24
de março de 2013 | N° 17381
MARTHA
MEDEIROS
Visíveis para si mesmo
Ficar
sozinho não é estar abandonado, ao contrário: é encontro dos mais sagrados
Se
você fosse um super-herói, qual o poder que gostaria de ter? Pergunta clássica,
resposta clássica: 99% das pessoas gostariam de ficar invisíveis. É o desejo
também do senhor Y, o enigmático personagem de O Homem Visível, de Chuck
Klosterman, livro que mistura ficção científica, bizarrice e suspense numa
trama que, ainda que inverossímil, prende o leitor e faz refletir.
Y
trabalhou num projeto ultrassecreto do governo americano e acabou desenvolvendo
uma tecnologia de camuflagem ele criou uma espécie de segunda pele que o torna
invisível. Com que propósito? Entrar na casa de pessoas que morem sozinhas e,
sem ser percebido, vê-las em sua rotina comum. O obcecado Y acredita que uma
pessoa é 100% autêntica apenas quando ninguém a está observando.
Ah,
super Y. Além de invisível, você lê pensamentos? Acredito no mesmo que você. Sozinha
não finjo, não disfarço, não retruco, não provoco, não julgo, não condeno, não
sumo, não volto. Sozinha não há céu que me rejeite – assim encerra um poema que
escrevi certa vez sobre o benefício da solidão.
Não
que sejamos todos uns falsos ao sair pela porta de casa, mas é indiscutível
que, assim que entra um vizinho no elevador, você automaticamente aciona um
dispositivo que produz um sorriso e um comentário sobre o clima, quando na
verdade está morta de sono e preferiria continuar calada. Uma atuação
inofensiva e gentil, mas, ainda assim, uma atuação. É preciso contracenar.
No
entanto, em suas visitas secretas a homens e mulheres que se acreditavam em
total privacidade dentro de seus apartamentos, Y repara que elas não se sentem
tão relaxadas como deveriam. Ele se dá conta de que as pessoas não consideram o
tempo que passam sozinhas como parte de suas vidas.
Diz
o personagem: “Sempre me senti mais vivo quando estava sozinho, porque esses
eram os únicos momentos que não sentia medo de ter minhas ações examinadas e
interpretadas. O que acabei descobrindo é que as pessoas precisam que suas ações
sejam examinadas e interpretadas, para acreditar que o que fazem tem importância”.
É preocupante.
Hoje, as pessoas só confirmam sua existência quando estão em público. No
entanto, creio que é justamente quando estamos misturados aos demais que nos
tornamos invisíveis.
Acabamos
infiltrados na manada e compartilhamos opiniões originadas do senso comum, tudo
pela ansiedade de fazer parte de alguma coisa. Já ao nos concedermos momentos
de isolamento, entramos em real conexão com nossos desejos, processamos as
experiências vividas e esculpimos silenciosamente o homem e a mulher que
estamos nos tornando. Ficar sozinho não é estar abandonado, ao contrário: é encontro
dos mais sagrados. Invisível para os outros, extremamente visível para si mesmo.
É divertido
ser invisível e todos nós temos esse poder, basta estar numa festa para 800 convidados,
por exemplo. A visibilidade é que é rara: olhar profundamente para dentro e
enxergar o que ninguém mais consegue ver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário