26
de novembro de 2012 | N° 17265
ARTIGOS
- Paulo Brossard*
Não é
botequim
Se
não estou enganado, a maioria da nação, das faixas mais letradas às de menor
ilustração, recebeu de modo alvissareiro os resultados até agora conhecidos da
ação penal 470, ou seja, do “mensalão”.
É
certo que ele teve e está tendo publicidade jamais vista em relação a qualquer
processo; é ainda de considerar que a ação começou e deverá ser ultimada no
Supremo Tribunal Federal e este se apresenta aos olhos da Nação desataviado,
bem como seus membros; as próprias divergências, às vezes um tanto estranhas,
permitem a apreciação por parte de qualquer pessoa, seja familiarizada com a
linguagem jurídica ou não.
Até
onde sei, nenhuma Corte Suprema adota a publicidade que a nossa mantém, mesmo
sem considerar a inovação recente de franquear sua intimidade ao poder
incontrastável da televisão. De qualquer sorte, nenhuma ação terá sido de tal
maneira devassada do princípio ao fim como a do “mensalão”, com seus agentes,
seus temas, seus envolvimentos, seus efeitos, suas perspectivas e,
principalmente, suas conclusões quando chegada à fase decisória, de modo que
todos tiveram meios para formar um juízo acerca do agora famoso processo.
De resto,
não me ocorre outro feito que tenha tido e continue a ter no estrangeiro a
repercussão alcançada pelo “mensalão”.
Ora,
o ex-presidente Luiz Inácio não podia ignorar a matéria explosiva que o
“mensalão” guardava e chegou a anunciar que, terminado o seu governo,
dedicar-se-ia a demonstrar a inexistência dele, a farsa armada. Ignoro se o
ex-presidente não acreditava na concretização do processo e em sua eficiente
execução, passo a passo, com a observação precisa de suas fases. O certo é que
se retraiu e, ao que me lembro, quase se limitou a repetir que o “mensalão” não
existira e se tratava de uma fantasmagoria...
Contudo,
com o andamento da ação penal, surgiam fatos e mais fatos da maior gravidade
capazes de ilustrar boa parte do Código Penal! E o presidente retirou seu
cavalo da chuva. Ele, que é falante, virou discreto. Enfim, fatos inegáveis
afastaram o ex-presidente da posição de evidência em que se colocara e veio a
ceder lugar para o partido, cujo presidente tem se limitado a agravar o Supremo
Tribunal Federal de maneira incivil: tratar-se-ia de “julgamento político” de
modo a “criminalizar o PT”. (sic)
“Julgamento
político” importa em dizer que o tribunal não julgou como tribunal, segundo a
lei, mas por critérios de oportunidade e conveniência. Ora, a imputação foi
repetida, mas nunca comprovada. Saliente-se essa imputação é das piores que se
pode atirar em um juiz.
E
como se não bastasse, o manifesto acrescenta que o “julgamento político”
objetivava “criminalizar o PT”, como se isso fosse compatível com a
distribuição da justiça e não fosse sua negação frontal.
Dito
a um juiz, por mais modesto que seja, é uma ofensa humilhante intolerável.
Lançar esse aleive a um tribunal, o mais alto da República, seria inconcebível
e imperdoável. Endereçado por um partido que, por suas responsabilidades
legais, públicas e sociais, não pode igualar-se a um traficante da honra, seja
de uma pessoa, uma instituição, ou um dos poderes do Estado, exatamente o
Judiciário, excede a todos os limites.
O
assunto comportaria desdobramentos vários e relevantes, mas farei apenas uma
observação de ordem fática, para mostrar a sesquipedal monstruosidade
articulada por um partido que elegeu o ex-presidente, a atual presidente e
vários governadores.
Note
o leitor que o Supremo Tribunal Federal desse modo insultado e desrespeitado se
compõe de 11 juízes, dos quais oito foram escolhidos pelos presidentes presente
e passado; ambos petistas e compõem a maioria absoluta da Corte; daí resulta
que as agressões ao Supremo pelo PT envolveriam e atingiriam também os oito
juízes nomeados nos dois governos petistas, fossem eles seis, e ainda assim a
maioria absoluta do STF. Os Catões que se jogaram contra o Supremo Tribunal
Federal cuspiram para cima...
Xingar
o juiz no botequim, em meio às cervejas, pode ser próprio ao futebol, tão
utilizado pelo ex-presidente, mas não é próprio para um julgamento da mais alta
Corte do país, feito aos olhos da Nação.
*JURISTA,
MINISTRO APOSENTADO DO STF
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