Arnaldo
Jabor - O Estado de S.Paulo - 13 de novembro de 2012 | 2h 08
A estética da
corrupção
Meu
Deus, como a CPI do Cachoeira e o "mensalão" do Zé Dirceu têm nos
ensinado no último ano... Aprendemos muito sobre a estética da corrupção, sobre
a semiologia dos casos cabeludos. Eu adoro o vocabulário das defesas, das
dissimulações, as carinhas franzidas dos acusados na TV ostentando dignidade,
adoro ver ladrões de olhos em brasa, dedos espetados, uivos de falsas virtudes.
Quando
explode um choro, é um êxtase. Alegam, entre soluços, que são sérios, donos de
empresas impecáveis. Vai-se olhar as empresas, e nunca nada rola normal, como
numa padaria. As empresas sempre são "em sanfona", "en
abîme" - uma dentro da outra, sempre com "holdings",
subsidiárias, firmas sem dono, sem dinheiro, sem obras, vagando num labirinto
jurídico e contábil que leva a um precioso caos proposital, pois o emaranhado
de ladrões dificulta apurações. Me emociona a amizade dentro das famílias
corruptas.
São
inúmeros os primos, tios, ex-sócios, ex-mulheres que assumem os contratos de
gaveta, os recibos falsos, todos labutando unidos. Baixa-me imensa nostalgia de
uma família que não tenho e fico imaginando os cálidos abraços, os sussurros de
segredo nos cantos das varandas, o piscar de olhos matreiros, as cotoveladas
cúmplices quando uma verba é liberada em 24 horas, os charutos comemorativos;
tenho inveja dos vastos jantares repletos de moquecas e gargalhadas, piadas,
dichotes, sacanagens tão jucundas, tão "coisas nossas", que até me
enternecem pela preciosidade antropológica de nossa sordidez.
Adoro
ver as caras dos canalhas. Muitos são bochechudos, muitos cachaços grossos,
contrastando com o "style" anoréxico das vítimas da seca, da fome -
proletários 'chiques', 'elegantérrimos' pela dieta da miséria. Os corruptos
tendem para a obesidade e parecem acumular dentro das barrigas suas riquezas
sempre iguais: piscinas, fazendas, lanchões, 'miamis'.
Todos
têm amantes, todos com esposas desprezadas e tristes se consumindo em plásticas
e murchando sob litros de botox, têm filhos paspalhões, deformados pelas
doenças atávicas dos pais e avôs. Aprecio muito bigodões e bigodinhos. Nas
oligarquias, os bigodes corruptos são poderosos, impositivos, bigodes que
ocultam origens humildes criadas à farinha d'água e batata-de-umbu, camuflando
ancestrais miscigenados com índios e negros, na clara dissimulação de um
racismo contra si mesmos.
Amo
o vocabulário dos velhacos e tartufos. É delicioso ver as caras indignadas na
TV, as juras de honestidade, ouvir as interjeições e adjetivos raros:
"ilibado", "estarrecido", "despautério",
"infâmias", "aleivosias"... Os corruptos amam a norma
castiça da língua, palavras que dormem em estado de dicionário e despertam na
hora de negar as roubalheiras. São termos solenes, ao contrário das gravações
em telefone: "Manda a grana logo para o F.d.p. do banco, que é um grande
*#@, senão eu vou #@** a mãe deste *#&@ !!!"
Outra
coisa maravilhosa nos canalhas é a falta de memória. Ninguém se lembra de nada
nunca: "Como? Aquela mulher ali, loura, 'popozuda', de minissaia? Não me
lembro se foi minha secretária ou não". E o aparente descaso com o
dinheiro? Na vida real, farejam a grana como perdigueiros e, no entanto, dizem
nos inquéritos: "Ih!... como será que apareceram R$ 10 milhões na minha
conta? Nem reparei. Ah... esta minha memória!..."
E
logo acorrem os juízes das comarcas amigas, que dão liminares e mandados de
segurança de madrugada, de pijama, no sólido apadrinhamento oligárquico, na
cordialidade forense e sempre alerta, feita de protelações, dasaforamentos,
instâncias infinitas, até o momento em que surge um juiz decente e jovem, que
condena alguém e é logo xingado de "exibicionista".
Adoro
as imposturas, as perfídias, os sepulcros caiados, os beijos de Judas, os
abraços de tamanduá, as lágrimas de crocodilo. Adoro a paisagem vagabunda de
nossa vida brasileira, adoro esses exemplos de sordidez descarada, que tanto
ensinam sobre o nosso Brasil. Amo também ver o balé jurídico da impunidade.
Assim
que se pega o gatuno, ali, na boca da cumbuca, ali, na hora da "mão grande",
surgem logo os advogados, com ternos brilhantes, sisudos semblantes, liminares
na cinta, serenidade cafajeste e, por trás de muitos deles, dá para enxergar as
faculdades malfeitas, as 'chicaninhas' decoradas, os diplomas comprados.
Imagino a adrenalina que lhes acende o sangue quando a mala preta voa em sua
direção, cheia de dólares. Imagino os olhos covardes dos juízes que lhes dão
ganho de causa, fingindo não perceber a piscadela cúmplice que lhes enviam na
hora da emissão da liminar.
Os
canalhas explicam o Brasil de hoje. Eles têm raízes: avô ladrão, bisavô
negreiro e tataravô degredado. Durante quatro séculos, homens como eles criaram
capitanias, igrejas, congressos, labirintos. Nunca serão exterminados; ao
contrário - estão crescendo. Acham-se sempre certos, pois são 'vítimas' de um
mal antigo: uma vingança pela humilhação infantil, pela mãe lavadeira ou
prostituta que trabalhou duro para comprar seu diploma falso de advogado. Não
adianta prender nem matar; sacripantas, velhacos, biltres e salafrários
renascerão com outros nomes, inventando novas formas de roubar o País.
Adoro
ver como eles gostam do delicioso arrepio de se saberem olhados nos
restaurantes e bordeis; homens e mulheres veem-nos com volúpia: "Olha, lá
vai o ladrão..." - sussurram fascinados por seu cinismo sorridente, os
"maîtres" se arremessando nas churrascarias de Brasília e eles
flutuando entre picanhas e chuletas. Enquanto houver 25 mil cargos de confiança
no País, enquanto houver autarquias dando empréstimos a fundo perdido, eles
viverão. Não adiantam CPIs querendo punir.
No
caso do mensalão, durante suas defesas no STF, vimos que muitos contavam
justamente com as deficiências da Justiça para ganhar. Pode ser que agora mude
tudo, depois desse julgamento histórico. Mas, enquanto houver este bendito
Código de Processo Penal, eles sempre renascerão como rabos de lagartixa.
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