19 de março de 2015 | N° 18106
DAVID COIMBRA
Para sentir vergonha
Governador Sartori, o senhor não tem vergonha? O Estado que
o senhor governa confina seres humanos em masmorras onde fezes e urina escorrem
pelas paredes, onde dezenas de pessoas se amontoam em cubículos do tamanho de
um banheiro, mal havendo lugar para dormir no chão, onde a sífilis, a hepatite
e a aids são disseminadas através do estupro, onde homens convivem com
ratazanas maiores do que gatos, onde a comida é preparada em meio à imundície.
Essas pessoas, quando o Estado as mete em tais calabouços,
ao mesmo tempo em que as pune por algum ilícito, esse Estado torna-se
responsável por elas. Elas estão sob a tutela do Estado. É do Estado, ou seja,
do governador e de todos nós, cidadãos, a responsabilidade de alimentar,
abrigar e cuidar dessas pessoas. Se o Estado não tem condições de tratá-las com
dignidade, não pode assumir esse encargo. Não pode puni-las. Pelo menos, não
com a reclusão.
Tempos atrás, surgiu a proposta de privatização dos
presídios. Houve todo tipo de argumento humanitário contra a ideia. Seriam bons
argumentos, se os gestores do sistema, entre eles o governador, sentissem
vergonha pelo que é perpetrado contra esses homens. Se, movidos por essa
vergonha, os gestores do sistema agissem com urgência para impedir que o Estado
continuasse a supliciar homens sob sua tutela. Como ninguém sente vergonha, nem
age, o Estado tem a obrigação de desistir da tarefa e entregá-la para quem
possa cumpri-la a contento.
Sinto vergonha pelo que é cometido contra esses homens no
meu lugar, o Rio Grande do Sul, e no meu tempo, o século 21. Mas isso não me
absolve. Não absolve a nenhum de nós.
Foi fácil escrever esta coluna. Eu a escrevi há três anos.
Só que o nome do governador era Tarso Genro, não Sartori. Fiz control cê,
control vê, e pronto. Mais barbada do que isso, só quando Mario Quintana pôs
numa crônica o título de Preguiça, e entregou a lauda em branco.
Ao mesmo tempo, o texto continua fazendo todo o sentido.
Tarso Genro até tentou melhorar as condições dos presídios, mas, em linhas
gerais, a situação continua como descrevi acima.
Não faço isso para provar que trato partidos diferentes de
maneira igual. Não tenho compromisso com partidos ou seus simpatizantes. Tenho
compromisso com a honestidade intelectual. Escrevo, sempre, de acordo com minha
consciência. E minha consciência fica inquieta ao pensar nesses homens
submetidos a tanta brutalidade que mereceria a intervenção da Associação
Protetora dos Animais.
Sartori vai dar uma entrevista coletiva hoje, suponho que
para dizer que o Estado não tem dinheiro. Não tem mesmo e, está demonstrado,
também não tem vergonha.
Já fiz control cê, control vê. Sei que terei outro dia de
servicinho fácil, daqui a quatro anos.
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