terça-feira, 30 de setembro de 2014


30 de setembro de 2014 | N° 17938
FABRÍCIO CARPINEJAR

Estava curado até você aparecer

Tudo tão bem guardado, eu jurava que tinha esquecido, controlado o nosso passado. Eu já sorria com os amigos, já me divertia, já trabalhava com afinco, viajava leve, flertava livre. Eu já contava com uma outra vida.

Já não resmungava seu nome em cada ligação, já não rezava pelo seu retorno, já não esperava que o celular fosse tocar, já passava pelos nossos lugares favoritos como se fossem ruas desconhecidas do GPS.

Até que vi você em minha frente. Até que abracei você. Até que seu perfume voltou a se misturar à minha barba.

Até que sua boca se aproximou do meu pescoço, macia e fria, como a gola de uma camisa recém estreando.

E aquela atração que julgava desaparecida e morta ressurgiu como se fosse o nosso primeiro dia, o nosso primeiro dia com a memória do último dia.

Você me reabriu muito rápido. Quanta facilidade, quanta naturalidade. Precisou de pouco, quase nada. Eu me senti inútil, despreparado, decepcionado com a fraca resistência.

Você reabriu a caixa cardíaca que destruí e não acabou, a caixa cardíaca que enterrei e continua mandando em mim.

Você precisou só me olhar como se estivesse com fome, sem dizer nada, para que eu colocasse dois pratos na mesa.

Você só precisou ameaçar abrir o botão, sem dizer nada, para que lhe ajudasse a tirar o casaco.

O que sofri não me protegeu de você. A angústia não me protegeu de você. A raiva não me protegeu de você.

E me desesperei porque poderia sofrer tudo de novo e ainda assim não me protegeria de você.

Todo esforço foi em vão. Todo o domínio foi em vão. Toda a reabilitação foi à toa.

Tanta dor para erguer paredes, que apenas serviram para não ter saída.

Deveria saber que a dor não imagina portas, a dor não cria portas, a dor unicamente levanta paredes.

A dor me facilitou para você, estava preso em minhas palavras enquanto se aproximava.

Vejo hoje que, durante o tempo distanciado, enfrentava sua lembrança, jamais sua pele roçando a minha, jamais sua voz a um passo de meu rosto, jamais suas pernas entrelaçadas.

Não me preveni contra sua presença, e sim contra sua imagem.

Eu treinei me separar com você longe, não perto, não rente, não soluçando beijo. Este seu beijo que fica soluçado quando aumenta o desejo.

Bastou uma centelha para a esperança queimar a casa inteira. Bastou o fósforo apagado para recobrar o fogo.

Antes seguro, tranquilo, confiante, agora tremia, balbuciava, perdia o discurso, agradecia o abismo.

Meses de ressurreição desmoronados em segundos.


Você se escondeu de mim dentro de mim.

30 de setembro de 2014 | N° 17938
LUIZ PAULO VASCONCELLOS

GPS GAZA

São muito raros hoje em dia os espetáculos de teatro que abordam, direta ou indiretamente, os problemas que assolam o país e o mundo. Alguém viu nos últimos tempos alguma peça que falasse em corrupção e impunidade? Alguém viu recentemente num palco algum personagem discutindo vandalismo ou racismo? Ah, sim, tem Hamlet e Otelo, mas foram escritas no século 17...

Esse talvez seja o principal mérito da montagem de GPS Gaza, estreada durante o 21º Porto Alegre Em Cena. Concebido por Camila Bauer e Deborah Finocchiaro, o espetáculo se inspira, de forma contundente, embora às vezes com fantasia e ironia, na situação de violência entre árabes e judeus em eterna disputa pela extensão de terra na costa oriental do Mar Mediterrâneo chamada Faixa de Gaza.

O texto é composto por fragmentos de contos, músicas, entrevistas e outras referências jornalísticas e dramatúrgicas, particularmente das peças de Caryl Churchill e Deb Margolin, textos que conduzem o espectador a pensar em seu próprio universo, seus valores, sua ética, suas crenças e descrenças. E, num período em que tudo se resume a cavaletes com sorrisos hipócritas espalhados nas ruas de todas as cidades do país, pensar pode ser uma boa opção.

A direção de Camila Bauer é sutil e ao mesmo tempo impactante, provocando momentos de reflexão sobre a faixa de Gaza que cada um carrega dentro de si, aquela área polêmica em eterno conflito entre tolerância e intolerância, teísmo e ateísmo, dogmas e o direito à liberdade de escolhas. A iluminação de Carol Zimmer e a trilha sonora de Fernando Mattos e Kevin Brezolin dão relevo às imagens criadas pelos vídeos de Luiz Alberto Cassol e às interpretações de Deborah Finocchiaro e da atriz convidada Sandra Dani.


O espetáculo volta a cartaz de 3 a 26 de outubro, na Sala Álvaro Moreyra do Centro Municipal de Cultura da Capital. Acho que vale a pena se arriscar num bom espetáculo e, principalmente, a pensar, seja qual for o resultado das eleições e o destino dos milhares de cavaletes que ainda permanecem debochando de nós.

30 de setembro de 2014 | N° 17938
MOISÉS MENDES

Os mesários

Você é dos que têm roupa de votar, um vestido, um terno, uma gravata ou um lenço que usa a cada eleição? Admiro os que tratam o momento do voto com solenidade, mas não chego a tanto. Apenas gosto de votar.

Acho bom percorrer o saguão da Associação Israelita Hebraica, na João Telles, até a minha seção, como se tivesse um poder maior do que de fato tenho.

Me faz bem experimentar a sensação, enquanto percorro o saguão até o fundo, de que os mesários estão me esperando para um gesto decisivo.

Você sabe que é assim, que uma eleição pode ter um resultado diferente do que você deseja, se você não estiver no domingo ali.

Essa certeza da singularidade, de que seus votos são únicos e podem virar uma eleição, nenhum outro momento nos dá. Por isso sempre caminho até a minha seção certo de que me esperam.

Num ano, cheguei atrasado à Hebraica. Estava trabalhando e precisava voltar ao jornal. Caminhei apressado até o fundo, me atrapalhei com os números das seções colados na parede e achei que haviam trocado minha urna. Parei diante da porta, espiei e ouvi alguém dizer:

– É aqui.

O mesário, que fica diante de centenas de pessoas a cada dois anos, deve conhecer as feições de muitos dos que passam pela seção 68. E me reconheceu, talvez dizendo para si mesmo: esse eleitor é meu, esse cara atrasado é da minha seção, é aqui, sim, que ele vota.

Depois da indecisão, eu também o reconheci e percebi que os rostos de outros mesários me eram familiares. Só a democracia, na hora do voto, proporciona essa empatia.

Aquele gerente do banco que você enfrentou uma vez, tentando negociar o juro do cheque especial, transforma-se em outra pessoa como mesário. Mesários deveriam ministrar cursos de bons modos a todos que prestam atendimento ao público em balcões, recepções e similares.

Um mesário é, por um ou dois dias, dependendo dos turnos, a cada dois anos, o mais sereno preposto de todos os poderes garantidores da democracia, e por isso transmite e capta admiração.

Tenho colegas que seriam excelentes mesários, principalmente os virginianos. Eles dispõem cada objeto com simetria na mesa, deixam a caneta sempre na mesma posição e se perturbam com a desorganização de quem senta ao lado.

Mesários são seres atentos. Sabem o ritmo da maioria dos eleitores da sua seção. Dos que votam depressa, dos que cumprem com calma sua missão e dos que ficam no minibiombo pensando, demoradamente, na última hora, se vale a pena arriscar de novo no Eymael.

Morei no Bom Fim por 14 anos. Há sete anos moro a 16 quilômetros da Rua João Telles, mas não troco meu lugar de votar na Hebraica por nada – nem que minha seção fosse transferida para uma réplica perfeita do Castelo de Edimburgo, aqui na Aberta dos Morros.

Foi na seção 68 que votei pela primeira vez para presidente da República, em 1989. Ali, em outras eleições, errei algumas escolhas, por distrações da democracia, e para ali retorno no domingo.


Mesários da Hebraica, me aguardem. Domingo, estarei aí na 68.

30 de setembro de 2014 | N° 17938
DAVID COIMBRA

NO JOGO DOS MEIAS VERMELHAS

Eu e o B fomos ao jogo dos Red Sox. Jogo de beisebol, bem entendido, que é isso que os Red Sox jogam. Era um clássico: Red Sox, o time de Boston, contra Yankees, o time de Nova York. É o Gre-Nal deles. Compramos bonés do Red Sox e, contentes, cobrimos nossas cabeças com eles, mas o B anunciou:

– Vou torcer pelos Yankees. – Por quê?

– Eles são de Nova York, e eu gosto de Nova York. O Potter está em Nova York.

– O Potter já voltou para Porto Alegre.

– Mas a Estátua da Liberdade continua em Nova York. Eu gosto de Nova York. Vou torcer pelos Yankees.

Esse guri é do contra. Paciência. Lá fomos nós para o Fenway Park, o estádio dos Red Sox.

Interessante esse nome, Red Sox. Eles são os “Meias Vermelhas”, mas a meia é o que menos aparece no uniforme de um jogador de beisebol: eles usam calças compridas.

Alguns jogadores me pareceram acima do peso, mas percebi que isso não chamou a atenção de ninguém.

O que chamou a minha atenção foi o comportamento dos torcedores. Torcer, torcer, eles não torcem. Estão lá para assistir ao jogo, não para ajudar seu time a vencer. Querem ver um espetáculo. E comer. Há bares e restaurantes em toda volta do estádio, as ruas ficam iluminadas com luzinhas coloridas e há pequenas barraquinhas vendendo quitutes. Como se fosse uma quermesse. Lá dentro, a mesma coisa: em toda parte há quiosques com comida e em alguns setores as pessoas ficam jantando e assistindo ao jogo através de telões.

Fiz o que tinha de fazer: comprei cachorros-quentes para mim e para o B. Na América, faça como os americanos.

O B podia torcer à vontade para os Yankees. Entre nós, havia outros que faziam isso, bem identificados por bonés e camisetas azuis. Mas, como já disse, eles mais aplaudiam do que torciam. Acontecia um lance interessante e eles:

– Ooooooh... – E: – clap-clap-clap – palmas.

Queria fazer igual. O problema é saber a hora de aplaudir e dizer ooooh. Um jogador dava uma linda rebatida na bola, uma paulada vigorosa que a mandava para as estrelas do céu azul-escuro de Boston e eu me entusiasmava todo. Estava pronto para fazer ooooh, clap-clap-clap, mas olhava para o lado e o que via? Tédio. Ninguém empolgado. Não havia acontecido nada de importante, ao contrário do que eu imaginava. Só que, de repente, o cara dava uma rebatida igualzinha, a bola subia na mesma direção, e todo mundo:

– Oooooooh... clap-clap-clap. Vá saber...

Tentei entender o que se passava acompanhando o placar eletrônico. Mas tinha um monte de placares eletrônicos em volta do campo, cada um com números diferentes. Era difícil até saber quem estava ganhando. Decidi ir comprar outro cachorro-quente. É por isso que os americanos engordam.

AS LUZES DE FELIPÃO

Quem olha para o luminoso trabalho de Luiz Felipe no Grêmio, fica se perguntando:

– Como um técnico desse quilate deixou o Brasil ser goleado pela Alemanha numa Copa do Mundo disputada em solo brasileiro?

Durante a Copa, antes da partida contra a Colômbia, escrevi um texto em que examinava a situação daquele grupo de jogadores. Não que antecipasse a goleada, ninguém poderia antecipar o que aconteceu. Não. Mas era visível o estado emocional delicado dos jogadores.

O Brasil tornou-se um país muito mais complexo do que era, digamos, nos anos 90. É um país mais tenso e menos tolerante. Os jogadores passaram todo o tempo cercados da cobrança e da expectativa dos brasileiros, sentiam a angústia de seus familiares e amigos, que torciam por eles, e se espigavam com o sarcasmo e a maldade dos que torciam contra eles. Não é por acaso que choravam ao cantar o hino ou ao obter uma vitória difícil. Eles tinham de lidar com muitos sentimentos represados.

Numa situação dessas, qualquer time perde a naturalidade, e jogar com naturalidade é essencial para um time de futebol.


Se aquele mesmo time jogar contra a mesma Alemanha outras cem vezes, o resultado não se repetirá uma única vez. A Alemanha vencerá a maioria das partidas, porque é melhor. Mas não fará sete gols. O que ocorreu no Mineirão foi um desastre, sobretudo de natureza emocional. O futebol é melhor jogado, e a vida é melhor vivida, se há leveza. Um tanto da leveza do Brasil ficou lá atrás, em algum lugar do século 20.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014


29 de setembro de 2014 | N° 17937
ARTIGOS - CLÁUDIO BRITO*

VOTO PORQUE QUERO

Não mergulho nas diferenças entre sufrágio e voto. Não traduzo o que seja direito subjetivo de participação nas decisões políticas e o instrumento dessa participação. Outros fizeram-no muito bem, como o promotor de Justiça Rodrigo Zilio em seu livro Direito Eleitoral. Ele esclarece que existe a obrigação formal de o eleitor comparecer a uma seção eleitoral no dia do pleito, para votar ou justificar o fato de não fazê-lo.

