07
de julho de 2012 | N° 17123
CLÁUDIA
LAITANO
O futebol dos filósofos
Um
clássico esquete do grupo de humor britânico Monty Python imaginava uma partida
de futebol entre filósofos gregos e alemães (se você nunca viu, procure no
YouTube “futebol dos filósofos”). De um lado, Hegel, Kant, Nietzsche e grande
elenco. Do outro, Platão, Aristóteles e o autor do único gol da partida: o
craque insofismável Sócrates. Na arbitragem, Confúcio, auxiliado por Santo
Agostinho e São Tomás de Aquino.
Boa
parte da graça da piada vinha dessa aproximação insólita entre um assunto que
mobiliza multidões, o futebol, e outro popularmente considerado tão hermético e
inextricável quanto o bóson de Higgs: a filosofia.
É possível,
e até provável, que uma pessoa morra sem nunca ter se perguntado a sério sobre
as partículas que formam a matéria, mas será bem mais difícil atravessar a vida
adulta sem nunca se questionar sobre o que é certo ou errado ou sobre o sentido
mais profundo de conceitos como verdade, beleza ou liberdade. A filosofia,
afinal, pode ser muito mais pop do que se imagina – se considerarmos que pop é tudo
aquilo com potencial para mobilizar corações e mentes.
Na última
quinta-feira, assisti à estreia do programa Na Moral, comandado por Pedro Bial,
acompanhando a reação dos telespectadores em tempo real nas redes sociais. As
impressões no calor da hora foram de estranhamento geral: com o formato (que
mistura entrevistas na rua, debate no estúdio, plateia, encenação), a dinâmica
confusa e principalmente o cardápio de assuntos (preconceito, politicamente
correto, assédio moral...).
Minha
sensação foi a de que o programa tentou fazer uma espécie de “futebol dos filósofos”,
só que a sério, usando todos os recursos de um programa de televisão que
pretende atrair um grande público para embalar um assunto que, tratado de forma
mais contemplativa, talvez jamais tivesse espaço na grade de programação de uma
grande emissora.
Pedro
Bial é a própria encarnação da contradição essencial que o novo programa
espelha: cultura letrada a serviço do entretenimento de massa – ou vice-versa. No
comando do programa mais popular do país, o Big Brother, Pedro Bial esforça-se
para contrabandear alguma luz (literatura, filosofia...) para o reino das
sombras (ali onde vale tudo por dinheiro e fama).
Na
Moral parece exigir do jornalista o esforço contrário: o conteúdo é sofisticado,
mas é preciso polvilhar o assunto com um punhado de purpurina midiática para
que ele se torne remotamente palatável para grandes – e heterogêneas – audiências.
O
desafio do programa será encontrar uma linguagem que capte a volátil atenção do
público sem diluir de tal forma seu perfume filosófico a ponto de tornar-se uma
vulgar água de colônia intelectual. Tenha sucesso ou não nessa empreitada, é mais
do que bem-vinda a ousadia do maluco que propôs um programa sobre ética na TV
aberta brasileira – uma ideia quase tão excêntrica quanto colocar filósofos
para decidir a final do campeonato de futebol europeu.
Vivemos
em um mundo cada vez mais complexo, e nossas referências são instáveis e
imprecisas. Família, religião, ideias políticas – nada mais nos define por
completo ou nos serve como parâmetro único na hora em que somos defrontados com
questões que nos convocam a agir e opinar de forma racional e coerente. Precisamos,
cada vez mais, parar para pensar. Nem que seja na frente da TV.
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