ELIANE
CANTANHÊDE
Abolição da escravatura
BRASÍLIA
- A escravatura já tinha sido oficialmente abolida, mas minha bisavó e depois a
minha avó foram cercadas de escravas. Até "ama de leite" o meu pai
teve, antes de a usina ruir sob o peso das multinacionais e a família falir.
Essas
escravas pós-escravatura eram as "crias". Matavam-se dias e noites na
casa-grande, em troca de cama, comida e água fresca na senzala -pela qual
deveriam ser muito gratas às sinhazinhas. Marina Silva sofreu na pele essa história.
Do
outro lado da família, o urbano, minha mãe trabalhou desde sempre e fui criada
por empregadas que vinham "do norte", não tinham onde morar e viravam
"pessoas da família". Eram gratas por serem acolhidas, mas também
mereciam gratidão por cuidarem dos filhos pequenos e tinham salário, direito de
ir e vir, folgas nos fins de semana. Era pouco.
Na
minha geração, com as mulheres mergulhando no feroz mercado de trabalho,
proliferaram os empregados domésticos e vieram a carteira assinada, o salário-mínimo,
as férias anuais, o 13º salário. Ainda pouco.
Já na
das minhas filhas, prevalecem as diaristas, horário estipulado, de segunda a
sexta, todos os direitos. E, em vez de babás, os pais assumem os seus bebês e
contratam creches.
Estamos,
claro, falando de famílias de classe média/média alta de uma parte do país. Em
outra, como no meu Maranhão paterno, ainda há fortes resquícios de escravatura
em pleno 2013. E o pior é quem condena o que ocorre lá, mas discorda da PEC das
domésticas cá.
O
argumento de que "vai ficar caro e faltar emprego" dissimula o velho
pretexto "econômico" para impedir direitos e avanços sociais. Se
fosse só uma questão econômica, a escravatura jamais teria terminado. Nem nos
EUA nem aqui.
Que
o Senado diga "sim", hoje, à nova legislação dos trabalhadores domésticos.
Eles não são mais escravos nem precisam de patrões "bonzinhos". São
profissionais com direitos e deveres como qualquer outro.
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