05
de julho de 2012 | N° 17121
LETICIA
WIERZCHOWSKI
Da inspiração e seus caprichos
Tenho
a tarde inteira pela frente e uma história aqui dando os seus primeiros brotos.
A tarde inteira... E quase esfrego as mãos de alegria, porque hoje estou com
vontade de escrever, estou inspirada, sei que tenho as palavras, sei que elas vão
surgir quando eu estalar os meus dedos. Isso não acontece sempre – quisera eu! –,
a tarde inteira pela frente, e essa vontade assim tão espontânea de voltar ao
personagem que deixei ontem, vagando por uma ruela na cidade de Ragusa.
Mas,
antes deste nosso encontro, desta fugazinha da realidade, desta dança com a ficção,
é preciso cumprir as minhas tarefas rotineiras. Os filhos na escola, os e-mails
sobre pagamentos, palestras, frasesinhas mundanas que me esperam na caixa de
entrada do Outlook. Saio de casa no horário de sempre, mas as coisas não
acontecem como deveriam acontecer... Nada demais, pequenas coisas.
O
filho que hoje não queria ficar na escola e que chorou, e eu volto para casa
com a lágrima dele dentro de mim – mesmo sabendo que filho pequeno é igual a
passarinho, pousa aqui, pousa acolá, e a lágrima logo vira sorriso. Mas, em
casa, as tarefas mundanas me esperam e se desdobram e me agarram com seus
grudentos tentáculos de polvo: o e-mail aquele que se perdeu, o recibo que eu
tenho de redigir – desde quando escritor sabe fazer recibo? Fazer recibo
profana alguma coisa fundamental na minha alma, e eu quase choro como chorou há
pouco o meu menino.
Depois
surge alguém pedindo um orçamento, e outro alguém pedindo meus dados cadastrais.
E assim, dá-lhe ligar para o contador, e dá-lhe enfileirar números de CNPJ e
CPF – como é que uma tarde tão promissora se perdeu em pequenezas? Pelo menos,
o choro do meu filho na porta da escola era real, era puro e era até bonitinho.
Eu
faço tudo correndo, eu esbaforida, e-mails afora, tarde adentro. Mas, quando
tudo de chato e de banal ficou lá para trás, quando estamos somente a minha
história e eu, uma olhando a outra nos olhos, não é que a inspiração minguou,
broxou, foi para o ralo, bateu as asas? E então, sentada em frente ao
computador, triste como o menino triste que não quer ficar no colégio, eu olho
para a minha inspiração e peço, como ele pediu: “Por favor, não vai embora,
fica aqui comigo, fica”.
Mas
ela vai. A inspiração, que é frágil, que é volátil, que é charmosa, sai voando
pela janela, rindo de mim... E eu aqui, com o resto da tarde pela frente, e com
gosto de CNPJ na boca.
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