13
de novembro de 2012 | N° 17252
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Fazia
tempo...
Fazia
tempo que não deixava a comida esfriar no prato pelo interesse na conversa.
Fazia
tempo que não abria o zíper de um vestido com todo o cuidado para não machucar
a pele.
Fazia
tempo que não tinha tanta ansiedade de meu passado.
Fazia
tempo que não via alguém amarrar meu cadarço.
Fazia
tempo que não andava de ônibus dividindo o headphone.
Fazia
tempo que não esperava passar a chuva.
Fazia
tempo que não procurava fotografias de minha infância.
Fazia
tempo que não reparava em casais mais velhos comendo em silêncio.
Fazia
tempo que não sofria de compaixão dos bancos de praça.
Fazia
tempo que não observava o musgo nos fios telefônicos, ouvia o barulho de
lâmpadas falhando das cigarras.
Fazia
tempo que não agradecia com desculpa e me desculpava com obrigado.
Fazia
tempo que não me acordava louco para dormir um pouco mais.
Fazia
tempo que o cheiro da pele não se parecia tanto com o cheiro dos travesseiros.
Fazia
tempo que não me exibia aos meus amigos.
Fazia
tempo que não me curvava aos cachorros de minha rua.
Fazia
tempo que o cansaço não me atrapalhava.
Fazia
tempo que não decorava os hábitos de outra pessoa a ponto de antecipá-la em
pensamento.
Fazia
tempo que não me importava em conferir a previsão do tempo e o horóscopo.
Fazia
tempo que não me preocupava com o que havia na geladeira.
Fazia
tempo que não ria sozinho, sem controlar a altura da voz.
Fazia
tempo que não enganchava minhas roupas num brinco.
Fazia
tempo que não tinha saudade do que nem iria acontecer.
Fazia
tempo que não respondia com perguntas, como se estivesse estudando para o
vestibular.
Fazia
tempo que não temia o intervalo dos telefonemas.
Fazia
tempo que não massageava os pés no colo – os pés femininos são mãos distraídas.
Fazia
tempo que não escrevia bilhetes para despertar surpresas pela casa.
Fazia
tempo que não curava a ressaca com sexo.
Fazia
tempo que não estendia no varal a calcinha molhada no box do banheiro.
Fazia
tempo que não dobrava a camiseta com suspiro, ou dobrava o suspiro com a
camiseta.
Fazia
tempo que não me demorava no espelho, encolhendo a barriga, ensaiando
cumprimentos.
Fazia
tempo que não mergulhava em silêncio para não desperdiçar nenhuma frase dita.
Fazia
tempo que não beijava esquecendo aonde ia e quem poderia estar olhando.
Fazia
tempo que não me apaixonava assim.
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