06
de março de 2015 | N° 18093
MOISÉS
MENDES
Axé e pena de morte
Algumas
observações do final do verão sobre coisas que nunca aconteceriam no inverno. Por
exemplo: ouvi no programa Timeline, da Gaúcha, dia desses, uma entrevista da
Kelly Mattos e do Potter com o filósofo paulista Rodrigo Constantino. Escutava
a conversa no carro quando o entrevistado disse, salivando: “Teoricamente, a
pena de morte me apetece”.
Como
todo mundo ouve o Timeline, percebi ao redor que as pessoas quase perderam o
controle dos carros. Eu desviei de um cachorro, tirei o pé do acelerador e encostei.
Abri a janela e esperei uma lufada de ar.
O
jovem pensador disse no rádio, como se falasse de comida japonesa, picolé mexicano
ou sagu, que a pena de morte é algo que, em teoria, lhe apetece.
O
filósofo tem outras teorias, é ídolo de muita gente boa e um dos integrantes do
segundo time de imitadores de Paulo Francis. É também um dos líderes, ao lado
do Bolsonaro, da passeata do dia 15 que apetece defensores do impeachment.
Dias
depois de ouvir o pensador liberal, fui até Balneário Camboriú. O mar ainda me
atrai, se olhado de longe, da areia. Pois esperei sentado até por volta das 12h
e não ouvi o trompete do morador da Avenida Atlântida, perto da ilha, que
tocava clássicos do cinema e, ao final da apresentação na janela do
apartamento, era aplaudido por toda a praia.
Nem
tentei descobrir onde foi parar o trompetista do Balneário. No lugar dele, a
areia ganhou meia dúzia de rapazes com uma caixa de som gigante. Dizem que eles
estão ali há dias.
Tocam
pagode, axé, sertanejo universitário. Abre-se um clarão em torno da turma com
caixas de isopor. Bebem, dançam, se refestelam para as moças que passam. O povo
em volta parece resignado. Há uma acomodação ao barulho e aos gracejos dos
bebuns. Ninguém reclama.
Devem
merecer o que ouvem. Balneário perdeu o homem do trompete e ganhou a fuzarca do
grupo da caixa de som. Dizem que é chinelagem de gaúcho. No fim da tarde,
encharcados, embarcam num camionetão, para voltar no dia seguinte.
Foi-se
o tempo em que o verão ainda produzia algumas surpresas. Me enfarei dos filósofos
e das músicas que prosperam com o calor. A espera pelo inverno me apetece.
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