02
de março de 2015 | N° 18089
DAVID
COIMBRA
Quarenta anos depois, quase o mesmo
Gre-Nal
Oespanhol
Xavi jogava até ontem como jogava Paulo César Carpegiani nos anos 70. É um
estilo parecido, de futebol macio, de passe tão curto quanto escorreito, de
quem carrega a bola até o lance e diz ao companheiro o que o companheiro tem de
fazer.
Ao
lado dele, só que um pouco mais à frente, ficava um tipo de jogador que foi
extinto como o pássaro dodô: um ponta-esquerda clássico, Lula, que pegava a
bola e arremetia para cima do lateral, tentando driblá-lo, o que, aliás, quase
sempre conseguia.
Conta-se
que, uma noite, véspera de jogo importante, Lula perdeu-se na esbórnia. Foi
visto nos desvãos sombrios de uma boate de Porto Alegre, em estado tão
lamentável como deixava seus marcadores após as partidas. A horas tantas da
madrugada, tomado da indignação dos ébrios, Lula subiu numa mesa e urinou sobre
os circunstantes, só não saindo do lugar direto para a delegacia porque naquele
tempo não se prendiam ponteiros-esquerdos ofensivos.
O
técnico Minelli, sabedor dessa performance do seu atleta, queria mandá-lo
embora. O vice de futebol Ballvé não deixou e, na argumentação, criou a frase
imortal:
–
Ele fica porque nos incomoda durante a semana, mas no domingo incomoda os
adversários.
Meio
que um auxiliar de Lula era Vacaria, lateral que, naquele Inter, parecia
modesto. Não era. Era dos melhores. O problema é que, ombreado a Figueroa,
Falcão, Valdomiro & cia, até eu, que dava lançamentos de 50 metros no Alim Pedro, pareceria
comum.
Mas
o que queria dizer é que, juntando esses três, Carpegiani, Lula e Vacaria, o
Inter formava um triângulo poderoso no lado esquerdo do campo.
Num
Gre-Nal de 75, esse triângulo vitimou o lateral-direito Cláudio Radar. Ele
passou o jogo todo sendo envolvido pelos três jogadores do Inter, que ficavam
trocando passes, enquanto Radar corria atrás da bola como na brincadeira de bobinho,
gritando por ajuda para os zagueiros e para o volante, que não ousavam sair lá
do meio, já que tinham de marcar tipos mal-encarados como Flávio Bicudo e
Escurinho. Resultado: o Inter venceu por 2
a 1 e o então governador do Estado, Sinval Guazzelli,
rosnou das cadeiras do Olímpico:
–
Precisamos de outro lateral-direito.
Outro
lateral-direito foi providenciado. Radar nunca mais jogou no Grêmio.
Conto
isso tudo porque, no Gre-Nal de ontem, pensei que a sina de Cláudio Radar se
repetiria. O Inter concentrou seus ataques exatamente no lado esquerdo, em cima
de um lateral-direito que não é considerado bom marcador, o uruguaio Matías
Rodríguez.
Primeiro,
o Inter jogou Valdívia por ali. Valdívia investiu, tentou, forçou, mas Matías
saiu-se bem. Parecia que Valdívia ia conseguir entrar na área, mas Matías
sobressaía no último momento.
No
segundo tempo, o Inter voltou com o titular Vitinho, que foi até meio
debochado, dava toque de calcanhar, tentava fazer jogada de efeito. Matías
jogou sério e o superou também.
Depois,
o Inter tentou com Luque, considerado um velocista raro. Matías continuou sendo
melhor.
Finalmente,
o Inter arriscou com o jovem Alisson, rápido e ousado. E ainda assim Matías
prosseguiu marcando com precisão de centímetros, tirando a bola por baixo em
carrinhos limpos, desarmando o inimigo no toque derradeiro. Foi perfeito,
Matías.
Quarenta
anos depois, Matías mostrou que, como dizia Marx, a história se repete como
farsa.
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