10
de novembro de 2012 | N° 17249
CLÁUDIA
LAITANO
Morangos que não
mofam
A
moedinha número 1 da minha coleção de livros é uma edição barata e já amarelada
de Morangos Mofados. Caio Fernando Abreu foi uma paixão avassaladora da minha
adolescência, e esse pequeno volume de contos que ele lançou em 1982 foi o
primeiro livro que eu comprei – e também o primeiro que alguém autografou para
mim: “Prá Cláudia, por exemplo, 1 Beijo, Caio Fernando Abreu, 82”.
Eu
com 16 anos, meu autor favorito com 34, um encontro, um olhar de cumplicidade
(“ninguém te entende como eu...”), uma assinatura, uma lembrança guardada para
sempre... Bom, mais ou menos.
O
problema é que eu não tenho a mais remota recordação desse encontro. Onde eu
pedi esse autógrafo? Quando? Estava sozinha? Disse alguma coisa terrivelmente
adolescente sobre como o livro tinha mudado a minha vida ou congelei
envergonhada? Que impressão eu tive do autor diante de sua versão não impressa?
Zero. Zip. Nada. Não tem registro.
Há
um enorme descompasso entre a memória clara e bem definida da forte impressão
causada pela leitura dos livros de Caio naquela época e a eliminação sumária da
lembrança do nosso primeiro e único encontro. Sou dessas pessoas que guardam
melhor sensações e sentimentos fortes do que fatos e cronologias, mas gosto de
pensar que nesse episódio específico meu inconsciente decidiu por conta própria
que, entre o autor e a obra, ficaria com a segunda.
A
experiência de ficar perto do escritor, falar com ele talvez, tornou-se menos
importante do que os seus livros e teria se perdido completamente não fosse
essa assinatura que está aqui na minha frente agora enquanto escrevo – exatamente
30 anos depois daquele momento que eu esqueci de lembrar para sempre.
Algumas
pessoas tatuam a assinatura dos ídolos na própria pele, o que é uma forma
radical de literalmente incorporar uma experiência estética marcante. Outras já
nem mais pedem autógrafo, preferindo apenas a fotografia, um registro para ser
compartilhado e que, de certa forma, é um laço permanente, nem que seja pelo
nanossegundo do clique de um celular.
(Nos
últimos dias, participei de três sessões de autógrafos, em três cidades
diferentes, e não seria exagero dizer que mais tirei fotos do que distribuí
autógrafos – ou que pelo menos deu empate técnico. )
É
sempre uma experiência muito intensa essa de duas pessoas que não se conhecem e
que tentam, em poucos minutos ou segundos, recriar uma comunicação que até ali
existia apenas na intimidade silenciosa da leitura. A assinatura, em geral, é
apenas um pretexto, de quem escreve e de quem lê, para transportar uma ligação
abstrata e “pura” para o universo concreto do toque, do olhar, da troca de
impressões mútuas – ainda que superficiais e incompletas.
Todos
esses detalhes se perdem com o tempo. Vão-se os sorrisos, os olhares, os
abraços afetuosos, as declarações de devoção profunda e eterna. Ficam a
assinatura, uma saudação cordial, e agora talvez uma foto no Facebook também.
Mas tudo isso é quase nada comparado com aquele momento único em que o leitor
encontrou-se – a sós e em silêncio – com a melhor versão possível de um
escritor: o livro que ele escreveu.
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