04 de março de 2013 | N°
17361
L. F. VERISSIMO
Dama de computador
Depois de saber que o Chico
Buarque também fica jogando paciência no computador em vez de trabalhar, me
senti desagravado. Eu não estou perdendo tempo ou protelando o momento de
começar a escrever, quando jogo paciência. Estou, digamos assim, fazendo alongamento
do músculo cerebral.
Ou distraindo o cérebro enquanto
a verdadeira criação se dá em outro nível, no inconsciente. E se isso parecer
conversa de vagabundo para se justificar, agora tenho um argumento
irrespondível: o Chico Buarque faz a mesma coisa!
Há muitos jogos no meu
computador, com vários graus de complexidade, mas até agora só aderi à
paciência, o mais fácil. Um dia tentei jogar dama no computador. Eu fui bom em
dama quando era garoto. Nunca progredi da dama para o xadrez, talvez pela mesma
razão que me impediu de gostar de matemática, entrar em labirintos e pensar
muito profundamente sobre os buracos negros.
(Dizem que dama é xadrez para as
almas simples). Joga-se dama de computador não contra o computador, mas contra
outro jogador que esteja na linha, movimentando-se uma peça no tabuleiro e
esperando que o adversário, em alguma parte do mundo, movimente uma sua. Mas
não consegui ir além de duas ou três peças movimentadas. Estava jogando bem,
mas tive que parar.
Até agora não sei explicar minha
sensação diante daquele adversário que eu não via, que não sabia onde estava ou
que cara tinha, embora estivéssemos, para todos os efeitos, cara a cara. Era
como jogar com um fantasma. Mais do que isto: era como ter minha casa invadida
por um membro daquela estranha seita, talvez escrava, cuja única função na vida
é ficar esperando desafios anônimos no jogo de dama. Era isto: a sensação de
uma cidadela invadida e de uma intimidade indesejada cada vez que o outro
movimentava uma peça.
Abandonei o dama no meio do jogo
e cliquei no paciência. Jogando paciência você às vezes se sente sacaneado pelo
computador, que geralmente permite uma vitória a cada cinco ou seis tentativas.
Mas pode ao menos ter certeza de que não é nada pessoal.
Crônica-Vovô
A Lucinda, que tem quatro anos e
meio, frequentemente nos premia com abraços e beijos extemporâneos. Mas também
tem seus dias rebeldes, quando a qualquer aproximação de avô ou avó a fim de
agarramento, ordena: “Me deixem em paz”
No outro dia, cheguei perto dela
pensando num abraço e, se tivesse sorte, alguns beijos e ouvi seu aviso:
– Não se atreva.
Não se atreva! É claro que
obedeci.
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