05
de novembro de 2012 | N° 17244
ARTIGOS
- Paulo Brossard *
O futuro da imprensa
Lembro-me,
como se fosse hoje, de quando entrou a circular o Jornal da Tarde (JT); com os
primeiros exemplares que ganharam as ruas o jornal adquiriu sua reputação,
tamanha a diferença entre ele e os muitos até legendários periódicos editados
no Rio de Janeiro e em São Paulo, sem falar nos dos Estados; não se confundia
sequer com o O Estado de S. Paulo, de cuja ilharga se despregara; seu perfil
era novo, salvo quanto à filosofia de ambos, pois a ambos era comum.
O
“Estadão”, com suas cicatrizes havidas em situações inenarráveis e a altivez
centenária a enfrentar novos desafios, continuava a ser o que sempre fora,
fazendo lembrar um cedro majestoso. O JT começava a vida a espargir talento e
graça, com prosa corrente e concepções elegantes, enfim, com finura e arte em
um mundo que mudava todos os dias.
Quando
todas as folhas disputavam milímetro a milímetro os espaços, o JT deixava
vazios desde a primeira página a encher de vozes os mudos espaços desocupados.
Não sei por que o jornal me fez lembrar um breve ensaio, menos de cem páginas,
de um homem de letras moço e já consagrado, hoje quase esquecido, Ronald de
Carvalho, intitulado Rabelais et le Rire de la Renaissance.
Guardadas
as devidas proporções, também um riso parecia ouvir-se até nos espaços vazios
distribuídos pelas sisudas páginas dos melhores periódicos. E, como as coisas
boas e belas também se apagam, é triste o dia em que se extingue um jornal
inovador e fecundo.
Enquanto
isso, a liberdade de imprensa sofre penas a que está sujeita na Venezuela,
Equador, Argentina, sem falar em Cuba, como penou entre nós, durante anos, e
ainda agora não faltam os que pretendem a “regulação dos meios de comunicação”.
Os
caminhos da vida me foram afastando de muitas coisas, inclusive a de acompanhar
jornais e jornais da melhor qualidade, até ter a triste notícia que anunciava o
iminente encerramento do JT.
O
termo vital de um jornal como foi o Jornal da Tarde tem a plangência de
finados, tanto mais quando ocorrido no maior Estado da federação econômica e
culturalmente, assim como em valores nos mais variados setores do saber humano;
qual a explicação? De mais a mais, se isto ocorre em São Paulo, que se pode
esperar em outros de notórias carências?
Eu
teria observações a acrescentar, mas prefiro reproduzir os períodos finais do
editorial “O JT sai da cena”, que O Estado de S. Paulo estampou no dia em que o
Jornal da Tarde emudeceu.
“(...)
No momento em que não só o jornalismo, ferramenta essencial da democracia, mas
o pensamento escrito como um todo se debatem novamente numa crise que é,
essencialmente, uma crise universal de desajuste de velocidades, vale a pena
nos determos mais uma vez nesse aspecto que, para o bem e para o mal (quando a
vantagem do tempo de processamento lhe foi suprimida), definiu a história e a
trajetória do Jornal da Tarde.
(...)
A submissão acrítica ao fascínio da velocidade sem rumo devolve a humanidade a
uma crescente incapacidade de pensar e vai reduzindo a vida a uma sucessão de
reações automatizadas de sobrevivência onde somos nós que, em bando, servimos
às máquinas e não elas que nos acrescentam à individualidade, à segurança e ao
conforto material ou espiritual.
Superar
a barbárie e dar a cada homem as rédeas do seu próprio destino é o objetivo da
democracia. O jornalismo está a serviço dela e esta, há 137 anos, tem sido a
casa do jornalismo.
É
nossa a responsabilidade, agora discutindo o papel central que nós próprios
temos tido na construção dessa nova Babel, de contribuir para deter essa
voragem e devolver aos homens o grau possível de controle sobre suas vidas.
O JT
fez parte desta obra ao abrir novos caminhos. Cabe-nos continuar a
percorrê-los.”
*JURISTA,
MINISTRO APOSENTADO DO STF
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