terça-feira, 20 de novembro de 2012



20 de novembro de 2012 | N° 17259
DAVID COIMBRA

Todos os mortos são bons

Os mortos são bons porque não ocupam mais espaço.

Tudo é espaço, na vida. As pessoas acham que não há espaço para todos. Como se houvesse uma quota. Como se não existisse fama, prestígio e dinheiro em quantidade suficiente. Donde, a inveja. Se aquele cara está com todo aquele naco de prestígio, vai faltar para mim.

Mas a inveja só se dá em âmbito local. Nenhum artista gaúcho sentirá inveja do Paul McCartney, pela razão evidente de que a fama do Paul está além do âmbito da fama do artista gaúcho. Ou seja: o artista gaúcho pode venerar o Paul à vontade, porque o Paul sempre estará acima dele e de todos os outros artistas gaúchos. Mas houve problemas entre Paul e John, e entre os Beatles e os Stones. Por quê? Porque eles, sim, disputavam prestígio.

Pelo mesmo motivo, artistas locais de lugares diferentes são os melhores amigos. No entanto, artistas locais nem sempre amam os artistas locais da sua própria cidade. Óbvio: o espaço que eles ocupam é o mesmo.

Tudo é espaço, na vida.

Grêmio e Inter disputam o mesmo espaço. Por isso se odeiam, se temem e se respeitam. Nenhum gremista sente inveja das conquistas do Real Madrid, que se arroga o maior clube de futebol do mundo. Nenhum colorado se morde com a grandeza do Manchester United, que parece ainda sustentar o poder do velho Império Britânico. Gremistas e colorados são distraídos até com o que acontece com o São Paulo, o Flamengo ou o Cruzeiro. O que interessa, para um colorado, é o Grêmio; o que interessa, para um gremista, é o Inter.

Se os colorados deixassem de existir, as conquistas do Grêmio perderiam sentido, e vice-versa. De quem se sentir superior, de quem gozar, a quem provocar? Essa é a lógica do futebol.

Por isso, o único jogo que realmente importa, para gremistas e colorados, é o Gre-Nal. Por isso, antevejo e garanto: o Gre-Nal do dia 2 será uma guerra. Mesmo que o Grêmio já esteja garantido na Libertadores, mesmo que o Inter não tenha mais ambição no campeonato, será um jogo de luta incomum. Porque, no fim de um ano em que ninguém ganhou nada, num único jogo pode-se ganhar tudo.

Frouxo na hora decisiva

Algum incauto poderá achar que o Grêmio, por estar melhor na tabela, tem vantagem sobre o Inter neste clássico.

Engano.

Sempre digo que, quando um time é muito melhor do que o outro, existe, sim, favoritismo em Gre-Nal, e muitas vezes o favoritismo se cumpre. Só que, no caso dos times deste ano, há algo que os iguala: a falta de estofo do Grêmio em decisões. O Grêmio enfrentou três decisões em fases intermediárias, neste ano.

Jogou contra três adversários inferiores a ele próprio: o Caxias, o Palmeiras e o Millonarios. Perdeu para os três. No caso do Millonarios, uma derrota constrangedora, porque perdeu depois de estar vencendo por 2 a 0, faltando apenas 45 minutos para o fim. O que significa isso? Que o time tem pouca fibra. Que sua fraqueza não é das pernas, mas da cabeça. O Gre-Nal do dia 2 será uma decisão. E o Grêmio de 2012 é um fracassado em decisões.

Os pequenos é que são grandes

Eis duas provas provadas de como é muito mais fácil ganhar um campeonato de pontos corridos:

1. O Grêmio, que não tem têmpera para enfrentar decisões, é o vice-campeão.

2. O campeão insofismável, dono da taça um mês antes do fim do campeonato, não venceu o vice, nem o terceiro colocado. Ao contrário, perdeu para ambos, ganhando dois pontos em 12.

A fórmula de pontos corridos é assim enganadora. Você quer vencer nos pontos corridos? Faça guerra contra a Portuguesa, o Figueirense, o Sport. Se tiver de poupar jogadores, poupe contra os grandes; escale-os contra os pequenos. Na fórmula de pontos corridos, todos os jogos são iguais, mesmo que os adversários não sejam.

O verdadeiro campeão

Como é que um verdadeiro campeão joga metade de uma partida em que está na casa do adversário, na altitude de 2.600 metros, cansado, mas com dois gols a seu favor, como foi ocorreu com o Grêmio na Colômbia? Assim: o goleiro cai, simula lesão e leva dois minutos para se levantar. Depois o volante cai, simula lesão e leva um minuto e meio para se levantar. Em seguida, o capitão reclama do juiz. Aí o atacante cai, simula lesão e leva um minuto para se levantar. Então, o zagueiro se queixa para o juiz.

Mais um pouco e é o técnico quem chama a atenção do juiz. Se um meia apanha, como alguns do Grêmio apanharam, todos cercam o adversário agressor, gritam, clamam contra a injustiça, urram, fazem o jogo parar três, quatro minutos, esfriam o adversário, irritam a torcida, mostram para o juiz que ele não pode marcar um pênalti aos 47 do segundo tempo sem se incomodar. Um verdadeiro campeão não admite perder, sobretudo quando está ganhando.

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