04
de março de 2015 | N° 18091
MARTHA
MEDEIROS
AUTOCRÍTICA
Nunca
fui fã ardorosa do Brasil. Suas lindas praias, sua música, sua irreverência,
nada disso jamais foi suficiente para superar meu desgosto profundo por ter
gente morrendo em corredor de hospital, por professores ganharem uma merreca de
salário, por não podermos andar com segurança pelas ruas e demais indignidades
com que convivemos dia sim, outro também.
Desde
que passei a ter o mínimo de consciência política, entendi que ética não era o
nosso forte. Quando o PT apareceu, simpatizei, mas não cheguei a acreditar em
salvadores da pátria porque a minha descrença estava bem sedimentada. Ainda
assim, dei meu voto lá no início, era uma possibilidade. Que se cumpriu até certo
ponto, mas o partido se revelou vulnerável como qualquer outro e o resto da
história está aí. A roubalheira, que sempre existiu, tomou conta da maior
empresa estatal do país e o vexame ganhou proporções monumentais.
O
quadro geral é de tristeza. Porém, o que tenho visto é uma alegria perversa
entre os caçadores de bruxas. Parece que as pessoas estão salivando diante dos
escândalos, satisfeitas por poderem satanizar à vontade os dirigentes do país. Não
acho que corruptos mereçam absolvição, estamos sob o comando de maus gestores e
péssimos exemplos de cidadania, e torço pela punição de todos aqueles que
saquearam o Brasil. Estarei nas ruas no dia 15 de março porque acredito que o
povo precisa se expressar, mostrar que está vigilante, mas a raiva contida em
muitas declarações contra os petistas não me representa.
Uma
coisa é se manifestar – inclusive com humor – a fim de pressionar pelo fim da
impunidade. Demonstra amadurecimento da população. Mas, no momento em que
chamamos a presidente de vaca, fazemos brincadeiras sórdidas alusivas ao rosto
de Cerveró ou culpamos o PT pelo espirro do cachorro do vizinho, trocamos a
maturidade da nossa indignação por um bullying coletivo que mais revela nossa
pobreza de espírito do que grandeza como nação.
Faço
parte da elite e me sinto à vontade para fazer uma autocrítica: sim, os
elitistas talvez estejam, consciente ou inconscientemente, vingando-se de uma
suposta perda que imaginaram que teriam com a ascensão de um partido popular ao
poder. No fundo, torceram para que desse errado e, agora que o castelo de
cartas ruiu de fato, há uma comemoração evidente. Uma desforra. Um clima de
final de campeonato, como se o gol da vitória tivesse finalmente sido marcado.
No
entanto, só vejo perdedores nesse jogo. Uma grande nação de perdedores. Nada de
engraçado está acontecendo. A única vitória possível se confirmará caso, num
futuro próximo, a impunidade já não for dada como favas contadas e uma nova
classe política nascer dos escombros e reinventar o país.
E se
a ética vier a ser o nosso forte, em todas as camadas da sociedade.
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