quarta-feira, 4 de julho de 2012



04 de julho de 2012 | N° 17120
ARTIGOS - TÚLIO MARTINS*

Crimes passionais

Alguns crimes causam uma profunda sensação de mal-estar na comunidade. São fatos que, além de toda a brutalidade do ato violento e contrário à lei, trazem dentro de si um componente de aberração e de loucura. Assim são os chamados crimes passionais, em que alguém destrói o objeto de um amor doentio.

O exemplo mais comum é o homem que mata a mulher com a qual tem algum vínculo de afeto, mas igualmente encontramos mulheres que matam homens e, claro, toda sorte de violências contra indivíduos secundários na relação, como colegas de trabalho, amantes, filhos e pais.

O estudo do comportamento humano mostra que há momentos em que o prazer possível é somente o alívio do sofrimento causado por conflitos, traumas e frustrações que não foram resolvidos. A maior parte das pessoas consegue desvencilhar-se dessa questão existencial através de mecanismos socialmente aceitáveis. Outros, possuidores de egos frágeis e malformados, se transformam em perseguidores criminosos.

A conduta passional é a conclusão de um processo patológico em que uma emoção crônica, focada somente em um objeto, supera as contenções (educação, família, autoridades) que a mantinham em limiar tolerável.

Nesses casos, a doença emocional do criminoso – e muitas vezes, em menor grau, também da vítima – leva a uma fantasia de dependência e simbiose entre duas vidas. O indivíduo passa a acreditar cegamente que não pode viver sem o outro, que a perda do afeto e do convívio será sua própria destruição e que a existência deixará de ter sentido sem o objeto amado. Esse sentimento, tão bem explicado pela psicanálise, condiciona o comportamento do agente em relação ao objeto de seu amor mórbido.

As sensações predominantes são de posse, de medo do abandono, de falta de identidade e de dor insuportável pela perda – real ou imaginária. Frases como “minha vida é tua vida”, “te amo mais do que a mim mesmo”, “não posso existir sem o teu amor”, “se não for minha não será de mais ninguém” não são meras palavras ditas por acaso: são a mais absoluta verdade na mente do assassino!

Tão intenso é o ódio – e consequentemente a ideia de derrota e destruição – que são frequentes os crimes passionais em que, após matar o objeto de seu amor, o criminoso pratica o suicídio. Contudo, é raro encontrarmos um caso em que ele cometa uma violência contra um transeunte ou um policial. O foco único de sua cólera é aquele que foi eleito como destinatário de sua paixão. Após a agressão, esse indivíduo muito provavelmente só cometerá outro ato violento depois de estabelecer uma nova relação doentia.

O protagonista do crime passional acredita em suas próprias fantasias e leva a sério as mais delirantes hipóteses de desamor, perda e traição; após o crime, não nega os fatos, não se arrepende, não pede desculpas e não se lastima. Apenas aguarda, na marcha inexorável do tempo, que surja outra vítima crédula e incauta.

*DESEMBARGADOR

Nenhum comentário: