14 de novembro de 2012 |
N° 17253
MARTHA MEDEIROS
Brasília e as distâncias
Estive em Brasília na semana
passada para um evento que me encheu de orgulho. Fui receber a medalha da Ordem
do Mérito Cultural, entregue pelas mãos da presidente Dilma Rousseff em
cerimônia realizada no Palácio do Planalto.
Aproveito para cumprimentar os
outros dois premiados do Sul nessa festa que teve como principal homenageado
Luiz Gonzaga: a professora e doutora em Educação Cleodes Ribeiro, que reside em
Caxias, e a Fundarte, de Montenegro. Compartilhamos esse momento ao lado de
Marieta Severo, Regina Casé, os irmãos Campana, Elba Ramalho, além de ilustres
póstumos como Plínio Marcos, Mazzaropi, Jorge Amado, Herivelto Martins e outros
nomes de igual estatura.
Éramos 40 representantes da
cultura brasileira, entre pessoas físicas e jurídicas, vivas e falecidas, e, se
me permitem a piada, em trânsito: Orlando Orfei, aos 90 anos, compareceu frágil
em sua cadeira de rodas, comovendo a todos que tiveram infância.
Mas, afora essa introdução
cabotina, quero falar sobre Brasília. Foi a sexta vez em que lá estive, e não
consigo mudar minha impressão: não é uma cidade, e sim uma instalação a céu
aberto com obras do magnífico Oscar Niemeyer. Não há como não ficar impactado
com seu trabalho grandioso e atemporal. De resto, a Capital Federal é uma
abstração.
Brasília é plana – e fruto de um
plano, imagino: impor distância entre o governo e o povo. A localização parece
estratégica no bom sentido (no centro do país, o que, em tese, promoveria uma
aproximação democrática com todos os Estados), mas na prática Brasília está
ilhada em meio ao cerrado, observando os brasileiros de binóculos.
Nada convida à aproximação.
Imensos terrenos separam os prédios. A cidade é dividida em setores que não se
comunicam com facilidade. Caminhar em Brasília é um desconsolo, uma travessia
solitária em meio à geometria fria e monocromática das ruas.
A cerimônia de premiação se deu
pela manhã, e no início da noite fomos convidados para um coquetel no Palácio
da Alvorada, onde a presidente, junto a alguns ministros, recebeu-nos como uma
dona de casa recebe: com alegria, afeto, descontração.
Havia quadros, tapetes, cortinas,
um lindo jardim com piscina e a presença de Chambinho do Acordeon (protagonista
do filme Gonzaga, de Pai Para Filho), que tocou xote, baião e promoveu um
arrasta-pé no meio da sala. Dançamos, cantamos. Havia calor humano ali. Havia
gente ali. Foi a única ocasião em que me senti numa cidade comum.
Vi quando alguém cumprimentou a
presidente pela sua casa e ela respondeu: “Não é minha, e sim de todos os
brasileiros”. Meu primeiro pensamento: “Hum, da próxima vez vou trazer meu
biquíni”. O segundo: “Brasília inteira deveria ser a casa de todos os
brasileiros”. O Rio é. Salvador é. Qualquer outra cidade do Brasil é.
Uma casa é onde seus moradores
interagem, onde todos são vistos, onde a proximidade desmascara as mentiras e
impõe a verdade. Uma casa é onde acontecem nossos dramas, comédias, rebeliões,
discussões, abraços. É onde a vida germina e cresce. A capital de um país
deveria estimular exatamente isso que Brasília dificulta: a convivência.
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