sexta-feira, 27 de março de 2015


27 de março de 2015 | N° 18114
DAVID COIMBRA

A receita da felicidade

O filé há de ser cortado em fatias delgadas, da espessura do dedo minguinho de uma criança de sete anos de idade. Se você não tem criança de sete anos de idade em casa, peça uma emprestada ao vizinho. Ou procure no Google, o Google tudo sabe. Ah: é fundamental que o filé seja fatiado na direção das fibras.

Vamos preparar um estrogonofe simples, mas, você sabe: as coisas simples são as melhores da vida, e esse estrogonofe, eu o preparei ontem e extraí suspiros e sorrisos dos comensais agradecidos.

Certo. O próximo passo é remover a indesejável capa de gordura que eventualmente exista no flanco de qualquer pequena tira. Feito isso, tempere com sal e pimenta-do-reino. Essa dupla, sal e pimenta-do-reino, já mudou o mundo. Lembre-se: de sal vem a palavra salário, porque salarium era o que os legionários romanos recebiam para comprar... sal. E Jesus disse a nosso respeito, nos superestimando: “Vós sois o sal da terra!”

Já a pimenta-do-reino era tão valiosa que, no século 5, quando o bárbaro Alarico submeteu Roma após três meses de cerco, exigiu 2,5 mil quilos de ouro, 15 mil de prata e 1,5 mil de pimenta-do-reino. Os romanos, escandalizados com o valor do resgate pedido, balbuciaram:

– O que vai sobrar para nós?

E Alarico:

– Suas vidas.

Então, saiba que nossas fatias de filé estarão ricamente temperadas apenas com sal e pimenta-do-reino.

Depois, acomode na frigideira um naco de manteiga do tamanho exato de uma caixa de fósforos Paraná. E acenda o fogo. Frite os pedaços de carne aos poucos, para que não liberem caldo.

Um punhado.

Em seguida: outro punhado.

Agora é a hora dos champignons, delicada intervenção francesa nesse prato tipicamente russo. Aliás, da nobreza russa. Dizem que foi no tempo dos czares que a baronesa Stroganov criou essa iguaria, que permaneceu no interior das fronteiras da terra gelada de Dostoiévski e Yelena Isinbayeva até que a revolução bolchevique expulsou do país os nobres e sua boa mesa.

Quando eu era pequeno, muito ouvi acerca da fidalguia do estrogonofe, servido com pompa no famoso Maxim’s, de Paris. Agora, que tudo se vulgarizou sob o pretexto de tudo se democratizar, é que qualquer bufê serve estrogonofe, inclusive de camarão e frango, o que são, obviamente, repugnantes excrescências (se você gostar de estrogonofe de frango, por favor, não fale mais comigo).

Mas, enfim, havíamos acrescentado a fleuma do champignon. Assim, precisamos nos debruçar sobre ingredientes aparentemente brutos, mas eficientes, como a mostarda e o ketchup, uma colherada de sopa dela e três dele, e mexa. Mexa, mexa, mexa suave e incessantemente, sabendo que, ali ao lado, aguarda o astro da noite: o creme de leite.

Com o soro separado, evidentemente.

Mas, calma, ainda não derrame o creme de leite. É o momento do toque de gênio, e o gênio não é outro senão minha mãe, dona Diva, a melhor de todas as cozinheiras, como o são todas as mães.

Ocorre que minha mãe flamba.

Também nós flambaremos.

Peguemos uma taça daquele líquido cremoso, de cor âmbar: o conhaque. Derramemos metade na nossa alquimia. Na outra metade, basta encostar a chama de um palito de fósforo (Paraná) e... fogo! A seguir, juntemos o fogo à superfície do molho. Pronto. Flambamos.

E aí vem ele: o creme de leite, afinal. Diminua o fogo, porque, se ferver, o creme talha. E mexa.

Mexa, mexa, mexa. Meiga, doce, carinhosamente.


O arroz branco já está pronto. Todos estão em torno à mesa, salivando. Sirva. Vamos esquecer, por um momento, do Sartori, da Dilma, das dores do mundo.

Nenhum comentário: