MARCELO COELHO
Keep
calm and carry on
Antigo
slogan britânico, criado pelo governo em 1939, volta à moda num mundo de mortos-vivos
A
MODA pegou, com mais de 70 anos de atraso. Camisetas, mensagens no Facebook,
capas de caderno, não há lugar onde não esteja reproduzido o velho cartaz britânico:
"Keep calm and carry on".
Ou
seja, "fique calmo e vá em frente". O slogan, pelo que vejo na Wikipédia,
foi criado pelo governo inglês em 1939, para ser divulgado na eventualidade de
uma invasão nazista. A versão clássica traz a coroa do império encimando as
palavras, que se destacam sobre o fundo da bandeira do Reino Unido.
O
cartaz não foi muito usado na época, e ficou nos arquivos governamentais. Uma
rara cópia foi encontrada num sebo em 2000, e só nos últimos anos a frase virou
febre. O mais comum é encontrá-la com letras brancas, sobre um fundo monocromático.
A
graça da coisa está em modificar o slogan para todo tipo de situações. "Keep
calm e faça um boletim de ocorrência." "Keep calm and call Batman."
"Keep calm e aguarde o feriadão." "Keep calm e coma chocolate."
A lista é infinita.
Existem
também as modalidades inversas, que começam com "Get excited", e com "Freak
out": "Dê a louca e quebre tudo", por exemplo.
Manter
a calma eu acho melhor. Qualquer pessoa pode apreciar a sugestão, mas não é casual
que a moda tenha começado na Inglaterra.
Teoricamente,
o slogan deveria servir como incentivo à resistência. Poderia ter sido
utilizado durante o bombardeio alemão sobre a Inglaterra, num momento em que o
país estava sozinho contra Hitler.
Talvez
não tenha sido sequer necessário difundir os tais cartazes. Enquanto choviam
sobre Londres as bombas da blitz, a pianista Myra Hess apresentava, imperturbável,
seus recitais de Beethoven; há um filme em que ela aparece, com um bombeiro ao
seu lado para qualquer emergência.
Teríamos
aí um bom motivo para a frase entrar na moda. Manter as mesmas atividades, num
clima de ameaça, equivale a dar um sentido novo, e mais alto, à própria rotina.
O
slogan traz também o sabor nostálgico de uma época em que governo e população
poderiam, por vezes, parecer uma coisa só. As bombas caem sobre todos.
A
liderança de Churchill naqueles anos de guerra -que também volta a ser
reverenciada atualmente- colocava em cena algumas funções do Estado democrático
que, talvez, estejam em desuso.
Coordenação,
organização, motivação, por exemplo. Uma coisa são as reações individuais que
possamos ter diante de um problema; outra, a atitude que sabemos ser melhor
adotar coletivamente. Uma terceira coisa é um governo que, ouvida a vontade da
maioria, torna-se legítimo ao apontar o rumo a ser seguido.
Depois
de décadas de individualismo e desregulamentação, entretanto, o "keep calm
and carry on", parece adquirir o sentido oposto. Em primeiro lugar,
imagino que a força da crise econômica europeia tenha tido seu peso na
ressurreição do cartaz.
Mantenha-se
calmo, aguente, que um dia passa. A frase naturalmente se aplica a tudo o que não
tem solução, ou cuja solução está entregue a um governo fraco, incompetente e
corrupto: o trânsito nas cidades brasileiras, a criminalidade, o desemprego, os
aeroportos, tudo o que quisermos.
Ao
mesmo tempo, o slogan foi "privatizado", por assim dizer. Torna-se um
convite ao conforto (fique calmo e coma chocolate), ao aperfeiçoamento pessoal (keep
calm and play volleyball), ao consumo (fique calmo e use jeans da nossa marca).
As
adaptações deixam de lado a segunda parte da frase -"carry on", "siga
em frente". Seguir em frente não é tão fácil. Embora não tenha tanto
destaque, essa recomendação me parece a mais significativa para o momento atual.
Trata-se
do slogan de todo zumbi. Como se sabe, esses monstros também voltaram à moda. Depois
dos filmes de vampiro, no estilo de Anne Rice, dos filmes de catástrofe e dos
filmes de história em quadrinho, recorre-se ao velho depósito do terror "trash"
para manter em movimento a indústria cinematográfica.
Vem
aí uma superprodução de zumbis com Brad Pitt. Na época em que o capitalismo
financeiro era mais charmoso, Brad Pitt era um dos belos atores de "Entrevista
com o Vampiro". Os zumbis são um pouco como essas instituições financeiras
que quebraram em 2008 mas seguem vivas até agora, arrastando seus pedaços e "seguindo
em frente". Pedem calma, naturalmente, ao distinto público.
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