terça-feira, 27 de novembro de 2012



27 de novembro de 2012 | N° 17266
CLÁUDIO MORENO

Não se vive para sempre

Quando nossos antepassados mal começavam a andar eretos – muito antes, portanto, de nascer o primeiro cientista ou o primeiro filósofo –, já ecoava, na caverna, a mesma pergunta que hoje e sempre haveremos de fazer: por quanto tempo ainda vou ficar neste mundo?

Se hoje me deixassem decidir, escolheria toda a vida e mais seis meses, como dizia minha avó. Não tenho certeza, no entanto, se minha resposta seria a mesma se a pergunta fosse refeita daqui a 30 anos, pois as pessoas mudam com a idade, como nos ensina a triste história da sibila de Cuma.

Muitas foram as sibilas que o Mundo Antigo conheceu, mas nenhuma foi tão famosa – e tão melancólica – quanto aquela que vivia em Cuma, primitiva colônia que os gregos tinham fundado na Itália. Contam que esta profetisa era tão atraente que o próprio Apolo, o mais belo dos deuses, encheu-se de desejo e prometeu o que ela quisesse em troca de sua virgindade.

“Qualquer coisa”, disse ele – e a jovem sibila, enchendo a mão com a fina areia da praia, pediu um ano de vida para cada grão contido naquele punhado, o que a faria durar mais que um milênio. Ansioso por possuí-la, Apolo não hesitou em conceder o que ela pedia, mas a jovem, sabendo que os dons divinos não podem ser revogados, esquivou-se dos abraços do deus e o abandonou ali, furioso por ter se deixado enganar por uma simples mortal.

Pois ela não ia escarnecer de Apolo por muito tempo: tinha esquecido de incluir a eterna juventude em seu pedido e, como acontece com todas as mortais, ao cabo de algumas décadas a sua beleza tinha se esvanecido. Já centenária, decrépita e envelhecida, viu-se condenada ao suplício de viver mais nove séculos, encolhendo pouco a pouco até ficar reduzida ao tamanho de uma criancinha.

Quando Eneias passou por Cuma, depois da queda de Troia, ela, já com 700 anos, queixou-se amargamente de seu destino: ainda teria de ver 300 colheitas! Por fim, já perto do milênio libertador, estava tão mirrada que a guardavam numa gaiola, e terminou seus dias como atração das crianças de rua, cuja diversão era provocá-la: “Sibila, o que queres?” - ao que ela sempre respondia, roída por um arrependimento de séculos: “Quero morrer!”.

Para o mexicano Carlos Montemayor, esta resposta da sibila contém o mais valioso ensinamento que a Antiguidade nos deixou sobre o tempo: a velhice prolongada prepara o homem para a receber a morte como uma ocorrência natural, às vezes até desejada.

Compreendo as escolhas da sibila: quando era jovem, queria viver mil anos – e nisso estava muito certa; quando se tornou uma anciã, porém, ela queria morrer – no que também estava certíssima. Eu, contudo, tenho tantos projetos que, como Sêneca, acredito que nunca serei tão velho que não deseje viver nem que seja um dia a mais.

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