FERREIRA
GULLAR
A revolução que não houve
Chávez
intitulou seu regime de "revolução bolivariana", embora não tivesse
feito qualquer revolução
Hugo
Chávez foi, sem qualquer dúvida, um líder carismático que aliava, em sua atuação,
a audácia e a esperteza política. Desde cedo, a ambição de poder determinou
suas ações, que o levaram da conspiração nos quartéis às manobras populistas
características de seu projeto de governo.
Sempre
soube o que deveria fazer. Compreendeu, desde logo, que teria de atender às
necessidades de grande parte da população que, ignorada pela oligarquia
venezuelana, vivia na miséria.
Ganhar
a confiança dessa gente, atendê-la em suas carências, era a providência
eticamente correta e, ao mesmo tempo, o caminho certo para tornar-se um líder
de imbatível popularidade. Mas, para isso, teria que enfrentar os poderosos e
obter o respaldo das forças armadas, às quais, aliás, pertencia. Foi o que fez
e ganhou a parada.
Outro
traço característico de Hugo Chávez era o pouco respeito às normas democráticas.
Se é verdade que ele chegou ao poder pelo voto e pelo voto nele se manteve, é certo
também que se valeu do prestígio popular e de alguns erros dos opositores para
controlar os diferentes poderes da nação venezuelana, impor sua vontade e
consolidar o poder discricionário.
Nesse
sentido, o que ocorreu na Venezuela é um exemplo de como o regime democrático,
dependendo do nível econômico e cultural da população de um país, pode abrir
caminho para um governo autoritário que, dependendo da vontade do líder, anulará
a ação política dos adversários, como o fez Hugo Chávez.
Ele
não só fechou emissoras de televisão como criou as Milícias Bolivarianas, que,
a exemplo da conhecida juventude nazista, inviabilizava pela força as manifestações
políticas dos adversários do governo.
Para
culminar, fez mudarem a Constituição para tornar possível sua reeleição sem
limites. Aliás, é uma característica dos regimes ditos revolucionários não admitir
a alternância no poder. Está subentendido que sua presença no governo garante a
justiça social com a simples exclusão da classe exploradora e, portanto, como são
o povo no poder, não há por que sair dele.
Chávez
intitulou seu regime de "revolução bolivariana", embora não tivesse
feito qualquer revolução. O que fez, na verdade, foi dar comida e casa aos mais
necessitados, o que, ao contrário de levar à revolução, leva à aceitação do
regime pelos que poderiam se revoltar. Daí a necessidade de haver um inimigo,
que ameace tomar o que eles ganharam. E o líder -Chávez- está ali para defendê-los.
O
azar dele foi o câncer que o acometeu e que ele tentou encobrir. Quando já não
pôde mais, lançou mão da teoria conspiratória, segundo a qual seu câncer foi
obra dos norte-americanos. Como isso ocorreu, nem Nicolás Maduro nem Evo
Morales se atrevem a explicar.
De
qualquer modo, tinha que se curar e foi tratar-se em Cuba, claro, para que
ninguém soubesse da gravidade da doença, que o obrigaria a deixar o governo. Sucede
que o câncer não cedeu à onipotência do líder, obrigando-o a ausentar-se da
Venezuela e da chefia do governo, por meses seguidos. O povo venezuelano,
naturalmente, desejava saber o que se passava com o seu presidente, mas nada
lhe era dito.
No
entanto, Chávez deveria disputar eleições em 2012 para manter-se no governo e,
por isso, voltou à Venezuela dizendo-se curado. Foi reeleito, mas teve que
voltar às pressas à UTI em Havana. Daí em diante, mais do que nunca, o sigilo
foi total: está vivo? Está morto? Vai voltar? Não vai voltar? Pela primeira
vez, alguém governou um país de dentro de uma UTI.
Chega
a data em que teria que tomar posse, mas continuava em Cuba. Contra a Constituição,
Nicolás Maduro, que ele nomeara seu vice-presidente, assume o governo, embora já
não gozasse, de fato, da condição de vice-presidente, já que o mandato do próprio
Chávez terminara.
Mas,
na Venezuela de hoje, a lei e a lógica não valem. Por isso mesmo, o próprio
Tribunal Supremo de Justiça -de maioria chavista, claro- legitimou a fraude, e
a farsa prosseguiu até a morte de Chávez; morte essa que ninguém sabe quando,
de fato, ocorreu.
Durante
o enterro, Nicolás Maduro anunciou que Chávez seria embalsamado e exposto para
sempre à visitação pública, como Lênin e Mao Tse-tung. Um líder revolucionário
de uma revolução que não houve. Não resta dúvida, estamos em Macondo.
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