A obrigação é formal e se restringe ao alistamento e ao comparecimento. Justificar a ausência é muito simples, tem prazo elástico – dois meses – e, na falta de uma explicação, paga-se a multa, que é uma ninharia. E, mesmo comparecendo, quem disse que há obrigação de votar? Há uma tecla do voto em branco e ainda pode-se anular o voto, inventando-se um número qualquer. Voto nulo ou branco são o não voto. Desde quando, então, o voto é obrigatório?

Considero obrigatório o meu voto. É um dever, porque quero votar. Devo usar a prerrogativa que a Constituição confere aos cidadãos. Quem não vota sempre será governado pelos que votarem. Optar por não votar é permissividade. É entregar o ouro aos bandidos sem lutar. Nesse sentido, de uma obrigação moral e cidadã, construída pelo eleitor para consigo, admito, há o dever de votar.

Quando propago que o voto é uma faculdade, um direito, uma escolha, jamais uma obrigação, nem de longe estou pretendendo desestimular o comparecimento e mesmo o voto. Percebam que o ato de votar não tem o peso de uma obrigação indesejável. É bom querer votar. É preciso querer votar. Votar conscientemente, livre de obrigações e de estorvos pessoais.

Dizer por aí que votar é cumprir uma ordem é o jeito ardiloso de se causar desencanto no eleitorado. Se liberdade é um bem indispensável e fundamental, temos que fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para preservá-la. Comparecer à urna, escolher os candidatos após cuidadoso exame de seus currículos e biografias e votar por respeito às convicções que nos servem de bússola, isso é construir e manter a democracia. A isso me obrigo, voto porque quero.

*JORNALISTA



29 de setembro de 2014 | N° 17937
ARTIGOS - PAULO BROSSARD*

O DEBATE QUE NÃO HOUVE

Poucos dias nos separam da eleição presidencial e três são os candidatos possíveis de serem eleitos. Contudo, até agora não ouvi uma voz a respeito da eleição e dos que a ela concorrem, seus atributos, merecimentos ou deficiências, enfim de suas credenciais, como se fosse irrelevante a escolha do primeiro e maior de seus condutores, pelo menos dos que detêm em suas mãos a maior soma de poderes públicos durante certo tempo; nem é por acaso ser denominado de primeiro magistrado do país e simultaneamente chefe do Estado e da nação, quando na maioria dos Estados são distintas umas das outras as atribuições, bem como seus titulares; por motivos semelhantes, também se diz do presidente ser um ditador por tempo certo, sem falar na ampla irresponsabilidade a ele imanente.

Pois bem, trata-se aqui e agora da escolha do presidente da República e dos governadores, como se nada significasse a incumbência. Parece que não haverá ou já houve a eleição; uma eleição às escuras. Dir-se-á a ocorrência de fato novo e relevante, o avanço sem precedente da corrupção, que poderia haver amortecido a sensibilidade nacional.

Ao que me parece, a lepra da corrupção se fez sentir em todos os níveis e graus, e talvez o silêncio tenha sido o emudecido e encabulado comentário. Enfim, é surpreendente mas imperioso se note que a senhora presidente, aliás, candidata à reeleição, não hesitou em defender como solução o debate com os fanáticos, quando o mundo inteiro, sem reserva, afirma sua decisão de enfrentá- los frontalmente.

É tempo de mudar e noto que hoje o debate eleitoral foi substituído, mas substituído pela ação do marqueteiro, que se serve de sucessivas “pesquisas de opinião” para operar. Estas que se sucedem dia a dia e mais de uma vez por dia indicariam ou pretendem que indiquem as reais tendências do eleitorado, quando, salvo erro meu, este efetivamente é o orientado, enquanto sua orientação depende do marqueteiro.


*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF

29 de setembro de 2014 | N° 17937
DAVID COIMBRA

Um jogo bom de se ver

O Inter venceu o Coritiba por 4 a 2, não haveria injustiça se fosse 8 a 6 ou 9 a 7. Ou talvez os técnicos pudessem ter combinado:

– Vira em cinco, em 10 acaba.

Não que tenha sido uma pelada. Não. Foi um jogo bom de se ver. Mas o Inter às vezes parece um time temerário, sobretudo no que se refere à contenção do seu meio. Não da defesa: do meio-campo.

Os adversários do Inter evoluem bem de intermediária a intermediária, e foi assim ontem também, no Beira-Rio. Até o apagão, na segunda metade do segundo tempo, o Coritiba teve 22 finalizações. Vinte e duas! Fez dois gols, acertou duas bolas na trave, perdeu outros tantos. É demais, até porque, se você olhar o mapa do campeonato, verá o Coritiba no extremo sul, perto da Patagônia.

Bom para o Inter que o time está desenvolvendo jogadas fortes na frente, principalmente com as infiltrações pelo lado direito. Os canhotos do Inter gostam de derivar para a direita, e é de lá que os gols saem. Se Nilmar ainda tiver 60% da capacidade técnica que tinha há cinco anos, irá se beneficiar muito dessa tendência que o Inter tem de tramar a bola pelo lado direito.

Já o Grêmio é o oposto do Inter, taticamente falando. O Grêmio faz um jogo de segurança. Luiz Felipe armou uma equipe de futebol compacta, lógica, concatenada. O adversário não consegue trocar a bola devido à marcação densa do meio-campo gremista. E agora Luiz Felipe encontrou algumas peças perfeitas para desnortear o adversário: Ramiro, Zé Roberto e Pará penetram pelo meio da zaga inimiga a todo momento, e causam terror na grande área. Se tivessem aptidão de artilheiros, o Grêmio golearia em parte de seus jogos.

Ontem, Ramiro esteve na frente do goleiro do Botafogo e deu um toquinho, em vez de mandar uma bomba para a rede; Pará, em três ou quatro lances, esteve livre no bico da pequena área, e passou para trás, em vez de chutar a gol; e Zé Roberto preferiu dar o gol a Barcos em vez de ele mesmo marcar.


