CARLOS
HEITOR CONY
Merleau-Ponty
RIO
DE JANEIRO - O que o senhor acha do Merleau-Ponty?
A
primeira vontade é dizer que não penso nada. Mas olhei bem o camarada, tipo de
vogal do diretório de estudantes que me convidara para dar uma palestra. Na véspera,
nada me perguntara, devia ser tímido, mas ansioso para beber alguma coisa da
minha cultura de "Almanaque Capivarol" -o meu primeiro e insubstituível
mestre nas coisas da vida e do mundo.
O
sujeito se deslocara da cidade até o aeroporto para saber o que eu pensava de
um cara sobre o qual nada pensava realmente. Além do mais, perdera a passagem
de volta e a moça do check-in fazia uma porção de perguntas mais pertinentes,
que eu também não sabia responder.
Revirei
a maleta de mão, alguém havia me dado umas frutas cristalizadas que haviam
lambuzado o livro que ganhara de alguém, um poeta também local que contava, em
alexandrinos, uma história complicada de um vigário cuja especialidade era
deflorar as virgens também locais.
O
cara não saía da minha frente, a moça do guichê me olhava com raiva, eu podia,
naquele instante, estar pensando em física quântica, na Guerra do Peloponeso,
no legado cultural do John Lennon, menos em Merleau-Ponty, no qual nunca
pensara antes nem pretendia pensar depois.
Mas
ali estava por conta do tal diretório de estudantes, falara 45 minutos sobre os
rumos da sustentabilidade ambiental, mas tinha de dizer alguma coisa e disse o
seguinte: "Quem nunca leu Merleau-Ponty não merece viver".
O
cara se deu por satisfeito e decidido a ler Merleau-Ponty para continuar a ter
o direito de viver. De qualquer forma, a resposta impressionou a moça do check-in
e quebrou o meu galho. Ao entrar no avião, me lembrei de que nunca lera Merleau-Ponty
e, segundo minhas sábias palavras, eu não merecia viver.
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