04
de julho de 2012 | N° 17120
ARTIGOS
- TÚLIO MARTINS*
Crimes passionais
Alguns
crimes causam uma profunda sensação de mal-estar na comunidade. São fatos que,
além de toda a brutalidade do ato violento e contrário à lei, trazem dentro de
si um componente de aberração e de loucura. Assim são os chamados crimes
passionais, em que alguém destrói o objeto de um amor doentio.
O
exemplo mais comum é o homem que mata a mulher com a qual tem algum vínculo de
afeto, mas igualmente encontramos mulheres que matam homens e, claro, toda
sorte de violências contra indivíduos secundários na relação, como colegas de
trabalho, amantes, filhos e pais.
O
estudo do comportamento humano mostra que há momentos em que o prazer possível é
somente o alívio do sofrimento causado por conflitos, traumas e frustrações que
não foram resolvidos. A maior parte das pessoas consegue desvencilhar-se dessa
questão existencial através de mecanismos socialmente aceitáveis. Outros,
possuidores de egos frágeis e malformados, se transformam em perseguidores
criminosos.
A
conduta passional é a conclusão de um processo patológico em que uma emoção crônica,
focada somente em um objeto, supera as contenções (educação, família,
autoridades) que a mantinham em limiar tolerável.
Nesses
casos, a doença emocional do criminoso – e muitas vezes, em menor grau, também
da vítima – leva a uma fantasia de dependência e simbiose entre duas vidas. O
indivíduo passa a acreditar cegamente que não pode viver sem o outro, que a
perda do afeto e do convívio será sua própria destruição e que a existência
deixará de ter sentido sem o objeto amado. Esse sentimento, tão bem explicado
pela psicanálise, condiciona o comportamento do agente em relação ao objeto de
seu amor mórbido.
As
sensações predominantes são de posse, de medo do abandono, de falta de
identidade e de dor insuportável pela perda – real ou imaginária. Frases como “minha
vida é tua vida”, “te amo mais do que a mim mesmo”, “não posso existir sem o
teu amor”, “se não for minha não será de mais ninguém” não são meras palavras
ditas por acaso: são a mais absoluta verdade na mente do assassino!
Tão
intenso é o ódio – e consequentemente a ideia de derrota e destruição – que são
frequentes os crimes passionais em que, após matar o objeto de seu amor, o
criminoso pratica o suicídio. Contudo, é raro encontrarmos um caso em que ele
cometa uma violência contra um transeunte ou um policial. O foco único de sua cólera
é aquele que foi eleito como destinatário de sua paixão. Após a agressão, esse
indivíduo muito provavelmente só cometerá outro ato violento depois de
estabelecer uma nova relação doentia.
O
protagonista do crime passional acredita em suas próprias fantasias e leva a sério
as mais delirantes hipóteses de desamor, perda e traição; após o crime, não
nega os fatos, não se arrepende, não pede desculpas e não se lastima. Apenas
aguarda, na marcha inexorável do tempo, que surja outra vítima crédula e
incauta.
*DESEMBARGADOR
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