sábado, 10 de novembro de 2012



10 de novembro de 2012 | N° 17249
NILSON SOUZA

A desinvenção da roda

Dia desses resolvi me livrar de algumas revistas lidas e relidas. Tenho uma certa dificuldade em me desfazer de leituras que foram prazerosas, mas a torre da mesa de cabeceira, formada também por livros inconclusos, já estava se tornando ameaçadora. Então tomei a decisão: peguei uma caixa de papelão e coloquei nela até mesmo alguns impressos que tinha guardado para ler no célebre dia de São Nunca, que é quando os multiocupados terão tempo livre. Para ter certeza de que elas não voltariam, levei-as pessoalmente a um asilo de idosos, que aceita doações desse tipo.

Quando encostei o carro na porta da instituição, um homem me cumprimentou alegremente e ficou observando enquanto eu entregava a carga para o funcionário da recepção. Em seguida, aproximou-se de mim e disse: – Já temos três redes de televisão aqui e mais uma de rádio.

Pensei que ele estava se referindo a aparelhos que eventualmente o asilo tivesse recebido como doação. Respondi “que ótimo!”, já um pouco constrangido por estar levando simples revistas, enquanto outras pessoas doavam objetos bem mais valiosos. Quando entrei no carro, o homem apontou para a lateral do veículo e me alertou:

– Isso tá acabando! Saltei fora, pensando em pneu furado, ou coisa pior. Tudo normal. Então, olhei para ele e perguntei:

– O que está acabando? Ele respondeu sem hesitar: – A roda, isso não vai existir mais. Nem em avião. Em breve, todos os veículos utilizarão a água para andar.

Só então me dei conta de que o meu interlocutor estava viajando pela sua rotina de delírios. São assim os hóspedes dessas casas do esquecimento – os parentes esquecem-se deles, e eles inventam histórias para dialogar com a solidão. Saí pensando na observação despropositada e inofensiva, uma espécie de desinvenção da roda.

Ninguém sabe exatamente quem inventou esse equipamento extraordinário que impulsionou a humanidade da biga neolítica à Fórmula-1, com todas as implicações que bem conhecemos na vida das pessoas, incluindo os engarrafamentos de trânsito. Talvez esteja mesmo na hora de desinventá-lo.

Sei que a curiosidade matou o gato, mas já estou juntando mais revistas para visitar o asilo novamente e inquirir melhor aquele cidadão sobre a sua hipótese de utilização da água por carros e aviões. Ou será que ele está simplesmente prevendo um novo dilúvio universal?

Em breve, neste espaço.

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