Luiz Felipe fez do time do Grêmio um tipo de time que o Grêmio sempre quis ser.

29 de setembro de 2014 | N° 17937
PAULO SANT’ANA

Esqueceram de mim

Cada vez me envergonho menos de ter indicado Barcos para o Grêmio.

Ontem, Barcos, além de ter marcado os dois gols da vitória, foi também zagueiro e não deixou, com sua participação voltando em socorro da defesa, que o Botafogo marcasse dois gols.

Barcos sozinho tem já sido autor de mais gols que os outros jogadores gremistas juntos no Brasileirão.

Além disso, a vitória de ontem credenciou o Grêmio a, caso vença o São Paulo na Arena, sábado próximo, na próxima rodada, firmar-se na zona da Libertadores, que está emboladíssima.

Vê-se agora com muita clareza que, se Luiz Felipe tivesse vindo antes para o Grêmio, o time do Marcelo Grohe, que fez defesa milagrosa ontem, poderia estar disputando o título como, talvez, o favorito.

Li com muita atenção a entrevista de três páginas do novo patrono do Grêmio, Hélio Dourado, à Zero Hora dominical.

Extensa entrevista. Li-a com muita atenção e expectativa, afinal, quando Hélio Dourado remodelou o Estádio Olímpico, ajudei muito o clube tricolor a concluir seu estádio.

Nada referiu Dourado à minha ajuda, nem quando recordou que fez muitas e muitas viagens para arrecadar cimento, tijolos e dinheiro destinado à obra.

Eu viajava muitas e muitas vezes junto com Dourado. O meu papel era o de empolgar os torcedores.

Fazia isso nas viagens e fiz isso também em centenas de comentários meus em rádio e televisão, bem como escrevi 80 colunas pedindo recursos para a conclusão do Olímpico.

Nenhuma referência de Dourado. Nenhuma. Decepcionei-me.

Mas é merecido o título de patrono que lhe concederam. Ele foi um grande presidente, não vai ser porque me esqueceu que vou lhe tirar o mérito.

Se ele se esqueceu de mim, eu não me esqueci dele. Nem quando ainda dá entrevistas rancorosas contra a Arena.

A ingratidão humana não tem limites.

A respeito de outro assunto, quero dizer que nasci um qualquer, mas, com a passagem dos anos, me fiz mais do que um qualquer, tenho certeza e orgulho disso.

Se o Internacional conseguir vencer o Cruzeiro, sábado, no Mineirão, pode ameaçar o título do líder.


Vai ser um jogo de sair lasca.

29 de setembro de 2014 | N° 17937
L. F. VERISSIMO

Detalhes, detalhes

Há momentos de grave introspecção em que um homem faz um inventário de si mesmo – seus sonhos, suas desilusões, suas possibilidades e onde diabo ele enfiou o chaveiro e o antiácido – e se faz perguntas. Valeu a pena? Devo continuar? Quem sou eu, e por que estou falando sozinho? Desta espécie de promontório filosófico, ele avista o caminho que já percorreu e o caminho que ainda precisa andar ou, se tiver sorte e aparecer um táxi, rodar.

O Brasil já teve várias oportunidades de, por assim dizer, afastar-se de si mesmo, examinar-se, decidir o que precisava ser feito, ajustar a gola da camisa e ir em frente. Falam que os nossos partidos políticos não significam nada como se isto fosse um grande defeito, e é uma das nossas vantagens sobre países mais ortodoxos e sem graça.

Ou seria uma vantagem se fosse aproveitada. Nada está preestabelecido na nossa política, não temos compromisso com nenhuma forma de coerência, podemos ir inventando nosso destino no caminho. Mas nosso distanciamento crítico raramente leva à sabedoria. Nossos momentos de introspeção geram curiosidades – um maluco que foge da Presidência, um atleta que é corrido da Presidência, um torneiro mecânico que sucede a um sociólogo como se fosse a coisa mais natural – sem um mínimo de lógica ou fidelidade a princípios rígidos ou até a preconceitos claros.

Como o Brasil, também deveríamos nos reavaliar e nos reinventar, e praticar, a intervalos, uma espécie de escafandrismo interior para descobrir o que somos, o que fizemos e deixamos de fazer, como continuar, como parar e como votar – mesmo sabendo que só uma pequena parte do nosso destino é decidida por nós e que o acaso e a natureza decidem o resto.

E devemos nos consolar com o seguinte pensamento: só um detalhe nos separa da fortuna e da solução de todos os nossos problemas. Foi a mãe do Bill Gates que teve o Bill Gates, não a nossa. E você acertar todos os números de uma Sena acumulada menos um, esse um é o detalhe. Esse um decide o seu destino.

O detalhe é como o vidro de um aquário. Um vidro com poucos milímetros de espessura através do qual você vê claramente os peixes coloridos e as plantas exóticas do outro lado. Os milímetros do vidro do aquário separam dois mundos inteiramente diferentes. Só um detalhe parecido separa você de outra vida.

TCHAU


Vou tirar férias. Sem foguetes, por favor. Volto no dia 2 de novembro. Até lá.

domingo, 28 de setembro de 2014


IVAN MARTINS
24/09/2014 10h00

Amor de pai

A paternidade nos aproxima de um sentimento suave e agridoce de perdão por nossos pais, que agora somos nós

Meu pai morreu quando eu era criança, há mais de 40 anos. Como muitos homens de seu tempo, e muitos dos tempos atuais, foi ausente e autocentrado. Ao final, destrutivo. Não fez por merecer a homenagem de uma memória duradoura. Ainda assim, a tem. Segue vivo nas minhas lembranças, nos meus traços e no meu temperamento.

Também se prolonga, de forma mais amena, no sorriso dos meus filhos, homens bonitos como ele. Esse pai cada vez mais distante é uma presença tão intensa - e tão costumeira - que me pergunto se um dia desaparecerá. Ou se, do contrário, se tornará cada vez mais pungente, como o fantasma do pai de Hamlet, à medida que eu me torne mais velho. A pergunta é retórica. Sei a resposta.

Durante um tempo, achei que a relação complicada com a figura paterna fosse uma experiência apenas minha. Aos poucos, percebi que não. Boa parte dos homens carregam pela vida emoções semelhantes, embora sejam filhos de pais diferentes do meu. O filósofo francês Jean-Paul Sartre, cujo pai morreu quando ele era bebê, dizia ter sido privilegiado pela ausência de uma figura paterna capaz de moldá-lo ou influenciá-lo.

