sábado, 23 de março de 2013



23 de março de 2013 | N° 17380
PAULO SANT’ANA

Intenção e resultado

Foi ontem entregue à Justiça o inquérito policial sobre a tragédia de Santa Maria.

Devem estar decepcionados aqueles adeptos da tese de que o inquérito policial não tem nenhuma importância na instauração do processo criminal, afirmam que o inquérito é “meramente informativo”.

Neste caso, o de maior importância na história criminal gaúcha, pelo número de 241 vítimas fatais, o inquérito policial terá importância vital, central, nuclear no processo criminal, tudo o que se for gerar lá na Justiça, ou seja, no processo, será baseado no inquérito policial.

Manda-me dizer lá de Santa Maria o Cláudio Brito que o inquérito policial ontem entregue à Justiça é muito bom, prática e tecnicamente perfeito.

Agora, o inquérito terá diversos desdobramentos. Por exemplo, na notícia de ontem de maior impacto: foi apontado o prefeito Cezar Schirmer por homicídio culposo, por negligência, certamente por não ter exigido de seus subalternos mais exatidão na concessão e administração do alvará de licença de funcionamento da boate.

A polícia não pôde indiciar o prefeito porque ele tem foro especial, mas apontou com convicção a culpa por negligência de Schirmer.

E há muitos indiciamentos por homicídio doloso, casos que poderão redundar em júri popular. Entre eles, o de proprietários da boate, de músicos, de oficiais bombeiros.

E mais ainda indiciamentos por homicídio culposo, casos que não vão a júri e são julgados por juiz singular.

No caso dos indiciados por homicídio doloso, entendeu a autoridade policial que os indiciados não queriam matar as 241 vítimas, mas assumiram o risco de produzir o resultado das centenas de vítimas.

No caso dos indiciados por homicídio culposo, entendeu a autoridade policial que os elementos do inquérito indicam que eles foram negligentes quanto à habilitação da boate para receber seus frequentadores ou cometeram outros deslizes ou omissões.

Será agora longo, mais do que o foi no inquérito, o caminho do processo criminal na Justiça.

Agora é que se verá qual a atitude do Ministério Público em face do inquérito. O promotor pode concordar com os indiciamentos ou modificá-los. E o juiz ou os jurados condenarão os culpados e absolverão os inocentes.

É tão profundamente delicado esse momentoso caso de Santa Maria, que estamos até agora somente debruçados sobre os efeitos penais e criminais do acontecimento.

Antes mesmo de julgados os réus, podem, no entanto, ocorrer efeitos cíveis do fato trágico: as indenizações, os ressarcimentos dos responsáveis para os familiares das vítimas.

Ora, indenizar 241 vítimas fatais é algo impensável, ninguém teria patrimônio pessoal entre os réus (ou juntos os réus) para fazê-lo.

Mas a Justiça pode determinar que o poder público, por desídia de seus agentes, tem responsabilidade civil. Neste caso de Santa Maria, os encarregados de indenizações podem ser a prefeitura de Santa Maria, que é quem licencia os prédios, e o governo do Estado, por omissão ou desídia de bombeiros.

Finalmente, cabe-me uma reflexão importante: no Direito Penal, dois elementos do crime são relevantes e juntos, a intenção e o resultado.

Ninguém teve intenção propriamente dita de matar 241 jovens, mas quanto ao resultado, bem, foi bombástico: 241 vítimas.

O resultado deve ter predomínio amassante e ecoante sobre a intenção.

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