sábado, 24 de novembro de 2012



25 de novembro de 2012 | N° 17264
VERISSIMO

O tio rico

Todos em casa tinham sido avisados. O tio rico iria visitá-los. O tio rico era uma espécie de figura mítica para a família. Não sabiam muito a seu respeito, só sabiam que era rico, muito rico. Não sabiam nem, exatamente, qual era o parentesco dele com a família. A mãe tinha uma vaga ideia.

– Acho que ele é filho da Valdinha.

A Valdinha, também conhecida na família como a Prima Devassa, tinha se envolvido com um comerciante de tapetes trambiqueiro, que trazia imigrantes clandestinos enrolados nos seus tapetes orientais.

Um dia um dos imigrantes morrera sufocado dentro do tapete. Abnir, o comerciante de tapetes, protestara. Não sabia como aquele cadáver tinha surgido no meio da sua mercadoria. No noticiário sobre o escândalo aparecera uma foto de Abnir e a Prima Devassa num restaurante, de mãos dadas. A mãe não sabia que fim tinha levado a prima Valdinha ou o Abnir. O tio rico podia ser filho deles. Ou então...

– Ele pode ser neto da tia Hortência, a que herdou um hotel.

Fosse como fosse, ficariam sabendo o grau de parentesco do tio rico com a família do próprio tio rico. E o que o tio rico queria com eles. O tio rico podia – por que não? – ter decidido distribuir sua fortuna entre seus familiares. Mesmo os que mal o conheciam. Por que não?

A família reuniu-se para receber a visita do tio rico. O pai botou gravata, a mãe um vestido melhorzinho. As crianças foram instruídas a se comportarem. Decepção: o tio rico não chegou num carro com motorista. Não chegou nem de táxi. Veio a pé. Quando entrou na sala disse:

– Ah, bem como eu imaginava. E pediu: – Posso ver o resto da casa?

E a cada peça da pequena casa que examinava, dizia “Maravilha”

Depois, na sala, tomando um licorzinho, o tio rico contou que acompanhava a vida da família de longe.

– Acompanha, como? – perguntou a mãe, espantada.

– Sei tudo sobre vocês. Sei até onde estudam as crianças. Vocês não acreditariam no número de vezes em que passei aqui na frente, imaginando como seria participar da vida de vocês. Vocês são uma família perfeita.

O pai também estava espantado. Perguntou: – Mais licor?

– Não. Olhe. Vou fazer uma oferta. Eu sei que vocês não têm empregada. Estão usando o quarto de empregada como depósito. Eu proponho me mudar para cá e ocupar o quarto de empregada. Pagando um aluguel, é claro.

– Mas, mas... É um quarto minúsculo! – disse a mãe. – Para mim, é perfeito. Tudo para participar da vida de vocês.

E o tio rico acrescentou: – Afinal, somos uma família!

Depois da visita, a mãe se lembrou. Não tinha perguntado se o tio rico era filho da Valdinha e do Abnir ou neto da tia Hortência, a que herdara um hotel. Mas nos dias que viriam eles teriam muito tempo para saber da vida do tio rico. Na mesa do jantar ou em volta da TV, na sala. O tio rico já tinha dito que não era de sair muito e adorava uma boa novela.

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