Ele julgava ser mais livre que o resto dos homens. Li essa afirmação muito jovem. Achei que fazia sentido. Hoje acho bobagem. Não há pai mais influente que o pai que não existe. Ele deixa tamanho vazio, provoca tantas interrogações, que seu filho pode gastar a vida tentando entender-se. A figura paterna é uma referência monumental. Tão grande que, se não existir, terá de ser criada.

O cinema, arte popular que se alimenta dos sentimentos bons e maus das multidões, ilustra isso esplendidamente. Em filmes como Juventude transviada, de 1955, Guerra nas estrelas, de 1977, e o Campeão, de 1979, todos de enorme sucesso, as relações entre pai e filhos estão no centro da trama. É assim também com super-heróis do cinema recente: Batman, Super-Homem, Homem Aranha, Thor. Todos querem provar, dizer ou perguntar algo ao próprio pai. Ou à lembrança dele. Parece ser uma necessidade – ou uma lacuna – universal.

O jeito mais simples e mais bonito de lidar com a herança emocional do pai é ter um filho. No momento em que você ouve as palavras “é menino”, cria-se uma ponte instantânea entre o pai que você teve e o pai que você acaba de se tornar – assim como entre o filho que você foi e o filho que recém-nasceu. É uma espécie de reencontro. Materializa-se, concretamente, a possibilidade de fazer tudo de novo, fazer tudo direito, corrigir os erros. Resolver, no tumulto real da vida, em oposição ao mundo intangível das lembranças e sentimentos, as dificuldades das relações entre pais e filhos. Tem sido assim comigo e com muitos homens que conheço.

Outro dia, um amigo me mostrou algo que ele e seu filho pequeno têm feito juntos. É uma lista de coisas em que os dois acreditam. Começa com a importância de aventurar-se e de experimentar coisas novas. Termina, provisoriamente, com o dever de ser solidário e de ajudar a quem necessita. No meio, há coisas como “aprender a perder” e uma pergunta: o que é mais importante, estar certo ou ser feliz? A resposta de pai e filho é “ser feliz”.

A primeira coisa que me veio ao ler o decálogo do amigo com seu filho foi inveja. Por que não tive uma ideia linda dessas quando meus filhos eram pequenos? Passado esse momento mesquinho, fui tomado pela admiração. Num mundo repleto de valores contraditórios, ou tomado pela falta absoluta de valores, meu amigo tenta criar, num gesto de amor, uma espécie de camada protetora em torno do filho. Esses princípios simples, descobertos e partilhados entre eles, podem orientar o pequeno na ausência do pai, quando ele tiver de fazer suas próprias escolhas. Mais que qualquer objeto, mais que a fortuna, o decálogo é um presente para a vida - mesmo do meu amigo.

No passado, quando os filhos cresciam na mesma casa com pai e mãe, os sentimentos no interior da família não eram simples. Todos sabemos disso. Agora que o conceito de família se ampliou, para envolver novos adultos e novas crianças, as coisas se tornaram ainda mais complicadas. Mas não piores. Pais separados têm a oportunidade de desenvolver com seus filhos uma relação mais intensa e mais íntima do que antes.

A responsabilidade de olhar, cuidar e compartilhar não se dilui “na família”, como os pratos sujos sobre a pia ou o lixo acumulado na varanda. Ela é pessoal, intransferível. Ao pai, cabe estabelecer uma relação intensa e singular com seus filhos, sem a intermediação do amor e dos cuidados maternos. Tendo vivido isso, e vendo outros homens viver, concluo que é uma das experiências mais bonitas que se podem ter.


O passado não vai embora. As coisas perdidas nunca serão inteiramente recuperadas. A vida nos oferece, apesar disso, oportunidades de refazer de outra forma, numa outra esfera. A paternidade é uma delas. Nos permite ser homens melhores e criar homens melhores. Nos permite ser crianças novamente. Nos permite esboçar alguma compreensão e nos aproximar – apenas nos aproximar, mas já é algo – de um sentimento suave e agridoce de perdão por nossos pais, que agora somos nós.
FERREIRA GULLAR

A mentira como método

Eles sabem que estão mentindo e, sem qualquer respeito próprio, repetem a mentira por décadas

Tenho com frequência criticado o governo do PT, particularmente o que Lula fez, faz e o que afirma, bem como o desempenho da presidente Dilma, seja como governante, seja agora como candidata à reeleição.

Esclareço que não o faço movido por impulso emocional e, sim, na medida do possível, a partir de uma avaliação objetiva.

Por isso mesmo, não posso evitar de comentar a maneira como conduzem a campanha eleitoral à Presidência da República. Se é verdade que os candidatos petistas nunca se caracterizaram por um comportamento aceitável nas campanhas eleitorais, tenho de admitir que, na campanha atual, a falta de escrúpulos ultrapassou os limites.

Lembro-me, como tanta gente lembrará também, da falta de compromisso com a verdade que tem caracterizado as campanhas eleitorais do PT, particularmente para a Presidência da República.

Nesse particular, a Petrobras tem sido o trunfo de que o PT lança mão para apresentar-se como defensor dos interesses nacionais e seus adversários como traidores desses interesses. Como conseguir que esse truque dê resultado?

Mentindo, claro, inventando que o candidato adversário tem por objetivo privatizar a Petrobras. Por exemplo, Fernando Henrique, candidato em 1994, foi objeto dessa calúnia, sem que nunca tenha dito nada que justificasse tal acusação.

Em 2006, quem disputou com Lula foi Geraldo Alckmin e a mesma mentira foi usada contra ele. Na eleição seguinte, quando a candidata era Dilma Rousseff, essa farsa se repetiu: ela, se eleita, defenderia a Petrobras, enquanto José Serra, se ganhasse a eleição, acabaria com a empresa.

É realmente inacreditável. Eles sabem que estão mentindo e, sem qualquer respeito próprio, repetem a mesma mentira. Mas não só os dirigentes e o candidato sabem que estão caluniando o adversário, muitos eleitores também o sabem, mas se deixam enganar. Por isso, tendo a crer que a mentira é uma qualidade inerente ao lulopetismo.

Quando foi introduzido, pelo governo do PSDB, o remédio genérico --vendido por menos da metade do preço do mercado-- o PT espalhou a mentira de que aquilo não era remédio de verdade. E os eleitores petistas acreditaram: preferiram pagar o triplo pelo mesmo remédio para seguir fielmente a mentira petista.

Pois é, na atual campanha, não apenas a mesma falta de escrúpulo orienta a propaganda de Dilma, como, por incrível que pareça, conseguem superar a desfaçatez das campanhas anteriores.

