17
de março de 2013 | N° 17374
VERISSIMO
A loucura de
Deus
Pedro
era a pedra sobre a qual se ergueria sua igreja, disse Jesus, no primeiro
trocadilho registrado pela História, segundo o Millôr. Mas foi Paulo quem a
construiu. O apóstolo propagador levou o Cristianismo a todos os cantos do
mundo conhecido e, na sua pregação, definiu o que havia de diferente na nova
religião. Opondo-se a Pedro e aos cristãos primitivos de Jerusalém, Paulo
marcou a distância entre a nova crença e suas raízes judaicas.
E
para marcar sua distância da filosofia grega dominante proclamou o Cristianismo
livre do racionalismo e do empirismo. Sapientiam sapientum perdam destruirei a
sabedoria dos sábios disse Paulo, referindo-se a todas as formas de pensamento
que a religião chegava para deslocar.
Na
sua primeira epístola aos Coríntios, Paulo escreveu, pelo menos na minha edição
da Bíblia, que a “loucura” de Deus era mais sábia do que a sabedoria de todos
os sábios, “loucura” significando o descompromisso da fé com a lógica. Nascia
aí a discórdia entre a Igreja e a Ciência que atravessaria os séculos.
Se
Pedro foi o pai da Igreja como entidade mística, Paulo foi o pai da Igreja como
entidade política e prática, e desde então as duas tradições competem ou se
completam na luta contra o secularismo e a razão científica. É a força mística,
a “loucura”, da Igreja que a mantém viva até hoje, é a força política que ela
mobiliza nas suas batalhas históricas para manter-se relevante. Suas lutas
contra heréticos como Galileu eram menos para defender conceitos consagrados
como o Universo geocêntrico e mais para preservar poder político ameaçado, o
que equivale a dizer que em muitos casos o obscurantismo da Igreja era
pragmatismo mal pensado.
A
Inquisição não aconteceu como terror contra agentes do Diabo e descrentes da Fé
verdadeira, foi uma prolongada encenação de poder, um mise-en-scéne político
com turnê internacional. A origem do terror não foi, portanto, a Igreja do
simples e místico Pedro mas a do intelectual e craque em marquetchim Paulo
O
admirável é que a força mística da Igreja de Pedro tenha sobrevivido a todas as
derrotas políticas da Igreja de Paulo. Agora mesmo se discute a relevância de
uma Igreja que se posiciona contra o uso de preservativos que podem evitar
doenças e morte e contra experiências genéticas que podem salvar vidas - em
nome de uma sacralização da vida. Dá quase para dizer que a “loucura” de Deus,
fora do contexto em que Paulo a usou como sabedoria superior à razão e à
lógica, é loucura mesmo.
Alguns
dos novos pecados capitais publicados pelo Vaticano são surpreendentes. Agora é
pecado ficar rico demais. O Vaticano só não especificou quanto é demais, talvez
incerto sobre a sua própria riqueza. E perderam a oportunidade de transformar
em pecado mortal, passível de uma eternidade no inferno, atender celular no
cinema.
As
igrejas de Pedro e de Paulo continuam competindo, como se viu na escolha do
novo papa (estou escrevendo antes da fumaça branca). O que será mais temível,
uma vitória de Pedro e dos simples em extinção ou uma vitória de Paulo e sua
sede de relevância e poder, já que para as duas igrejas o descompromisso com a
lógica das “loucuras” de Deus é o mesmo?
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