16
de março de 2013 | N° 17373
CLÁUDIA
LAITANO
Odeio, logo
existo
Eles
sempre existiram, ainda que não como coletivo organizado e coeso. A maioria
vivia isolada, maturando no porão de suas almas atormentadas uma paixão secreta
(ou nem tanto). Os “haters”, ou “odiadores”, são uma instituição tão típica da
nossa época quanto o smartphone e a barrinha de cereal.
A
tecnologia encarregou-se de lhes dar voz e peso, ampliando seu alcance e
encurtando as distâncias entre os que cultivam afinidades negativas comuns.
Tornaram-se tão importantes como termômetro da fama quanto o número de
paparazzi na frente dos hotéis: para cada fã disposto a comprar uma música do
seu ídolo corresponde pelo menos um odiador capaz de dizer que nunca antes na
história desse país alguém cantou tão mal assim.
Em
volume e empenho, provavelmente não existe grupo de odiadores mais atuante do
que o do cantor Justin Bieber. Os “bieber haters” não se limitam a ironizar a
música, o visual ou a persona pública do guri. Junto com seus discos e o seu
rosto nas capas de revistas, eles parecem querer eliminar do planeta o seu
topete e tudo o que vem embaixo. São uma presença funesta tão incontornável,
que Justin Bieber chegou a dedicar um prêmio a eles no ano passado – o que era
para ser uma ironia, mas pode ser entendido também como uma espécie de
capitulação. Reconhecimento é tudo o que um “hater” deseja.
Um
adulto talvez possa dar-se ao luxo de dedicar ao assunto do ódio na internet a
mesma indiferença reservada aos discos de Justin Bieber. (Isso se esse adulto
não tiver o excruciante costume de ler as seções de comentários em blogs e sites
de notícias.) Para boa parte dos adolescentes de hoje, porém, o odiador virtual
é, em certa medida, um personagem tão cotidiano quanto o porteiro da escola.
Na
arena onde se desenrola boa parte da sua vida social, a internet, odeia-se
muito e apaixonadamente – pessoas, conhecidas ou não, causas, artistas, ideias.
Escolhendo alguém ou algo para atacar, o odiador cria um escudo e uma
identidade ao mesmo tempo. Odeio, logo existo.
Na
escola, uma discussão de colegas que deveria começar e terminar na hora do
recreio pode ganhar a dimensão de uma Batalha de Waterloo se for parar no
Twitter ou no Facebook – onde a plateia costuma entrar na arena para atiçar
leões e mártires e os desdobramentos do embate são sempre imprevisíveis. É
nessas horas que adultos e projetos de adultos precisam caprichar no bom senso.
Pais
sempre tiveram que ensinar aos filhos a usar a razão, a se controlar, a medir
consequências e exercitar a tolerância. A diferença agora é o alcance que
grandes ou pequenas trocas de ofensas podem tomar quando se desenrolam na praça
pública da rede social, onde a reação de polegares digitando uma resposta
desaforada pode ser muito mais rápida do que a de um neurônio processando a
informação. (Se inventassem um teclado à prova de impulsos, provavelmente
haveria muito menos bobagem na internet.) Responder a um “hater” no mesmo tom é
ser dominado e rebaixado por ele.
“Haters”,
“trolls” e outras criaturas das trevas estão aí para ficar. São uma doença sem
cura, mas talvez seja possível fazê-los sofrer cortando o suprimento daquilo
que mais necessitam: atenção.
Ou,
no caso do Justin Bieber, simplesmente continuando a fazer sucesso.
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