18 de novembro de 2012 | N° 17257
VERISSIMO
Paris como era
Lembro que as pessoas vinham de Paris com histórias
inacreditáveis. Em Paris as mulheres fumavam na rua. Em Paris viam-se casais se
beijando (na boca!) nos bancos de praça. Em Paris era comum ver-se casais de
negros e brancas e (menos comum) negras e brancos, e ninguém dava bola.
Também se comentava que os parisienses não gostavam muito de
banho, e que viajar apertado com eles num metrô era um teste de tolerância com
os cheiros dos outros. Mas isto talvez se devesse à escassez de água quente nos
prédios antigos, onde elevador também era uma raridade.
Quem vinha de Paris falava muito nas “caves”, porões em que
se conversava, se bebia vinho, às vezes se ouvia jazz e, acima de tudo, se
fumava, se fumava muito. Falava das “concierges” dos velhos prédios, uma raça
conhecida pela sua misantropia, que só perdia em rabugice para motoristas de
táxi, mas que era quem fazia a cidade funcionar. Parisienses eram irritadiços e
impacientes com estrangeiros.
Em compensação, você podia sentar numa mesa do Café de Flore
ou do Les Deux Magots, no Boulevard Saint-Germain, pedir um cafezinho e passar
a tarde, esperando que o Sartre e a Simone de Beauvoir começassem uma briga na
mesa ao lado.
Algumas coisas não tem mais. Não se sabe que fim levou as
velhas “concierges”, todas substituídas por portuguesas ou portugueses.
Especula-se que estejam todas num retiro onde passam o tempo se intrigando
mutuamente. Os motoristas de táxi, pelo menos na nossa experiência,
civilizaram-se. Há água quente para quem quiser.
Um problema persistente é o despreparo da cidade para
enfrentar o calor: só agora o ar refrigerado se banaliza, certamente por
exigência dos turistas. E algumas coisas continuam as mesmas. Ainda se fuma, em
Paris, provavelmente mais do que em qualquer outra cidade do mundo (mas não nas
“caves” onde fumar agora é proibido). O Café de Flore e o Deux Magots continuam
lá, mas são poucas as probabilidades do turista ver alguém conhecido. A não ser
algum turista da sua própria cidade, claro.
Quando conheci Paris, os ônibus ainda eram aqueles com uma
sacada atrás. Se você perdesse o ônibus podia persegui-lo e tentar pular na
sacada – coisa que, mesmo com 50 anos menos, eu nunca fiz.
Lembro da primeira vez em que saí do buraco do metrô e dei
com o Champs-Élysées, e de repente tudo que eu tinha ouvido contar da cidade e
seu cosmopolitismo se materializou ali na minha frente, na grande avenida. Eu
estava, decididamente, em outra ideia de urbanismo, em outra ideia de
civilização.
Voltei a Paris, depois, várias vezes. Mas nunca a emoção foi
igual àquela.
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