18
de março de 2013 | N° 17375
ARTIGOS
- Paulo Brossard*
A múmia que fugiu
A
guerra de 1914-18, ainda hoje denominada a “grande guerra”, sepultou monarquias
centenárias, apagou e riscou fronteiras, gerando efeitos múltiplos
precipuamente no mundo econômico e social, abrindo caminho à instalação de três
mais do que formidáveis ditaduras, de três Estados totalitários, de proporções
inauditas, o fascista, o comunista e o nazista.
O de
mais longa duração foi o comunista, que dominou um pedaço do velho continente
em mais de um terço de século, praticamente dominado pela individualidade de
Joseph Stalin. Dia 5 do corrente transcorreram 60 anos de sua morte e era
natural se recordasse o que decorreu a partir de então.
Vítima
de dois acidentes circulatórios em 1923, um terceiro matou Lenin em janeiro do
ano seguinte. Parece desnecessário dizer que com a doença da principal figura
da revolução de 1917, o poder começava a escapar de suas mãos para passar às de
Stalin, praticamente junto ao leito do moribundo.
A
sucessão, como acontece muitas vezes, ensejou luta feroz nas trevas e à luz do
sol e Stalin foi implacável na disputa do poder; recorro a um fato que me
parece ilustrativo, ninguém ignora que, desde o início da revolução, Trotsky
firmara-se como uma das figuras mais expressivas do partido e do governo
bolchevista; era natural, para não dizer inevitável, que Stalin não visse em
Trotsky apenas um companheiro de ideias e de propósitos, mas um rival nada
desprezível; pois bem, depois de um período que não foi de paz, em outubro de 1926
ele foi expelido do Politburo, para em novembro de 1927 ser expulso do Partido
e, como se não bastasse, banido e expulso da URSS em 29 de janeiro de 1929.
Mas
não foi só, durante anos, mesmo exilado, ele foi alvo de constante perseguição;
vivendo no México, lá chegou a sombra de Stalin, e Trotsky foi brutalmente
assassinado em 1940.
Confesso
ter sido uma temeridade pretender escrever sobre os 60 anos decorridos desde a
morte de Stalin, razão por que sou obrigado a riscar dois ou três traços que, a
meu juízo, indicam o sentido dos acontecimentos, pois era imperioso recordar
alguns episódios esquecidos se não ignorados pelas gerações que se seguiram.
Morto
em 5 de março de 1953, os restos de Stalin foram levados ao mausoléu onde
repousava Lenin. Em setembro daquele ano, Nikita Khrushchev assumiu a função
exercida por Stalin. Em fevereiro de 1956, realizou-se o 20º Congresso do
Partido Comunista e nele o sucessor de Stalin fez arrasadora denúncia dos
crimes do stalinismo.
Pode-se imaginar o estupor causado pela terrível acusação
feita não por um inimigo, mas por seu sucessor e colaborador de longos anos. Não
faltou sequer o requinte, os restos mumificados de Stalin, o “Guia Genial dos
Povos”, foram retirados do mausoléu onde fazia companhia a Lenin, ao ensejo do 22º
Congresso Partidário.
Esquecia-me
de lembrar que Leningrado voltou a chamar-se São Petersburgo e Stalingrado a
denominar-se Volgogrado.
Como
é notório, sempre foi conhecida a rigidez da disciplina existente no Partido
Comunista, contudo, a partir do 20º Congresso do PC, operou-se um racha em seu
seio, com reflexos inclusive no Brasil. Uma ala continuou fiel ao stalinismo
sob a direção do legendário “Cavaleiro da Esperança”, a outra se divorciava da
antiga relação alegando ignorar os crimes denunciados... ainda que muitos deles
fossem notórios.
A
história do comunismo foi escrita por Stalin com o sangue de milhões de suas vítimas.
Passados 60 anos, é inacreditável que ainda há os que queiram negar as
atrocidades cometidas e mundialmente reconhecidas.
Isso
nos obriga a refletir que todo totalitarismo começa com a supressão da
liberdade de imprensa, e a partir dela não tem limite.
*JURISTA,
MINISTRO APOSENTADO DO STF
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