23
de março de 2013 | N° 17380
CLÁUDIA
LAITANO
Templo de guerra
Um
dos últimos vídeos da rapaziada do Porta dos Fundos, grupo de comediantes que
se tornou um fenômeno de público na internet, mostra uma moça chegando ao céu e
descobrindo, para seu espanto, que o Deus verdadeiro não era o dos cristãos, muçulmanos
ou judeus, mas uma divindade de pouquíssimo ibope adorada apenas numa remota
ilha da Polinésia. Resignada a passar o resto dos seus dias no inferno por ter
seguido a religião errada, a moça faz apenas um pedido à divindade que a
recebeu no além:
– Será
que eu podia dar essa notícia para o Malafaia quando ele chegar por aqui?
Fazer
piada com religião dos outros ou mesmo falar sobre o assunto de forma
excessivamente ostensiva já foi tabu no Brasil. Não mais. Nos últimos anos,
temos assistido a um inédito acirramento de ânimos religiosos, o que dá origem
não apenas a piadas e provocações mútuas, mas a uma certa dificuldade de manter
a conversa num tom respeitoso.
Está
ficando cada vez mais distante aquele tipo de arranjo social, tão à moda
brasileira, em que católicos, evangélicos, espíritas, judeus e ateus esforçavam-se
em acomodar seus credos e não credos em uma grande faixa intermediária distante
dos extremos.
A
presença de grupos religiosos articulados no Congresso Nacional parece ter
precipitado esse clima de confronto. A fé instalou-se no centro de debates que
envolvem não apenas convicções religiosas, mas uma determinada visão de Estado.
A
chamada Frente Parlamentar Evangélica, que reúne 68 deputados, tem se
articulado para votar em bloco segundo suas convicções. Para efeito de equilíbrio
de forças, o ideal seria que membros de diferentes partidos conseguissem
colocar em pé uma espécie de “Frente Laica”, com o mesmo tipo de organização e
disposição para o debate. Infelizmente, é pouco provável que isso aconteça
enquanto a sociedade civil não abraçar a ideia do Estado laico com a mesma
determinação e diligência demonstrada pelo lobby religioso.
Manifestações
recentes como a do Conselho Federal de Psicologia, que deixou claro que a “cura
gay” não é apenas uma picaretagem, mas uma prática intolerável na profissão, e
do Conselho Federal de Medicina, que esta semana pediu a alteração do Código
Penal para que as mulheres tenham o direito de realizar o aborto até a 12ª semana
de gestação, são fundamentais para enriquecer o debate com posições divergentes.
De
um jeito talvez um pouco torto, a ruidosa bancada evangélica está obrigando o
Brasil a sair da confortável, porém preguiçosa, posição de acomodação diante de
alguns assuntos mais polêmicos. Quem está convencido de que a legislação sobre
o aborto no país é arcaica ou que os casais homossexuais deveriam ter os mesmos
direitos que os outros já não pode se dar ao luxo de ficar em silêncio. É preciso
falar pública e enfaticamente sobre isso – e votar em políticos que se
comprometam com essas causas.
Se
Deus é polinésio, universal ou não existe é uma questão que cada um vai
resolver intimamente da forma que puder. Quando entra no debate político, porém,
a religião deixa de ser assunto privado, expondo-se àquele tipo de
questionamento do qual se manteria resguardada se ficasse restrita ao plano da
orientação espiritual.
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