RUBENS
RICUPERO
Signo de contradição
Ao revelar sua fragilidade, Bento
16 alcançou mais corações que no uso dos meios do poder de papa
Se vivemos em tempos sem fé e se
a Igreja Católica é irrelevante e fala sozinha, segundo se apregoa, como
explicar a fixação de manchetes de jornais e TV na renúncia de um papa
octogenário?
Em razão do ineditismo do gesto,
da sensação criada por escândalos romanos, até se compreenderia o impacto do
choque inicial.
Mas, dia após dia, semanas a fio,
o fascínio da história convida a buscar outros motivos.
Um deles seria a carência de uma
figura paterna, sobretudo em época pobre de grandes homens, quando os líderes
são, por toda a parte, mornos e insossos. Mesmo desse ponto de vista, Bento 16
se enquadra de modo diferente.
Ele não é, como o antecessor, um
grande papa político, cujo papel enérgico teria sido decisivo na queda do
comunismo.
Tampouco tem aquele ar
bonacheirão de avô bem humorado e contador de histórias de João 23.
Seu jeito é mais do mestre
escolar de sorriso tímido. Todo seu pontificado não foi mais que uma lição
repetida com infinita paciência.
Nisso me lembra Julius Nyerere, o
fundador da Tanzânia, que conheci bem em Genebra. Um dos raros heróis da
independência africana capaz de criar um país que superou os ódios tribais,
Nyerere só aceitava um título -o de Mwalimu, o singelo professor que tinha sido
e jamais cessou de ser.
Nyerere ensinou que não é o
exercício absoluto do poder que constrói, mas sim o exemplo da abnegação, a
capacidade de se impor limites, de deixar o poder quando o julgavam
insubstituível.
Da mesma forma que seu vizinho
Mandela, soube sair no momento em que todos queriam que ficasse.
Não foram os grandes líderes da
guerra e da paz -Churchill, Roosevelt ou de Gaulle- os gigantes morais que
dominaram o século.
O ensinamento do perdão e da
reconciliação de Mandela e a pregação da não violência até o sacrifício da
própria vida por Gandhi ou Martin Luther King se mostraram muito mais fecundos
e duráveis que os efeitos do poder.
Ninguém exerceu o poder de modo
mais brutal e absoluto que Stálin, do qual nada ficou a não ser a maldição dos
descendentes de suas incontáveis vítimas. O próprio ditador confessou, num
instante de melancolia, que, no final, quem ganhava sempre era a morte.
Ao confessar que em horas
difíceis "o Senhor parecia dormir", ao revelar sua fragilidade, Bento
16 fez mais pela nova evangelização, alcançou mais corações que no uso dos
meios do poder centralizado de pontífice.
Abrir mão da "glória de
mandar", da vã cobiça "dessa vaidade a quem chamamos fama", faz
parte do processo pelo qual o grão de trigo tem de morrer para poder dar fruto.
Sinal de contradição, Jesus legou
à igreja a herança de continuar a ser a força dos fracos, a grandeza dos
pequenos e humildes.
Ao encarnar de novo o signo de
contradição, Bento 16 nos dá esperança de que tinha razão François Mauriac ao
dizer pouco antes de morrer: "Às vezes penso que somos os últimos
cristãos, mas depois me pergunto -será que somos os últimos cristãos ou seremos
os primeiros?"
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