A
mediocridade satisfeita
O
comportamento do mercado de trabalho, salários e preços aponta uma conclusão
desanimadora
O
crescimento brasileiro acelerou visivelmente entre 2003 e 2010, atingindo uma
velocidade média de 4% ao ano, ante 2,5% ao ano nos oito anos anteriores.
Voltamos,
porém, a patinar em 2011 e 2012, crescendo a menos de 2% ao ano. Mesmo que
observe-
mos
a aceleração esperada para este ano (3%) e para o próximo (3,5%), estaremos de
volta ao patamar anterior. Trata-se de desaceleração cíclica ou de reflexo de
um problema mais profundo?
Não
resta dúvida acerca do diagnóstico do governo.
Na
sua visão, a piora do desempenho é tratada como questão cíclica, provavelmente
causada pela crise internacional, assim como pela menor disponibilidade de crédito,
um mini "replay" da crise de 2009, que mereceria, portanto, o mesmo
tipo de resposta: juros mais baixos, aumento da disponibilidade de crédito por
meio dos bancos públicos e, por fim, uma política fiscal mais frouxa, expressa
na redução ("anticíclica") do superavit primário.
Há apenas
um problema com esse diagnóstico: não encontra o menor amparo na realidade.
Para
começar, é difícil justificar que a crise internacional teria causado uma redução
no crescimento brasileiro ao mesmo tempo em que vários países da região, até mais
dependentes de commodities do que o Brasil, tenham registrado aceleração no período.
Afora
isso, em 2009 observamos piora no mercado de trabalho e redução expressiva da
inflação.
Agora,
ao contrário, o desemprego continuou a cair, e a inflação, após breve queda (em
boa parte devido às mudanças metodológicas no IPCA), voltou a acelerar, a ponto
de forçar até o relutante BC a recuar de sua promessa de manter "a
estabilidade das condições monetárias por um período de tempo suficientemente
prolongado".
Tais
observações são consistentes com uma economia que, em vez de enfrentar uma
desaceleração cíclica, parece operar próxima ao seu potencial, como expresso na
menor taxa de desemprego observada desde o início da série do IBGE.
Da
mesma forma, diferentemente do observado em 2009, quando a velocidade de
crescimento dos salários nominais caiu de valores próximos a 11%-12% ao ano
para algo em torno de 4%-5% ao ano, estes se expandem hoje a 9%-10% ao ano,
também um sintoma de aquecimento no mercado de trabalho.
Aliás,
dado que o crescimento da produtividade teima em permanecer ao redor de 1%-1,5%
ao ano, bem inferior à expansão salarial, não é difícil concluir que o custo
por unidade produzida venha aumentando e, portanto, pressionando a inflação, em
particular nos segmentos em que a concorrência internacional é escassa (por
exemplo, serviços).
O
comportamento do mercado de trabalho, salários e preços aponta, portanto, para
uma conclusão desanimadora. A queda de desempenho não se deve principalmente a
questões cíclicas, mas, sim, como finalmente o BC parece ter reconhecido, "a
limitações no campo da oferta", ou seja, gargalos no mercado de trabalho (e
também infraestrutura) que impedem o crescimento mais vigoroso.
Não
se trata, quero deixar claro, de afirmar que houve necessariamente redução do
nosso ritmo de crescimento potencial nos últimos anos, mas de algo até mais sério.
É bastante
possível que sempre tenha sido baixo; tendo saído, porém, de uma situação de
desemprego muito elevado no começo
da década
passada, pudemos crescer acima do potencial pela utilização da mão de obra então
disponível, reduzindo o desemprego ao longo do processo.
Essa
estratégia enfrenta suas óbvias limitações, no entanto, quando a
disponibilidade de mão de obra se esgota.
Assim,
como não preparamos a transição para um crescimento baseado na produtividade,
na prática abandonando o processo de reforma que se estendeu de 1995 a 2006,
esses limites se traduzem em crescimento baixo e inflação alta.
Já a
persistência da estratégia atual de política econômica sugere que o governo está
mais do que satisfeito com essa mediocridade.
ALEXANDRE
SCHWARTSMAN, 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley),
ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, sócio-diretor
da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica e professor do Insper. Escreve
às quartas nesta coluna. www.maovisivel.blogspot.com>
Nenhum comentário:
Postar um comentário