24
de novembro de 2012 | N° 17263
ARTIGOS
- Paulo Flávio Ledur*
Pensar mais e decorar
menos
Sabe-se
que a educação no Brasil vai mal; pior, está decadente. Sabe-se também que ela
está na base do desenvolvimento de qualquer nação; portanto, é preciso reagir.
Para que a reação aconteça, o primeiro passo é conhecer as causas, para depois
combatê-las.
Com
base nos 40 anos de experiência como professor de língua portuguesa em cursos
nos níveis de graduação e pós-graduação, fiz uma reflexão sobre as causas de os
alunos se apresentarem, mesmo nesses níveis, com tanta dificuldade em questões
básicas da minha disciplina. Acredito ter chegado a uma das razões, talvez a
mais importante delas: esses alunos sempre foram levados a decorar tudo, a
memorizar, sem praticamente usar a inteligência, o raciocínio lógico-dedutivo,
a observação atenta. Em síntese, desde o Ensino Fundamental, desenvolveram o
hábito de utilizar basicamente a memória, em detrimento da inteligência.
A
aprendizagem baseada apenas na memória é limitada, estática, inconsequente, não
evoluindo espontaneamente para novos conhecimentos. Nesse modelo, o aluno se
limita a receber. Ao lançar mão, predominantemente, da inteligência, do raciocínio
lógico-dedutivo, da atenção e da reflexão, sua aprendizagem torna-se
consequente, construtiva, reflexiva, dinâmica, ilimitada. Em vez de recebê-lo
pronto, o aluno conquista o conhecimento. Portanto, é imperioso que o
preparemos para pensar mais e decorar menos.
A
estratégia decerto vale para todas as disciplinas, mas limito-me aqui a
apresentar exemplo clássico da área de língua portuguesa: a sintaxe. Sua
abordagem se dá de forma intensa, tanto no Ensino Fundamental quanto no Médio,
mas, em regra, o estudante quase nada aproveita de prático desse enorme esforço
de aprendizagem.
Mais
do que em qualquer outro campo do estudo da língua, usar apenas a memória como
forma de aprendizagem da sintaxe é totalmente inócuo. Decorar, por exemplo, que
é fácil identificar o vocativo porque ele vem sempre isolado por vírgula ou
vírgulas é uma falácia, pois se inverte a relação causa-consequência: a vírgula
não é causa do vocativo, mas consequência; é preciso identificar o vocativo,
para então usar a vírgula. O resultado não poderia ser outro: apesar de todos
terem decorado a “mágica regra”, são raros os brasileiros que usam a vírgula do
vocativo.
Outro
exemplo: de nada adianta ensinar que o adjunto adverbial deslocado requer o
emprego de vírgula se o aluno não souber identificar o adjunto adverbial. O
mesmo vale para o aposto, as orações subordinadas adverbiais, os elementos
explicativos em oposição aos restritivos, a concordância, a crase etc. Em
síntese, para a aprendizagem da sintaxe só há um caminho: o da inteligência.
Sem contar que se trata de uma forma mais desafiadora e, por isso mesmo, mais
prazerosa e conquistadora do conhecimento.
*EDITOR
E PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA
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