31
de março de 2013 | N° 17388
MARTHA
MEDEIROS
Na parede
Existem
diversas maneiras de se conhecer uma pessoa, não só através do que ela diz, mas
também através de seus gostos, atitudes, preferências, escolhas. Por exemplo,
uma das maneiras de sermos traduzidos é avaliarem o que penduramos na parede. O
que as suas paredes revelam sobre você?
Lembro
do quarto da minha infância. Na parede atrás da cama havia o quadro de uma
menininha de tranças, com as palmas das mãos unidas, rezando ao lado do seu
gatinho. Não era escolha minha, mas eu não desgostava, era uma imagem que me
transmitia conforto e segurança. Aí veio a adolescência, e a menininha rezando
foi trocada por um pôster do David Cassidy. Começava ali a manifestação pessoal
das minhas transformações internas.
Assim
que minhas filhas tiveram seus próprios quartos, permiti que usassem as paredes
como preferissem. A casa é dos pais, mas o quarto é território de livre expressão,
onde seu ocupante começa a criar o quebra-cabeça da sua identidade.
Circulam
por suas paredes cartazes de shows, fotos de amigos, desenhos de próprio punho,
cartões-postais. Aliás, cartões-postais é uma paixão familiar: no meu escritório,
emoldurei dezenas deles reunidos.
Nenhum
com imagens de cidades, nada de paisagens convencionais – são cartões artísticos
que trazem propagandas de filmes, fotos em preto e branco, estímulos visuais os
mais variados. Cada um desses cartões reflete as coisas que amo: cinema, música,
poesia, humor, erotismo, cotidiano. Um caleidoscópio estimulante e que me situa
– olho para eles e me sinto em casa, mesmo.
Pessoas
usam as paredes para pendurar calendários, relógios, fotos de família,
espelhos, objetos trazidos de viagens, mandalas, telas de seus pintores
preferidos, imagens ligadas ao esporte, tudo que traga substância e prazer para
conduzir os dias.
Ou
mantém as paredes nuas, que também é uma forma de expressão – o minimalismo
comunica tanto quanto. A parede é o antepassado do Facebook, só que é uma página
mais íntima e acolhedora: apenas têm acesso aqueles que fazem parte do nosso
universo real, off-line.
Desperdício
é quando a parede é utilizada com um fim apenas decorativo, sem nenhuma
sintonia com os sentimentos e com a identidade do morador. O uso das paredes de
forma protocolar, burocrática, torna a casa mais triste do que alegre, por
total falta de inspiração do proprietário.
Use
suas paredes. Troque as cores de vez em quando. Mude os quadros de lugar. Crie
os seus. Invente moda. Acabo de encomendar com o superdiretor de arte Moisés
Bettim uma tela que traz Woody Allen pintado ao estilo Andy Warhol – viva a pop
art. Onde pendurarei?
Sei
lá: na sala, no quarto, no banheiro, na cozinha, na sacada ou possivelmente no
nicho que me serve de escritório – os cartões-postais hão de gostar da
companhia. E a casa, preenchida de uma atmosfera tão diversa, habitada por
tantos apelos e referências, ficará ainda mais parecida comigo.
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