quinta-feira, 22 de novembro de 2012



22 de novembro de 2012 | N° 17261
LETICIA WIERZCHOWSKI

Considerações de viagem

Fui para Lisboa com o marido e meus filhos. Viagem especial, aniversário do meu marido e primeira aventura europeia do nosso caçula. Ainda sob o efeito da longa travessia de volta é que escrevo estas linhas, então só posso pensar nestes dias lisboetas, no sol, na chuva, no vento que vinha do Tejo, na simpatia dos portugueses, nos doces de convento, nas ruas, nos prédios centenários, nas pedras escorregadias e cheias de passado.

Nós, brasileiros, viemos de lá. Ou eles vieram para cá – dá no mesmo, alguma coisa deles ficou em nós. Somos parecidos, mas não os mesmos. Achei que os portugueses estão mais educados no trânsito: respeitam a faixa de segurança, quando antes eu reconhecia neles a nossa grosseira urgência. Achei-os mais tristes: a crise está na boca e no bolso de todos. Difícil para nós, brasileiros, entendermos o contexto de uma gente cujo Estado sempre lhes proveu tudo: saúde, segurança, férias tranquilas, aposentadoria digna.

Estão lá a reclamar, a fazer greves – como filhos cujo pai zeloso e meio esbanjador de repente fechou a carteira. Para mim, que cresci num país em que a saúde pública é motivo de piada, em que as pessoas amanhecem na fila à espera de uma consulta médica, para mim, que pago tantos impostos, que não recebo nada em troca, que tenho plano de saúde e plano privado de aposentadoria, para mim, confesso aqui, foi estranho ver os portugueses gritando pelas ruas contra a política de austeridade.

Eles foram felizes um dia, felizes de papel passado. Aqui no Brasil, como diz o meu pai, a vida é mais tico-tico no fubá. Nunca tivemos um Estado que fizesse por nós. Somos criados na autossuficiência.

Portugal é legal, e Lisboa é muito boa (jargão do meu caçula durante a viagem), e eu me enfarei de doces de ovos e de belas vistas, o Castelo de São Jorge, o Tejo de mil ângulos, as ruazinhas do Chiado e do Bairro Alto, as muitas livrarias e cafés. Voltei trazendo na mala a poesia completa de Sophia de Mello Breyner, um daqueles livros que vale o quanto pesa e uma vontade de que fôssemos um tiquinho só mais conservadores – lá, prediozinhos antigos de 300 anos brilham orgulhosos sob o sol de outono, lá há ruas onde os carros não sobem...

Aqui, a última casa da minha rua começou a ser posta abaixo durante a minha ausência, e sinto isso como uma espécie de falseta. Dói pensar na calma lisboeta enquanto aqui uma britadeira faz o seu cruel trabalho, e era uma vez um belo solar. Mas voltei ao Brasil e aqui, pelo menos, é verão.

Nenhum comentário: