. Até quando ela terá que esperar para que um casal hétero a leve para casa?

Se surgir a oportunidade de ser amada e criada por dois homens ou duas mulheres predispostos a formar uma família, não seria muito melhor estar com eles do que sob a guarda de assistentes sociais?

Eu sei que é um arranjo que perturba – fugir do convencional nunca é fácil. Não tenho nada contra priorizar os padrões, pelo contrário, o ideal é mesmo uma criança ser criada por um homem e uma mulher, cada um com seu papel definido, mas isso não é garantia de equilíbrio emocional: a felicidade é sempre uma loteria.

A única coisa que me parece indiscutível é que, para uma criança que não tem lar algum, será sempre um privilégio ter sido escolhida para viver com quem deseja lhe dar amor, segurança e educação.

Ser criado por homossexuais lhe causará algum constrangimento futuro? Pode ser, pode não ser. Alguém tem bola de cristal?

Só vamos saber quando tivermos menos medo de polêmicas e mais coragem para aceitar que a sociedade mudou.

Excelente quarta-feira, para todos nós, ainda com sol pelo menos.

Elio Gaspari

AS REFORMAS DE HUGO MORALES DA SILVA

Estão a caminho do Congresso dois projetos do comissariado petista que desfigurarão o sistema político brasileiro, fortalecendo burocracias sindicais e partidárias, à custa do voto e do bolso dos cidadãos.

O primeiro é a substituição do imposto sindical por um negócio chamado de 'contribuição sindical'. O segundo é o reaparecimento da proposta do voto em lista fechada para a Câmara dos Deputados.

Caso essas mudanças aconteçam, o comissariado petista (com a ajuda de alguns grão-tucanos, no caso do voto de lista) terá imposto mudanças dignas da jurisprudência dos companheiros Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, com suas filosofagens sobre novas cla$$e$ dirigentes.

Atualmente, cada trabalhador do mercado formal entrega pelo menos um dia de seu suor à máquina sindical. Algo como 0,26% de sua renda anual.

Em 2007, isso significou um montante de R$ 1,3 bilhão, noves fora os penduricalhos que os sindicatos cobram. A CUT de Nosso Guia ficou com R$ 55 milhões e a Força Sindical do inigualável Paulinho terá R$ 15 milhões.

Com a mudança, a tunga crescerá. A CUT já disse que aceita um teto de 1%. Aquilo que a ditadura protofascista de Getúlio Vargas fixou em um dia de trabalho para financiar a atividade de sindicatos apelegados virará algo entre três e quatro dias de trabalho.

A mordida, aprovada em assembléias, irá direto ao contracheque, sem levar em conta se o trabalhador filiou-se ao sindicato ou sequer sabe onde fica sua sede.

Esse ervanário público equipará financeiramente as centrais como fontes de manipulação política. (Por exemplo: no ano passado, meia dúzia de sindicalistas pararam o metrô de São Paulo em nome de uma arcana discussão tributária.) Caberá ao Congresso decidir o tamanho e a forma da mordida.

Pode-se decidir que qualquer coisa além dos 0,26% do imposto sindical deva ser cobrada só a quem queira pagar. Se o povo pode eleger seu presidente, deve ter também o direito de escolher, individualmente, o tamanho de sua contribuição ao sindicato.

A segunda reforma destinada a degenerar o sistema político brasileiro é a reapresentação da proposta do voto de lista para as eleições à Câmara dos Deputados.

Hoje o cidadão pode votar numa pessoa (Delfim Netto, em São Paulo, por exemplo), mas como a votação dele ficou abaixo do quociente de seu partido, os votos dados a Delfim acabaram na conta de outro deputado, que ficou mais bem colocado (Michel Temer, no caso).

Pode-se dizer que o eleitor de um acabou elegendo outro, mas é indiscutível que quem quis votar em Delfim, em Delfim votou, mesmo não conseguindo elegê-lo.

O voto de lista acaba com essa trabalheira. O partido enumera os seus candidatos, de acordo com a preferência da máquina, a choldra vota no partido e as cadeiras são preenchidas na ordem decrescente da lista.

