10
de março de 2013 | N° 17367
QUASE
PERFEITO | Fabrício Carpinejar
Superpoder feminino
Só a mulher tem a liberdade de se sentir ofendida e
se retirar a qualquer momento de qualquer local. Ela tem um passe-livre da
mágoa. Uma pulseira vip do camarote da tristeza. O homem não. O homem nem
pensar.
Eu
invejo esse superpoder. É uma habilidade sobrenatural, muito melhor do que os
dois braceletes indestrutíveis da Mulher-Maravilha, que repele balas e raios,
ou de sua tiara que funciona como bumerangue. Sua namorada pode estar
conversando com você num bar, de uma hora para outra fechar a cara e deixá-lo
plantado na cadeira.
Ela
evaporará da multidão sem explicar nada. Você herdará a caipirinha de morango
ainda cheia. Terá que ir atrás dela. Pagar a conta e ir atrás dela. Pagar a
conta, retirar seu carro do estacionamento e ir atrás dela.
Não
entenderá o que aconteceu para gerar a atitude intempestiva. Mas ela é que tem
razão. Foi você que disse algo que a desagradou profundamente. Uma palavra
áspera, uma grosseria involuntária, uma falta de gentileza são suficientes para
abandoná-lo.
Por
se ver sempre culpado, o homem corre igual a uma ovelha no encalço de sua
pastora. Como não compreende o desaparecimento, conclui que é um idiota. Além
de ferir, tampouco percebeu que feriu. Duplamente consternado por não conter a
agressividade e não se dar conta dela.
Todo
sujeito se desespera. Não tem tempo de pensar e voa em direção ao pedido de
desculpa. Ela não facilitará as pazes: em prantos, desligará o celular, não
permitirá que entre em casa e dirá que não quer mais falar com você.
Nenhum
marmanjo resiste a ser esquecido em público: é a flechada derradeira do cupido.
Já
fui largado em cinema, teatro, balada, pub, shopping, boliche. E nunca
permaneci parado, atirei-me à rua para reavê-la. Bate um medo da fúria
feminina, do que ela pode cometer quando consternada. Responsabilizo-me por
eventual fatalidade. Esquecerei pudores e cuidados com a reputação. Gritarei
“me espera!” na Padre Chagas lotada, vou subir o velocímetro na Ipiranga (não
há maior perseguição policial do que entre dois motoristas apaixonados e
brigados).
Já o
homem não desfruta desse direito. Se abandonar sua companhia no meio de um
compromisso, mesmo com a realidade a seu favor, ele é um estúpido, um mau
caráter, um boçal.
Será
visto como um covarde pelo resto do relacionamento. Como que ele leva uma
convidada para um lugar e não sai do estabelecimento acompanhado dela?
O
sofrimento masculino tem a obrigação de ser educado.
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