12 de março de 2013 | N° 17369
FABRÍCIO CARPINEJAR
Me
deixe em paz
Meu filho foge das fotografias.
É alguém alçar o celular para o alto e ele se esconde
debaixo de colunas e cortinas. Não aguenta máquinas por perto.
Não me chateio, não obrigo que ele mude de ideia, nem
lamento a desistência precoce da vida pública.
Ele não está doente, tampouco é timidez. Não colocarei
Vicente em terapeuta para resolver sua retração. Não vou ofendê-lo de bicho de
mato e constrangê-lo entre os amigos.
O nome do que sente é estresse. Uma postura defensiva
extremamente sadia. Ele está farto de flash, de olhar para cá e ser feliz.
Bombardeamos nossos filhos com a facilidade de imagem.
Exageremos na dose. Eles enjoaram, cansaram, taparam a câmera com a mão.
É Instagram. É Facebook. É Twitter. É Tumblr. Temos que
alimentar diariamente os demônios das redes e eles são nossas vítimas
prediletas.
Vicente entrava no ônibus da escola: foto! Vicente almoçava:
foto! Vicente jogava futebol: foto! Vicente bocejava: foto! Vicente pulava na
piscina: foto! Vicente chorava bonito: foto!
Coitado. Aos 11 anos, ele tem um acervo fotográfico do
tamanho do de Justin Bieber. Desde o nascimento, são centenas de fotos minuto a
minuto de sua existência. Não diria que ele possui um álbum, mas já uma
fotobiografia.
Minha infância foi de plebeu, com 50 fotos no máximo, todas
com roupas de domingo e ao lado dos irmãos. A infância do Vicente é de
imperador, uma muralha da China de poses.
Os pais se transformaram em paparazzi alucinados e loucos
para demonstrar seu amor digital. Montam guarda nas janelas. Realizam vigília
nas portas do banheiro e do quarto.
Encantados com os aparelhos modernos e as versões anuais de
Android e iPhone, perderam o pudor e o senso de medida. Seguem seus pequenos
nas cenas mais recatadas e pessoais para obter o clique diferenciado, que
ficará um luxo com o uso dos filtros.
Não é brincadeira. Subtraímos a privacidade das crianças.
Hoje, estão expostas como atores e atrizes mirins, empurradas precocemente para
a ribalta. Tudo é festa. Tudo é mostrado.
Os meninos e as meninas não têm sossego. Não podem nos olhar
com cara engraçada. Não podem inventar de nos abraçar longamente. Um instante
de bobeira, e seus familiares aproveitam o registro para pôr na web.
Vicente rejeita luzes. Ele pede:
– Me deixe crescer em paz.
Bem que ele faz.
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