Mas essa exacerbação da mentira tem uma explicação: é que, desta vez, a derrota do lulopetismo é uma possibilidade tangível.

Faltando pouco para o dia da votação, Marina tem menos rejeição que Dilma e está empatada com ela no segundo turno --e o segundo turno, ao que tudo indica, é inevitável.

Assim foi que, quando Aécio parecia ameaçar a vitória da Dilma, era ele quem ia privatizar a Petrobras e acabar com o Bolsa Família.

Agora, como quem a ameaça é Marina, esta passou a ser acusada da mesma coisa: quer privatizar a Petrobras, abandonar a exploração do pré-sal e acabar com os programas assistenciais. Logo Marina, que passou fome na infância.

E não é que o Lula veio para o Rio e aqui montou uma manifestação em defesa da Petrobras e do pré-sal? Não dá para acreditar: o cara inventa a mentira e promove uma manifestação contra a mentira que ele mesmo inventou! Mas desta vez ele exagerou na farsa e a tal manifestação pifou.

Confesso que não sei qual a farsa maior, se essa, do Lula, ou a de Dilma quando afirmou que, se ela perder a eleição, a corrupção voltará ao governo. Parece piada, não parece? De mensalão em mensalão os governos petistas tornaram-se exemplo de corrupção, a tal ponto que altos dirigentes do partido foram parar na cadeia, condenados por decisão do Supremo Tribunal Federal.


Agora são os escândalos da Petrobras, saqueada por eles e por seus sócios na falcatrua: a compra da refinaria de Pasadena por valor absurdo, a fortuna despendida na refinaria de Pernambuco, as propinas divididas entre o PT e os partidos aliados, conforme a denúncia feita por Paulo Roberto Costa, à Justiça do Paraná. Foi o Lula que declarou que não se deve dizer o que pensa, mas o que o eleitor quer ouvir. Ou seja, o certo é mentir.

CLÓVIS ROSSI

Sobre o diálogo de Dilma

O EI não é um interlocutor, mas atuar sobre os jovens muçulmanos pode ser o caminho mais promissor

Depois de decodificada pelo chanceler Luiz Alberto Figueiredo, faz sentido a posição da presidente Dilma Rousseff a respeito da crise criada pelo EI (Estado Islâmico).

A primeira impressão --a de que ela sugeria o diálogo com esses fanáticos-- seria realmente uma tolice imensa.

Não há como dialogar com fanáticos. Mesmo que não tivessem decapitado ninguém, prova-o o fato de que, ao abrirem o ano letivo nos territórios que controlam, riscaram do currículo as cadeiras de arte, música, história, geografia e literatura, coisas impuras para uma visão fundamentalista.

Mas se a presidente de fato quis dizer que é necessário "o diálogo político na comunidade internacional, e não usar a força como solução inicial", como traduziu o chanceler, aí poderia eventualmente funcionar.

Até porque o presidente Barack Obama errou ao afirmar que um grupo como o EI só entende uma linguagem, exatamente a da força, criticada por Dilma.

Errado. Nem à força esse tipo de fanáticos se dobra, como dá prova o Afeganistão. Os Estados Unidos usaram a força --e, na ocasião, devidamente autorizados pelas Nações Unidas--, tiraram do poder o Taleban, que é uma versão do EI, e, após anos de ocupação e milhares de mortes, este continua atuante.

Talvez --e é importante grifar talvez-- o diálogo na comunidade internacional permitisse ouvir a voz do Irã, ele também vítima do uso da força pelos Estados Unidos, na forma de sanções, e governado pelos radicais de uma facção do islamismo, embora oposta à do EI (são xiitas, não sunitas). Hasan Rowhani, o presidente atual que tem dado reiteradas demonstrações de bom senso, disse que a solução para o problema do EI deveria ser encontrada pelos próprios muçulmanos.

Parte da constatação, correta, de que as intervenções ocidentais no mundo muçulmano têm sido muito mais parte do problema que da solução. A lacuna na proposta iraniana é que os líderes muçulmanos também têm sido mais problema que solução, do que dão prova o xiita iraquiano Nuri Al-Maliki, recém-apeado do poder, e o alauíta sírio Bashar Al-Assad, promotor de uma carnificina que torna pálidos os crimes do EI.

Não tem solução, então? Fácil, não tem, não. Mas talvez possa funcionar a conquista de mentes e corações muçulmanos.

No Reino Unido e agora na França está em curso uma campanha pelas redes sociais sob o hashtag "NotinMyName", a maneira encontrada por jovens muçulmanos para dizer que não se sentem representados pelos fanáticos.

É uma campanha dirigida pela "Fundação Mudança Ativa", que combate todas as formas de extremismo. Hanif Qadir, presidente do grupo, diz "os jovens muçulmanos britânicos estão fartos da propaganda do ódio do Estado Islâmico e sua proliferação nas redes sociais".

Parece lógico supor que os jovens muçulmanos das regiões sob controle do EI estejam ainda mais fartos, porque são vítimas não da propaganda, mas das ações violentas do grupo. Trabalhar com uns e outros pode, pois, ser um caminho.


crossi@uol.com.br

ELIANE CANTANHÊDE

Cambalhotas

BRASÍLIA - Resumo do Datafolha: Dilma acelera para a vitória, Marina vai desmilinguindo e Aécio caminha com dificuldade, mas não está morto.

O dado mais contundente do Datafolha, além dos 13 pontos de vantagem de Dilma sobre Marina no primeiro turno, é a cambalhota no segundo. Em 10 de setembro, Marina tinha 47% e agora caiu para 43%. Dilma tinha 43% e, invertendo posições, está com 47%.

Assim, Dilma supera a principal rival pesquisa a pesquisa. Na última, ultrapassou Marina no primeiro turno. Nesta, passou à dianteira no segundo. Ela tem a força (dinheiro, máquina, estrutura e "o" marqueteiro), e Marina pode ter sido um sonho de verão.

A campanha sonhática teria de ter trunfos, garra, um pulo do gato. Por que não? Toda hora, um novo gato pula na de Dilma e, à noite e durante eleições, todos os gatos são pardos. De nada adianta o alerta de que a campanha de Dilma faz o diabo, mente, inventa, manipula. O importante é que os fins justificam os meios, lembra?, e o medo vai vencendo a esperança.

Para piorar, o eleitor de Dilma é mais fiel, decorou o número 13 e sabe manejar a urna eletrônica, ao contrário do de Marina. Ou seja, às dificuldades nas pesquisas de intenções de voto, Marina tende a somar uma "quebra" de votos na eleição real.

Onde Aécio entra nisso? A diferença dele para Marina é de nove pontos a uma semana. Para uma reviravolta, ele teria de atingir seu potencial máximo e ela cair ao seu mínimo. É muito difícil, mas o tucano demonstra alguma recuperação em eleitorados chaves, como São Paulo. Além disso, nas últimas eleições, o PSDB teve alguns pontos a mais nas urnas do que tinha nas pesquisas.


A melhor aposta é de Dilma e Marina no segundo turno e mais um mandato para o PT. Porém... Dilma vencer no primeiro turno, Marina encorpar no segundo e Aécio surpreender no final são todas hipóteses improváveis, mas nenhuma delas é impossível.
Rodrigo Constantino

Como Lula irá destruir o PT: os postes que não acendem

Em um artigo magnífico publicado nesta terça no GLOBO, o historiador Marco Antonio Villa faz um breve resumo da trajetória personalista e autoritária de Lula, mostrando como essa característica pode afundar de vez o Partido dos Trabalhadores.

Desde os tempos de sindicalista, Lula demonstrava esse viés narcisista e controlador. Sua enorme vaidade e sua ambição desmedida fizeram com que fosse usando tudo e todos em prol de seu projeto pessoal de poder, nada mais. Nunca soube cultivar outras lideranças. Villa escreve de forma direta:

Lula, com seu estilo peculiar de fazer política, por onde passou deixou um rastro de destruição. No sindicalismo acabou sufocando a emergência de autênticas lideranças. Ou elas se submetiam ao seu comando ou seriam destruídas. E este método foi utilizado contra adversários no mundo sindical e também aos que se submeteram ao seu jugo na Central Única dos Trabalhadores. O objetivo era impedir que florescessem lideranças independentes da sua vontade pessoal. Todos os líderes da CUT acabaram tendo de aceitar seu comando para sobreviver no mundo sindical, receberam prebendas e caminharam para o ocaso. Hoje não há na CUT — e em nenhuma outra central sindical — sindicalista algum com vida própria.

No Partido dos Trabalhadores — e que para os padrões partidários brasileiros já tem uma longa existência —, após três decênios, não há nenhum quadro que possa se transformar em referência para os petistas. Todos aqueles que se opuseram ao domínio lulista acabaram tendo de sair do partido ou se sujeitaram a meros estafetas.

Lula humilhou diversas lideranças históricas do PT. Quando iniciou o processo de escolher candidatos sem nenhuma consulta à direção partidária, os chamados “postes”, transformou o partido em instrumento da sua vontade pessoal, imperial, absolutista. Não era um meio de renovar lideranças. Não. Era uma estratégia de impedir que outras lideranças pudessem ter vida própria, o que, para ele, era inadmissível.

Agora, esses “postes” podem se apagar. Fernando Haddad é um gigantesco fracasso na Prefeitura de São Paulo, amargurando uma das piores taxas de aprovação da história. Faz uma gestão que para ser apenas medíocre teria de melhorar muito. Um “intelectual” incapaz de administrar um condomínio, mas responsável pela cidade mais importante do país. O resultado está aí, com trapalhada atrás de trapalhada.

Alexandre Padilha não consegue decolar como candidato ao governo em parte como efeito dessa desgraça na gestão de Haddad. Nem o populista programa Mais Médicos ajudou a empurrar sua candidatura, que não sai do lugar e deverá ficar com menos de 10% dos votos dos paulistas.

No Rio, Lula bancou pessoalmente a candidatura de Lindbergh Farias, mesmo passando por cima dos interesses partidários. Foi o que levou uma ala importante do PMDB a fechar com Aécio Neves, criando a chapa “Aezão”. Mas o “poste”, mesmo com sua cara de pau pintada, está abaixo de 10% nas intenções de voto também. Outro que é mais pesado do que um hipopótamo, incapaz de alçar voos mais altos.

E o maior “poste” de Lula, claro, é Dilma Rousseff, a primeira “presidenta” do país, levada ao Planalto pelos braços de um homem, mas ainda assim celebrada pelas feministas bobocas de plantão. Sua gestão é mais que sofrível: é caótica! O país entrou em recessão, a inflação retornou com força, os investimentos pararam, a indústria desabou e o clima é de total desesperança.

Diante de retumbante fracasso, o que faz Lula? Afasta-se estrategicamente de sua criatura, como se não tivesse nada a ver com isso. Não vamos esquecer que Lula disse, na campanha de 2010, que Dilma era ele e ele era Dilma, ambos uma só pessoa. O fracasso de Dilma é seu fracasso, mas o “Oráculo de São Bernardo”, como espeta Villa, não pode errar, e por isso o silêncio covarde agora. Villa conclui:

O PT caminha para a derrota. Mais ainda: caminha para o ocaso. Não conseguirá sobreviver sem estar no aparelho de Estado. Foram 12 anos se locupletando. A derrota petista — e, mais ainda, a derrota de Lula — poderá permitir que o país retome seu rumo. E no futuro os historiadores vão ter muito trabalho para explicar um fato sem paralelo na nossa história: como o Brasil se submeteu durante tantos anos à vontade pessoal de Luiz Inácio Lula da Silva.

Amém! Como disse o empresário Salim Mattar, da Localiza, em corajosa entrevista recente, “ninguém aguenta mais” o PT, que mais parece um ajuntamento mafioso do que um partido político. Seus membros aceitaram se submeter ao comando absoluto de Lula, o líder carismático, o milionário “homem do povo”, em troca das mamatas garantidas pelo poder. Muitos acreditaram em seus supostos dons incríveis, seu toque de Midas para iluminar postes e garantir a perpetuação nas tetas estatais.

Balela! Escrevi no mesmo jornal um artigo comparando a ascensão política de Lula à econômica de Eike Batista. Ambos foram muito mais levados pela maré chinesa do que qualquer coisa. O fenômeno político Lula tem mais a ver com a política monetária frouxa do Fed, o banco central americano, e com o acelerado crescimento chinês, do que com seus méritos próprios e carisma.

O populista estava na hora certa no lugar certo, com muito dinheiro para comprar apoio. Achou que era um gênio. Não era. Nunca foi. Perdeu três eleições seguidas, duas delas no primeiro turno para FHC, motivo pelo qual jamais perdoou o sociólogo. E agora pode ter jogado a pá de cal definitiva no PT que fundou, ao destruir qualquer liderança alternativa e concentrar todas as fichas em seus “postes”, cada vez mais apagados.

