19
de março de 2013 | N° 17376
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Não tire seus lindos sapatos
É uma
agressão exigir que a mulher tire os sapatos para entrar em sua casa.
Você
pode ser oriental, budista, maníaco por limpeza, não peça.
Sei
que é higiênico, livra a residência de sujeira e contaminações, e também é um
modo de erradicar as energias negativas do vaivém da rua, e ainda de poupar o
piso de madeira dos arranhões.
Mas
não peça. É um crime estético obrigar a mulher a tirar o sapato.
Ela
somente deve renunciar esse direito ao baixar a hospital. Em nenhum outro lugar.
E no hospital, tanto faz o que calça, irá se desvencilhar da vaidade de
qualquer jeito com a deprimente camisola aberta nas costas e aqueles detestáveis
chinelos descartáveis.
Afora
as emergências, é um vexame se despedir subitamente dos sapatos.
Em
festa ou encontro com amigos, ela se verá altamente constrangida. Não se trata
de vergonha dos pés ou do joanete, não é um recalque e problema psicológico, não
é receio de chulé.
Ao
tirar os calçados, ela desmancha sua roupa. Acaba com seu traje. Liquida com
sua produção. Ela definiu a combinação inteira das peças a partir deles: a cor,
o tecido, o humor. Toda mulher é uma cinderela adormecida, não pise em seus
calos.
Obrigá-la
a permanecer descalça é o equivalente a ordenar que ela fique nua. O sapato é tão
íntimo quanto a lingerie. Escolhido com esmero para repercutir as virtudes do
corpo.
Forçar
sua dispensa é um estupro social. Sem o cobiçado par, a visitante não encontrará
sentido e posição relaxante. O temperamento murcha, o tom sobre tom perde o
brilho. Mais drástico que receber chuvarada, mais agressivo que estragar um zíper.
Se
ela está com vestido negro curto e abdica das botas altas, trocará o clima de
totalmente selvagem pelo desamparo de alma penada.
Para
a mulher, até o sofrimento precisa ser ensaiado. Odeia ser pega desprevenida,
desprovida de plano alternativo.
O
acessório determina o estilo, nunca será um detalhe insignificante. Influencia,
inclusive, seu penteado. Põe altura e equilibra o conjunto. Dois centímetros a
menos podem destruir um figurino. Deixar de lado o salto no momento de
reencontrar o ex é chamar a morte, é anular alguma chance de superioridade.
O
homem dificilmente entenderá. Sem sapato, a meia-calça vai desfiar, não tem
como andar. Ou, pior, a meia-calça com um furinho estratégico nos dedos acabará
sendo revelada.
O
sapato não faz parte do vestuário, está muito além disso, representa um fígado
para a ala feminina, de transplante difícil e delicado.
Não
ouse humilhá-la com normas e restrições.
A
mulher ama mesmo um capacho.
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