Juntando-se as duas reformas numa só, consegue-se o seguinte: Hugo Morales da Silva é sindicalista numa categoria com 5 mil trabalhadores, dos quais só mil são sindicalizados. Numa eleição a que compareceram 500 colegas, ele se tornou presidente da guilda, com 300 votos.

No congresso da central a que seu sindicato está filiado, ele foi indicado para a tesouraria do conglomerado. Cortejado por um partido, Hugo foi para o terceiro lugar na lista de candidatos a deputado. Veio a eleição e ele faturou o mandato, com 300 votos.


27 de agosto de 2008
N° 15708 - PAULO SANT’ANA


Pandeiro no céu

Próximo do meio-dia de ontem, defronte ao Batalhão Ambiental da BM, na Avenida Bento Gonçalves, aconteceu o mais espetacular assalto dos últimos anos na crônica policial gaúcha.

Dois assaltantes entraram na loja em que funciona a financeira Novocredi e anunciaram o roubo a duas mulheres que se encontravam trabalhando.

A proprietária da financeira, com 29 anos, aproveitando-se de um descuido dos dois ladrões armados, puxou de uma gaveta o revólver 38 de seu marido e atirou nos dois bandidos.

Quatro tiros, dois no rosto do primeiro assaltante, um ex-PM, dois nas costas do segundo ladrão.

O primeiro assaltante morreu na hora, o segundo fugiu baleado nas costas até um carro em que o esperavam outros dois do bando.

O bandido baleado nas costas entrou no carro em que estavam os comparsas debaixo de uma fuzilaria de soldados do batalhão que acorreram à fuga.

Ninguém do batalhão acertou nos bandidos, a mulher da financeira já tinha feito o serviço, matara um ladrão e ferira o outro nas costas.

Quatro tiros contra os assaltantes, 100% de aproveitamento desta mulher que vira uma heroína popular, nunca se viu tanta decisão, sangue-frio e precisão do tiro de uma mulher envolvida pelo perigo e pela tensão de um assalto.

Uma façanha espetacular, ninguém pode ficar alheio a este feito, principalmente porque protagonizado por uma mulher que não tinha sequer curso de tiro, a arma não era sua, prestem bem atenção neste detalhe.

O assaltante que tinha sido baleado nas costas duas vezes pela mulher entrou correndo no carro onde estavam seus dois cúmplices à espera e gritou:

– Toca!

– Pra onde? Pra casa ou para o esconderijo? – perguntou o que estava ao volante.

– Para o Pronto Socorro, estou com dois caramelos no pulmão.

– Mas o que houve? – Havia uma mulher que era osso duro de roer.

Os dois assaltantes levaram o companheiro ferido para o Pronto Socorro e o deixaram na portaria. O enfermeiro que recebeu o ferido entendeu tudo e gritou para o homem da maca:

– Este ferido não terá acompanhante.

Na Olimpíada do Assalto, modalidade em que batemos até mesmo os chineses campeões, uma mulher que tem de ficar anônima, por motivo de segurança, acerta quatro balaços na prova de tiro e sobe para o alto do pódio.

Faltava mais esta medalha de ouro para o Brasil.

Morreu ontem, João de Castro Filho, o famoso Azeitona, com 96 anos. Foi um notável pandeirista, conhecido em todas as rodas da cidade nos bares musicais de então.

Quando eu cantava, ele me acompanhava com o Caubi no violão nas noites inesquecíveis do Chão de Estrelas.

Era doce e simpático o nosso querido Azeitona. Por muitos anos trabalhou como iluminador na então TV Gaúcha, hoje RBS TV.

Estão formando parceria em algum cantinho do céu, numa serenata eterna, o Jessé Silva, o Túlio Piva, o Alcides Gonçalves, o Lupi, o Clio do Cavaquinho, o Jonson e tantos outros que não cito por receio de que ainda estejam vivos,

eles que povoam ainda deliciosamente as nossas recordações, tão intensos são ainda em nossa memória que por vezes intento, nas crises de saúde, ir-me encontrar com eles.

Azeitona será sepultado hoje às 10h no cemitério do bairro em que sempre viveu, Belém Novo. Dá-lhe pandeiro lá no céu, negrinho querido.