10
de março de 2013 | N° 17367
MARTHA
MEDEIROS
Diga-me o que veneras
Talvez
isso diga tudo sobre aquela incômoda sensação de inferioridade que ainda não conseguimos
vencer
Venerar:
prestar culto, adorar. Respeitar ou admirar muito. Reverenciar. Isso segundo os
dicionários, pois eu ainda acrescentaria: ficar com os quatro pneus arriados,
perder o senso, surtar. Pois é, tenho pensado nesse verbo venerar e descoberto
coisas.
O
que você venera? Refiro-me a algo que você idolatra íntima e secretamente, algo
que lhe parece inatingível – ao menos você supõe que é inatingível. Não estou
falando de se aproximar de ídolos ou visitar lugares paradisíacos, e sim das
suas carências de infância: o que você venera e que nunca possuiu, e, por não
possuir, acabou tornando-se refém?
O
que você venera é seu ponto fraco.
Digamos
que você venere a inteligência e a cultura. Foi criado sem acesso a cursos,
livros e cinema, e acabou desenvolvendo uma fissura por tudo o que pareça
intelectualizado num grau acadêmico que você nunca sonhou roçar.
Fica
pasmo diante de qualquer pessoa que fale sobre o que você não conhece, extasia-se
diante de tanta erudição, que talvez nem seja tanta assim, mas que você vê como
imensa. Olhe para si mesmo: tão aparentemente seguro, mas embasbacado diante de
qualquer um que saiba meia-dúzia de palavras em latim ou que lembre quem ganhou
o Oscar em 1972.
Digamos
que você venere a beleza. Foi o patinho feio da escola, desde cedo compreendeu
que não ganharia nem o título de miss simpatia, e foi o que bastou para dar
pane no cérebro: diante de um belo espécime, cai de joelhos. De que adianta
tanta leitura, tanto estudo, tamanho acervo de conhecimento? Basta um par de
olhos verdes piscantes em sua direção e seu QI cai a níveis subterrâneos.
Digamos
que você venere a segurança, já que nunca teve certeza de que seu pai voltaria
para casa ao fim do dia e de que sua mãe não fugiria com o vizinho. Basta que
alguém tenha um cargo de poder, opiniões bem sedimentadas e um endereço fixo
para que você o adote como pai ou mãe substitutos. Enfim, uma muleta que o
sustente. A pessoa eleita sabe como conduzir o dia, articula claramente as
ideias, reage bem a imprevistos. Você funda uma religião: ele ou ela é agora
seu Deus, e você será um eterno discípulo.
Digamos
que você venere o dinheiro: sempre teve que implorar por trocados, nunca teve o
suficiente para seus sonhos, considerava-se o mais pobre da turma, aquele que
os professores, insensíveis, delatavam na frente da classe como o aluno com a
mensalidade da escola atrasada. Basta saber que a parceira de escritório passa
as férias em Fort Lauderdale ou que o companheiro de bar tem um carro que vale
um iate, e seu conceito de “amizade de infância” se expande a uma velocidade
surpreendente.
O
que você venera? Seja o que for, preste atenção. Talvez diga tudo sobre aquela
incômoda sensação de inferioridade que cada um de nós, disfarçadamente, ainda não
conseguiu vencer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário