22
de março de 2013 | N° 17379
J.
A. PINHEIRO MACHADO
A guerra da
sedução
Lord
Byron acreditava que “em Veneza estão as ilhas verdejantes da imaginação”.
Correm pelos velhos canais da cidade histórias inesquecíveis de sedução – do
próprio Byron, de Casanova, de Don Juan e de anônimos venezianos... Uma delas
testemunhei no legendário Harry’s Bar.
Ali
estava aquela jovem mulher de traços delicados, olhos claros carregados de
melancolia, cabelos de um dourado intenso, luminosos 25 anos... Como diria o
Dr. Toledo: não era uma mulher, era uma Ciência. A guerra do Harry’s Bar, entre
Mister X e o Sr. Graúna, pelo domínio da Ciência, ia começar. Assisti a tudo,
como se fosse um filme, de uma mesa próxima.
O
ambiente de guerra na mesa de toalha imaculada do fim de tarde em Veneza, onde
Mister X e o Sr. Graúna disputavam aquela princesa, lembrava o combate cruento
pelas Black Hills, quando o estado-maior unificado dos sioux (Touro Sentado,
Nuvem Vermelha, Galha e Cavalo Doido) enfrentou, e esmagou, três divisões do
exército norte-americano comandadas por Custer, Sherman e Crook.
O
primeiro movimento de Mister X foi tão inesperado quanto a histórica carga de
cavalaria dos índios, com os pelotões de Galha e Nuvem Vermelha avançando em
forma de pinça, permitindo que Cavalo Doido isolasse a divisão de Custer, nas
Black Hills. A carga de Mister X foi em forma de afago na vaidade da princesa:
“Sempre fico confuso sobre a cor dos seus olhos. Eles me parecem de um curioso
tom esverdeado de violeta”.
Para
acompanhar a galanteria, Mister X ordenou ao garçom prosciutto e rúcula com um
vinho tocai italiano de Livio Felluga. A opção pelo vinho local era uma
concessão tática à urgência do momento: se dependesse da sua alma, Mister X não
hesitaria em ordenar um sólido Château Haut Brion (Pessac Leognan), de
preferência 1990, para celebrar aquela princesa. Desconcertado, o Sr. Graúna
percebeu a sedução avançando, e a princesa lhe escapando.
Então,
repetiu o mesmo erro desesperado que, havia um século, o general Crook
cometera, ao tentar salvar Custer do cerco de Cavalo Doido: arriscou um ataque
frontal. Disse o Sr. Graúna, olhando Mister X com sarcasmo e superioridade:
“Humm!... Quanta autoridade para escolher vinhos... Autoridade ou impunidade?
Que eu saiba, você não é enólogo”.
Mister
X ergueu o cálice de tocai (o Felluga brilhava!) e, com a mesma criatividade de
Cavalo Doido um século antes, aparou o ataque: “Ser enólogo não é condição para
amar e compreender um vinho. Da mesma forma, eu não preciso ser oculista para
me deslumbrar com os belos olhos desta jovem”.
A
princesa sorriu, encantada. A expressão do Sr. Graúna lembrava Custer, de
cabeça baixa, cercado pelos sioux.
É
inevitável lembrar os versos de Paulo Mendes Campos: “Que âncoras poderosas
carregamos em nossa noite atribulada! Que força de destino tem a carne, feita
de estrelas turvas e de nada!”.
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