31
de março de 2013 | N° 17388
VERISSIMO
Adeus ao
trema
A
reforma ortográfica acabou com o trema, e só então me dei conta de que eu nunca
o tinha usado. Sempre o ignorei. Os revisores, se quisessem, que acrescentassem
os tremas onde cabiam. Por vontade própria, nunca botei olhos de cobra em cima
de nenhum u.
E
agora que o trema desapareceu oficialmente, fiquei com remorso. Como me
penitenciar? Peço só mais uma oportunidade para compensar meu descaso com o
trema usando-o num texto. Li que, com a reforma, o trema só continua a ser
usado legitimamente em nomes estrangeiro como Müller e Anaïs. Uma história para
Müller e Anaïs, portanto. Atenção, revisor: mantenha todos os tremas.
Uma
história com seqüência e conseqüência.
Talvez
uma história policial: a dupla Müller e Anaïs atrás de delinqüentes.
Ou
uma história de excessos eqüestres levando ao uso freqüente de ungüentos.
Ou
uma simples cena doméstica. Müller e Anaïs na cozinha do seu apartamento,
eqüidistantes de um pingüim em cima da geladeira. Müller acaba de chegar da rua
com um pacote.
-
Anaïs, esse pingüim...
-
Quequitem?
- Eu
não agüento esse pingüim, Anaïs.
-
Ele está aí há cinqüenta anos e só agora você nota?
-
Cinqüenta anos, Anaïs?
-
Está bem, cinco. Um qüinqüênio.
- Um
qüinqüênio?
- Um
qüinqüênio. E vai ficar aí outro qüinqüênio.
-
Não se usa mais pingüim em geladeira, Anaïs. É uma coisa do passado. Como o trema.
-
Pois eu gosto e está acabado. O que você trouxe nesse pacote?
- O
que mais poderia ser? Lingüiças. As ultimas com trema que tinham no super.
Pronto.
Acho que estou redimido. Adeus, trema. E desculpe qualquer coisa.
SEIOS
Lembro
de ter lido, há algum tempo, que um carregamento de seios postiços a caminho da
Austrália tinha desaparecido. Não posso descrever minha alegria ao ler a
notícia. Abandonei, imediatamente, toda preocupação com desastres naturais e
econômicos e me entreguei a especulações sobre o fato insólito, ou, no caso,
fofo. A notícia não trazia muitos detalhes. Aparentemente, tinham perdido
contato com um navio carregado com 120 mil seios postiços – ou 60 mil pares,
não sei. A localização do navio quando desaparecera não era revelada.
Se
fosse no Oceano Indico – especulei alegremente – a explicação podia ser um
ataque de piratas da Somália, que teriam ocupado o navio, aberto os seus
porões, mergulhado de ponta-cabeça na carga, gritando “Alá seja louvado!” e no
momento discutiam o valor do seio postiço no mercado para cobrar o resgate.
O
navio poderia ter naufragado, o que imediatamente sugeria a imagem de 120 mil
seios boiando no oceano.
–
Piloto de avião de busca para base: acho que localizei destroços do naufrágio,
boiando sugestivamente na superfície. Cambio.
Náufrago
abandonado na proverbial ilha deserta vê seios e mais seios chegarem na praia.
Olha para o céu, abre os braços e grita: “Que parte do meu pedido você não
entendeu, Senhor?!”
Mas
o maior mistério de todos era: o que 120 mil seios postiços iam fazer na
Austrália? Neste ponto deixei de me divertir com a notícia. Tive uma visão
pungente de 60 mil travestis australianos esperando, inutilmente, no porto.
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