Espero ansiosamente pela oportunidade de escrever o obituário dessa praga chamada PT que tanto mal espalhou pelo Brasil…


Rodrigo Constantino

sábado, 27 de setembro de 2014


28 de setembro de 2014 | N° 17936
MARTHA MEDEIROS

Diga-me o que vestes

Lembro-me de uma matéria interessante que li anos atrás na revista Elle: convidaram uma estudante e uma executiva para passar 24 horas com a roupa uma da outra. Explico: a estudante, que costumava se vestir de uma maneira sexy e irreverente, teve de se vestir com o que encontrou no closet da executiva, e esta, por sua vez, teve de abandonar seu estilo sóbrio e conservador para escolher peças no closet da estudante. Resultado: viraram outra mulher por um dia.

A estudante, que adorava decote, barriga de fora e sandália de salto alto, colocou pela primeira vez um terno escuro com camisa para dentro da calça e sapato fechado. A executiva, habituada aos tailleurs bem-comportados, encarou uma saia acima do joelho, top de alcinhas, sandália gladiadora e gargantilha com crucifixo. Conclusão delas: não dá para mudar nosso jeito de ser simplesmente trocando de roupa.

Em termos, em termos. As próprias protagonistas da reportagem adotaram uma postura completamente diferente na hora de se deixar fotografar e, mesmo que tenham sido orientadas pela produtora de moda, a verdade é que a roupa conduz nossa atitude, sim.

A estudante, uma clone de Miley Cyrus sempre de mãos na cintura e ar provocante, cruzou os braços docemente quando colocou o terno. A executiva, que costumava ficar encolhida em seu trajes pastéis, jogou os cabelos para trás e encarou as lentes com um olhar sedutor, digno de quem se veste para matar. Lógico que a roupa pode despertar novas facetas de nossa personalidade.

Dormir com um pijamão apeluciado e dormir com uma lingerie de renda vermelha: tanto faz? Você de legging e tênis pela manhã, de jeans e jaqueta de couro à tarde, e à noite com um vestido justo decotado nas costas. Sim, é a mesma mulher, mas são três estados de espírito diferentes.

A roupa, subliminarmente, autoriza um determinado tipo de comportamento. Os homens se sentem mais confiantes quando estão de gravata, até seu jeito de caminhar se transforma. Já as mulheres sentem-se mais joviais quando estão de camiseta e mais sensuais quando estão de preto. Coloque um longo Versace numa freira e ela subitamente esquecerá da oração da Ave-Maria, empacará em “o Senhor é convosco” e, dali em diante se pegará, cantarolando algo da Beyoncé.


Cada pessoa deve vestir-se de acordo com o que é, e não com o que que gostaria de aparentar, mas não é pecado experimentar um personagem fora do habitual: desejar ser menos tímida, ou mais séria, ou um pouco excêntrica. É uma transformação que deve vir de dentro, mas o visual ajuda. Um botão a mais aberto na camisa pode operar milagres numa alma introvertida.

28 de setembro de 2014 | N° 17936
ANTONIO PRATA

O agudo e a crônica

Quando eu comecei a escrever crônicas, quinze anos atrás, prometi a mim mesmo que iria revolver somente a terra do meu canteiro, resistindo à tentação de arrastar o meu modesto arado por latifúndios pedregosos como a política, a economia, a crise no Oriente Médio. (Como diz o mestre Humberto Werneck, crônica é conversa sentado no meio-fio, não discurso sobre um caixotinho). Todo domingo, porém, questiono minha promessa: o mundo é vil, o país é injusto, há muitas causas importantes sem voz e muitos calhordas com megafones – devo seguir falando da minha infância, de um amigo que reencontrei, dos primeiros passos da minha filha?

Às vezes, em bate-papos com leitores, me perguntam por que eu raramente escrevo sobre o assunto da semana. Digo que a chance de eu ter alguma coisa relevante a dizer sobre o assunto da semana é pequena, ainda mais concorrendo com jornalistas e especialistas que estão debruçados sobre a questão. Serei mais profundo ou divertido, terei, enfim, mais chance de dizer algo verdadeiro (mesmo que pequeno, mas verdadeiro, e é isso que importa) se mirar no que eu conheço: a minha infância, o amigo que reencontrei, os primeiros passos da minha filha.

Também costumam perguntar, nesses bate-papos, se por falar sempre de si mesmo o cronista não seria um autocentrado e, portanto, um alienado. Acho o contrário: o cronista procura nele mesmo (ou melhor, numa ficção de si mesmo) os assuntos que possam tocar os outros. Todo mundo teve infância, todo mundo tem amigos que a vida afastou, mesmo quem não é pai ou mãe sabe o que é uma criança. Se ao falar do meu umbigo eu não cutucar o seu, a relação umbilical da literatura não se estabeleceu: pode escrever pro Painel do Leitor.

Esses questionamentos crônicos me voltam mais agudos nestas eleições. Na quinta retrasada, dia 18, um PM matou um ambulante com um tiro na cabeça. Nesta segunda, o PM foi solto. Não houve manifestações nem indignação por parte da população e Geraldo “quem não reagiu tá vivo” Alckmin, o chefe da PM, deve ser reeleito no primeiro turno. (Sobre o silêncio de São Paulo diante do assassinato, ler Flávio Moura em: http://migre.me/lRQpJ). Naquela mesma quinta, 18, no presídio de Pedrinhas, Maranhão, foi assassinado o décimo sétimo preso, só este ano. Ano passado, foram 60; alguns deles, decapitados diante das câmeras de celulares.

Os senhores feudais que dominam o Maranhão e gerenciam Pedrinhas são da base de apoio da Dilma, que acusa Marina de ser uma proposta insensata por não contar com o apoio de senhores feudais como os que dominam o Maranhão e gerenciam Pedrinhas. Marina, contudo, não é nada insensata: a paladina da nova política apoia quem, em SP? Alckmin.


Devo seguir falando da minha infância, de um amigo que reencontrei, dos primeiros passos da minha filha? Às vezes, acredito que sim: que a crônica existe para iluminar uns rincõezinhos assombreados do cotidiano, pra abrir nossos olhos para a graça que passa despercebida, pelas esquinas – e que isso também é um ato político. Outras vezes, porém, me vejo como um nobre gordo, na França, em 1788, comendo codornas enquanto o povo morre de fome, de bala ou é decapitado do lado de fora e nos calabouços do castelo.