sábado, 10 de novembro de 2012



11 de novembro de 2012 | N° 17250
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA

O MAIOR ROMANCE JÁ ESCRITO

Freud dizia que Os Irmãos Karamázov, de Dostoievski, é o maior romance já escrito.

O maior de todos, desde que Cervantes inaugurou o gênero, ao amanhecer do século 17. Precisava falar sobre isso durante a Feira do Livro, nem que fosse no último dia, e até tinha de ser neste último dia em especial, por um motivo que já revelarei.

Li essa maravilha envolta em capa de couro vermelho, tradução de Rachel de Queiroz, introdução de Otto Maria Carpeaux, mas não lembro de ter sido uma maravilha para mim. Na verdade, não recordo de uma única linha ou de um só personagem desse romance, eu era muito guri quando o li, e devo tê-lo feito distraidamente, vou ter de ler de novo para saber o que Freud viu nele. Lembro bem de “Crime e Castigo”, esse sim uma maravilha, talvez um dos maiores romances já escritos, mas quem o diz sou eu, não Freud, então não tem muita importância.

A importância da citação dessas obras-primas justamente hoje ocorre porque, justamente hoje, 11 de novembro, ao fim e ao cabo da Feira, Dostoievski estaria fazendo aniversário. Quer dizer: estar, não estaria, porque ninguém jamais completou 191 anos, exceto os patriarcas do Antigo Testamento de eras pré-diluvianas, quando o Senhor ainda não havia limitado a vida do homem na Terra a apenas 120 anos.

950 Anos

Esse período, 120 anos, tratou-se de uma punição. Correspondia a uma sentença de morte bíblica, uma vez que os homens viviam tão mais sobre a poeira pré-histórica do Oriente Médio. De Noé, por exemplo, a Bíblia relata, em seu estilo grandiloquente:

“A duração total da vida de Noé foi de 950 anos, e morreu”.

Duas mortes

Já Dostoievski morreu duas vezes. A primeira foi quando a polícia do czar o prendeu por participar de um grupo subversivo. Uma injustiça. Dostoievski frequentava o grupo só por causa dos amigos, meio que por farra, sem alimentar convicções. Adorava o czar e continuou adorando-o a vida inteira. Mesmo assim, foi condenado à morte. No dia da execução, colocaram-no à frente do pelotão de fuzilamento. Dostoievski fez suas orações, encomendando a alma ao Ser Supremo. Os soldados apontaram-lhe os fuzis. E então chegou uma ordem do czar suspendendo a sentença.

Tudo armação do regime para tornar mais cruel a punição. Depois daquilo, um Dostoievski traumatizado foi enviado para a Sibéria, e de lá voltou com várias ideias de histórias, entre elas “Recordações da Casa dos Mortos”.

Foi essa, pois, a sua primeira morte, como sugere o nome do romance.

Bebedores de café

Quantos livros escreveria Dostoievski, se vivesse 950 anos? Essa coleção a que me referi, da José Olympio, tem 17 alentados volumes, todos escritos com pena, à luz de velas, para satisfazer a sanha dos credores, Dostoievski atravessou a vida fugindo dos credores.

Balzac também.

Balzac vivia se mudando de uma pensão para outra em Paris, hospedava-se sob pseudônimos, um deles o gracioso “Viúva Durant”, e escrevia 13, 14, 15 horas por dia movido a café, só para pagar as dívidas. Sua obra é imensa.

Outro prolífico endividado: Daniel Defoe. Escreveu cerca de 500 livros para pagar as contas. E Alexandre Dumas, o pai, gabava-se de ter escrito mil, mas foram só uns 350. Todos eles passavam o dia bebendo café e esquivando-se dos oficiais de justiça.

Interessante: Proust também ingeria litros de café por dia em seu apartamento forrado de cortiça, assim como Georges Simenon, com seus mais de 200 romances, cada um escrito em menos de duas semanas.

Certo dia, Alfred Hitchcock ligou para Simenon. A secretária disse que ele estava ocupado “escrevendo um romance”.

– Eu espero na linha – respondeu Hitchcock.

Mas Simenon não era pobre. Vivia com algum fausto em Paris, e seus detratores espalharam que era porque ele colaborava com os nazistas no tempo da guerra.

ALEXANDRE DUMAS

BALZAC

GEORGES SIMENON

PROUST

Comedora de maçã

O café é um estimulante literário, decerto que é, mas nem todos os prolíficos se serviram dele como combustível. O Moacyr Scliar não admitia excessos, médico que era. E escreveu 80 livros.

A inglesa Agatha Christie concebia seus romances de mistério dentro de uma banheira cheia d’água, comendo maçãs. Cada maçã correspondia a um capítulo do livro. Setenta capítulos, 70 maçãs. Mas maçã não engorda, as mulheres que quiserem ser escritoras de romances noir não precisam se preocupar.

Li muitos livros da Agatha quando guri, gostava do pequeno detetive belga Poirot, com seus bigodes encerados. De outra escritora britânica, Barbara Cartland, li um ou dois romances, e não gostei. Achei uma chatice açucarada, e deles também não guardei nada na memória, felizmente.

Essa senhora Cartland, que sempre se vestia de rosa e não era viciada em café, mas em vitaminas, ela viveu quase 100 anos, cometeu mais de 700 livros e vendeu meio bilhão de exemplares. Deve haver algum do qual eu poderia gostar, se insistisse. Mas não adianta, não vou ler. Prefiro recuperar Os Irmãos Karamázov. AGATHA CHRISTIE

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